Em sua maioria, essas substâncias são proibidas nos EUA e na Europa; para sociedades médicas, que apoiam a liberação, elas podem ser úteis para tratar obesidade, mas alguns especialistas discordam.
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Liberação de emagrecedores opõe Congresso Nacional e Anvisa
(Foto: Pixabay)
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Três substâncias, duas opiniões distintas. Feitos à base de
anfetaminas, os emagrecedores anfepramona, femproporex e mazindol viraram tema
de intenso debate após o Congresso liberar seu uso no Brasil, sob o apoio das
sociedades médicas, embora a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
siga afirmando que os riscos à saúde são maiores que os benefícios.
Os medicamentos, conhecidos como anorexígenos, atuam no
sistema nervoso central para gerar aversão a comida e inibir o apetite e, por
isso, são utilizados em tratamentos para perda de peso. Em 2011, eles foram
vetados após análise da Anvisa, órgão ligado ao Ministério da Saúde, mas uma nova
lei aprovada pelos parlamentares e sancionada pela Presidência da República no
mês passado retirou essa trava.
A volta dos remédios divide opiniões. De acordo com a
agência reguladora, os medicamentos trazem riscos a pessoas com predisposições
a doenças cardíacas e psiquiátricas, e seus benefícios contra a obesidade são
limitados. Pelos mesmos motivos, as substâncias também foram proibidas nos
Estados Unidos e na Europa, com exceção da anfepramona, comercializada no
mercado americano.
"Quando a Anvisa fez essa avaliação, em 2011, ficou
comprovado que os efeitos adversos eram perigosos, que as pessoas ficavam
dependentes, que havia riscos para os sistemas cardiovascular e neurológico e
que os benefícios eram limitados. A perda de peso, por exemplo, não era consistente",
afirma à BBC Brasil o médico Jarbas Barbosa, diretor-presidente da Anvisa.
"O que encontramos foi que esses medicamentos trazem
riscos graves e resultados inexpressivos", acrescenta.
Mas entidades como o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Sociedade
Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e a Associação Brasileira
para o Estudo da Obesidade (Abeso) comemoram o retorno dos medicamentos ao
país.
"Se há grupo de medicamentos com consenso entre
sociedades médicas (sobre seu uso) e dispensado (liberado) em outros países,
acreditamos que é direito do médico brasileiro ter esses medicamentos em seu
arsenal contra a obesidade, mesmo com as limitações dessas substâncias",
defende Fábio Trujilho, presidente da SBEM.
Apesar de celebrar a liberação, as entidades alertam que de
fato há riscos associados aos remédios e que, por isso, precisam ser usados em
casos específicos e por curtos períodos de tempo, uma vez que podem causar
dependência química.
"É um medicamento para usar no paciente obeso - não
para quem quer perder dois ou três quilos", ressalta Trujilho. "Essas
substâncias não podem ser receitadas para pacientes que consumam outros
remédios, e o tratamento não pode ultrapassar três meses", explica.
Fabricar ou não fabricar
Em meio à polêmica, a indústria farmacêutica afirma ter
recebido com preocupação a volta dos emagrecedores.
"É algo que enfraquece a posição da Anvisa, que deveria
ser a única responsável pela liberação de produtos farmacêuticos", diz
Nelson Mussolini, presidente-executivo do Sindicato da Indústria de Produtos
Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma).
"Passaram as anfetaminas, e podem agora passar
quaisquer produtos."
Mesmo com a nova lei, avalia Mussolini, a indústria
farmacêutica não deve voltar a produzir os inibidores, já que não será possível
registrá-los na Anvisa. Por isso, diz, esse mercado não irá mudar no
curto-prazo. "Sabemos que em vários países esses produtos foram
contestados pela sua falta de segurança e de eficácia. Então não enxergamos que
a indústria nacional vá fabricar esses medicamentos."
Para ele, as farmácias de manipulação devem absorver esse
mercado, como já faziam no passado. Mas restam dúvidas sobre a origem da
matéria-prima que devem utilizar, que precisará ser importada. Com as
substâncias banidas em mercados desenvolvidos, os produtos podem vir de países
com pouca regulação sanitária.
Até 2011, os remédios consumidos no país que incluíam esses
inibidores de apetite eram produzidos principalmente por empresas brasileiras,
como Aché Laboratórios (Dualid S e Desobesi-M), Medley (Inibex S e Absten S) e
Libbs Farmacêutica (Fagolipo). Mas após o veto da Anvisa, as empresas
abandonaram esse mercado e se voltaram para classes de remédios contra a
obesidade aprovadas pela agência - porém mais caras.
Produtos como o Saxenda, da dinamarquesa Novo Nordisk S/A,
são utilizados no tratamento da obesidade e liberados no Brasil. O medicamento
dá sensação de saciedade maior, mas sem os efeitos colaterais das anfetaminas -
em seu caso, eles podem ser outros, como desidratação e pancreatite aguda.
O problema, argumenta Trujilho, é seu custo mensal: em torno
de R$ 700, contra os até R$ 60 dos inibidores de apetite à base de
anorexígenos. "Torna o acesso mais difícil", diz.
Efeitos colaterais
A anfepramona, o femproporex e o mazindol são drogas
anfetamínicas, produtos sintéticos que estimulam a atividade do sistema nervoso
central e, por isso, afetam o comportamento do paciente de diferentes maneiras.
Além de causar perda de apetite, elas causam insônia e dão
maior sensação de energia. Ao liberar neurotransmissores que aceleram o
metabolismo, as substâncias aumentam a pressão arterial e a frequência
cardíaca. Nesse processo, a pessoa queima mais calorias e, dessa maneira, perde
peso.
Porém, essas substâncias trazem efeitos colaterais graves,
principalmente em pessoas com predisposição a transtornos psiquiátricos.
"Essas drogas têm ação sobre neurotransmissores como a
dopamina, a noradrenalina e a serotonina, além de outros. Seus mecanismos de
ação atuam em mecanismos comuns aos que estão presentes em quadros como
psicoses, esquizofrenia, depressão e pânico", afirma Táki Athanássios Cordás,
psiquiatra e coordenador do programa de transtornos alimentares do Instituto de
Psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo.
Cordás, que foi um dos que colaboraram com o parecer da
Anvisa de 2011, diz que é comum pacientes apresentarem quadros psicóticos
desencadeados pelos inibidores de apetite, que foram para o mercado negro após
a proibição.
"Tenho vários casos de pacientes que passaram a tomar
essas drogas e apresentam quadros paranóides, de perseguição, quadros
depressivos."
O principal risco, afirma, é que a maioria da população
desconhece sua predisposição a ter enfermidades psiquiátricas - e o uso das
substâncias para emagrecimento pode ter efeitos inesperados e
"acordar" outras doenças. "O endocrinologista não será o profissional
que irá ver as consequências em seu consultório. Os efeitos serão sentidos
pelos psiquiatras e cardiologistas."
"É uma medicação que pode aumentar tendências
suicidas", acrescenta a endocrinologista Renata Sacramento, do Hospital
São Vicente de Paulo, no Rio de Janeiro. "Alguns pacientes dizem que se
sentem horríveis. Para alguns, funciona, mas é a minoria", afirma.
Indicações
Entidades médicas favoráveis ao uso dos anorexígenos
ressaltam que eles só devem ser usados em casos restritos - em geral, pacientes
obesos e que não tenham contraindicações, como predisposição a doenças
cardíacas e psiquiátricas.
De acordo com o Ministério da Saúde, obesos são aqueles com
índice de massa corpórea (IMC) acima de 30 kg/m². Outro público-alvo seriam
pessoas com sobrepeso e sob o risco de desenvolver doenças graves, como o
diabetes.
Para esses especialistas, o uso dos remédios para emagrecer
auxilia na redução dos efeitos nocivos da obesidade, que atinge uma porção cada
vez maior da população. De acordo com dados do Ministério da Saúde divulgados
em 2015, 57% dos brasileiros estão acima do peso - em 2003, eram 42%.
"A obesidade não pode ser vista como má vontade do
paciente. Precisa ser vista como doença que precisa de remédios em determinados
momentos", diz Trujilho, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia.
"É importante que o paciente obeso volte a ter essas
opções de tratamento", avalia Salomão Rodrigues Filho, psiquiatra e
conselheiro do Conselho Federal de Medicina, entidade que lamenta a proibição
das substâncias pela Anvisa. Para a organização, cabe ao médico prescrever o
medicamento com segurança, respeitando as restrições de indicação.
"Pacientes obesos têm possibilidade muito maior de
desenvolver doenças crônicas como a diabetes tipo 2, hipertensão arterial, o
que vai facilitar possibilidades de infarto e de acidentes vasculares
cerebrais. Essas são substâncias para evitar esses problemas", diz.
Ambos os profissionais ressaltam que as substâncias precisam
ter receita controlada e que médico e paciente devem assinar um termo de
responsabilidade, para que estejam cientes dos riscos associados aos
medicamentos.
'Resistência' ao emagrecimento
Um dos argumentos utilizados pela Anvisa para proibir as
anfetaminas emagrecedoras foi que os benefícios eram poucos se comparados aos
riscos que esses medicamentos apresentavam. Estudo do órgão regulador na época
apontou que as substâncias garantiam perda de peso apenas no curto prazo - ou
seja, após o tratamento os pacientes voltavam a engordar.
De acordo com a endocrinologista Renata Sacramento, existe
de fato um "efeito rebote" - ou seja, o paciente perde peso, mas
depois passa a ter mais do que tinha antes. "Tenho pacientes que já
tomaram e emagreceram, mas depois ganharam o triplo e não conseguiram perder
mais."
A médica diz que a perda de peso fica ainda mais difícil
após esse efeito. "O corpo cria uma espécie de 'resistência' ao
emagrecimento", explica.
Médicos relatam ainda casos em que a suspensão do remédio
leva a um comportamento de compulsão alimentar e a piora do quadro de obesidade
anterior.
"Você está levando gente doente a consumir uma droga
que vai deixá-los ainda mais doentes", afirma Cordás. "Mesmo se
houvesse benefício marginal, o risco sobrepuja muito o benefício
possível."
Mudança de hábito
Apesar de divergirem dos riscos e benefícios das
substâncias, os especialistas concordam que aqueles que precisam emagrecer não
poderão escapar da reeducação alimentar e da mudança de hábitos, como a prática
de atividades físicas. Essas medidas levam mais tempo, mas garantem um quadro
de emagrecimento saudável e sustentável para o paciente.
"Como tudo na vida, perder peso é difícil. Precisa
mudar a alimentação, não fumar, fazer atividade física. O problema é que quando
chega um remédio, as pessoas pulam etapas e não querem fazer a parte mais
importante", avalia Sacramento.
Trujilho, da SBEM, diz que as substâncias devem ser usadas
apenas no início do tratamento para ajudar o paciente a incorporar uma dieta
regrada, e que a reeducação alimentar é necessária.
"É preciso usar o medicamento por determinado período,
para auxiliar o organismo a se adaptar a um novo comportamento."
A melhor maneira de enxergar a medicação é como parte de um
tripé que possui outros elementos também essenciais num programa de
emagrecimento, avalia Sacramento. Às vezes, diz a médica, o paciente já chega
ao consultório com a ideia fixa de que precisa de um medicamento - e cabe ao médico
educá-lo e deixar claro que não há efeito imediato sem consequências graves.
"O remédio nunca será a base da pirâmide",
explica. "A base é reeducação alimentar e exercício físico."
Por: Bem Estar.
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