Educador finlandês diz que o uso pesado de smartphones, redes sociais e outras tecnologias tem "retirado o tempo de leitura dos jovens, de lição de casa, e afeta habilidades como concentração e persistência para aprender"
![]() |
Pesquisa mostra que 49% dos brasileiros da chamada Geração Z
(16 a 20 anos) consideram o smartphone o seu melhor amigo
Foto: Arthur de Souza
|
O ano de 2001 chocou especialistas em educação. Um pequeno
país na Escandinávia aparecia como o melhor do mundo em leitura e top 5 em
matemática e ciências, com políticas contrárias ao que o senso comum sugeria. A
Finlândia tinha uma das menores jornadas escolares entre as nações
desenvolvidas e se preocupava pouco com avaliações de estudantes.
Dezessete anos depois, o país segue entre os melhores no
Pisa, a avaliação internacional que trouxe fama ao país. Mas suas notas estão
em queda. Em matemática, agora ocupa a 13ª posição; em ciência, 5º; em leitura,
4º.
O Brasil ocupa a 65ª colocação, entre 72 países.
O que levou a Finlândia ao topo, e agora seus desafios
atuais, são discutidos no livro "Lições Finlandesas 2.0" (SESI-SP
Editora), do educador Pasi Sahlberg. A versão em português da obra será lançada
nesta segunda (23), em São Paulo.
Sahlberg, 58, foi professor de educação básica na Finlândia,
ocupou cargo no Ministério da Educação do país e hoje é professor visitante na
Escola de Educação da Universidade Harvard (EUA).
O educador diz no livro que há uma conjunção de fatores que
levaram a Finlândia ao topo. Um deles foi o investimento público grande na
educação básica (o Brasil investe mais no superior), com gestão descentralizada
e estabilidade na política pública, mesmo quando há mudança da linha política
no governo.
Desde 1970, quando começou esse conceito de educação pública
na Finlândia, já se passaram mais de 20 governos. O país também foi atrás de
políticas de outros países para inspirar o seu. Ele cita como exemplos modelos
curriculares do Reino Unido, Califórnia e Ontário (Canadá); aprendizagem
cooperativa nos EUA e Israel; e trabalho cooperativos de equipes escolares no
Canadá e Países Baixos.
O terceiro ponto é a profissão do magistério. Boa
remuneração aos professores, mas combinada com rigor para seleção dos novos
docentes.
Uso do celular
Sahlberg afirma que um dos motivos que levaram a Finlândia a
cair nas avaliações foi justamente seu sucesso no Pisa. O país passou a ter
receio de alterar e aprimorar seu sistema educacional, tão elogiado.
Em entrevista à reportagem por email, Sahlberg diz também
que o uso pesado de smartphones, redes sociais e de outras tecnologias tem
"retirado o tempo de leitura dos jovens, de lição de casa, e afeta
habilidades como concentração e persistência para aprender".
Em termos de políticas públicas, o educador afirma não ter
havido nenhuma grande mudança que possa ter impactado negativamente o
desempenho dos estudantes.
"Temo que seguiremos vendo mais desafios para
aprendizado da leitura, matemática e ciências, a não ser que pais e escolas,
juntos, consigam encontrar formas de colocar limites aos estudantes, em termos
de tempo gasto em redes sociais e tecnologia, assim como os próprios pais usam
seus aparelhos celular em casa", disse.
Brasil
O finlandês afirma que simplesmente copiar modelos de outros
países tende a não funcionar. O ideal, afirma, é se inspirar em outros sistemas
e construir o seu próprio. Ele diz que a Finlândia tem ideias "grandes e
de baixo custo" que podem ajudar o Brasil.
Uma delas é o princípios de "discriminação positiva, o
que significa atender melhor escolas e estudantes que precisam de mais
recursos". Segundo, todas as escolas e professores devem trabalhar em
espírito colaborativo e de responsabilidades compartilhadas, não em competição
de um contra o outro.
Terceiro, garantir que todas as crianças no ensino infantil
e fundamental tenham pausas diárias durante a jornada escolar, para que possam
brincar e ter atividades físicas. "Eles ficarão engajados, saudáveis e
felizes na escola." Esses três princípios, diz ele, podem ser encontrados
em todas as escolas da Finlândia.
Autonomia
No livro, o educador afirma que os professores no seu país
controlam a grade curricular, as avaliações estudantis, a melhora da escola e o
envolvimento da comunidade. "Espera-se que os professores na Finlândia
exercitem todo o seu conhecimento profissional e seu bom julgamento de forma
independente e coletiva em suas escolas."
Em entrevista à reportagem, Sahlberg pondera que esse grau
de autonomia aos professores não necessariamente funciona em qualquer país.
"Esse sistema no Brasil iria requerer ainda mais supervisão externa, guias
e apoio do que na Finlândia, onde todos os professores têm formação acadêmica
de alto nível."
Além disso, ele afirma que essa autonomia não significa que
o professor possa fazer o que quiser na escola. "Na Finlândia e em outros
sistemas educacionais, liberdade profissional aos professores é chamada de
autonomia coletiva, que significa que professores têm mais autonomia em relação
a autoridades e à burocracia, mas ao mesmo tempo eles têm menos autonomia entre
eles." Ou seja, as decisões são tomadas dentro de grupos de professores e
nas escolas, não individualmente.
Base curricular
Uma das apostas no Brasil para melhorar a qualidade de
ensino é documento que serve de base para todos os currículos do país, das
redes pública e particular, a chamada Base Nacional Comum Curricular.
Segundo o finlandês, a política pode funcionar se houver
flexibilidade para que professores possam adaptar o modelo às suas realidades.
"Com os consideráveis desafios em relação ao ensino no Brasil, um certo
nível de unidade curricular é necessária."
Por: Folha PE.
Nenhum comentário:
Postar um comentário