Oriundos de devolução voluntária ou de operações de fiscalização, papagaios-verdadeiros passam por projeto na caatinga para reabilitá-los e devolvê-los de forma segura à natureza.
![]() |
Papagaio-verdadeiro na caatinga
Foto: divulgação/CPRH
|
Nas propriedades da Fazenda Mulungu, em Salgueiro, e do
Sítio Mangueira, em Exu, ambos municípios do Sertão pernambucano, um grupo de
papagaios-verdadeiros (Amazona aestiva) que foi mantido em cativeiro por muito
tempo sabe o que é voar em toda sua plenitude. Embora não seja oficialmente
listado entre os animais que correm o risco de desaparecerem da natureza, o
papagaio-verdadeiro não é encontrado em abundância na caatinga, seu habitat
natural. Uma realidade que leva especialistas a considerarem a extinção uma
possibilidade próxima, à medida que a quantidade de animais registrada hoje é
insuficiente para a recomposição de uma grande população na natureza. Para
virar esse jogo, nasceu o projeto Papagaio da Caatinga, um dos programas de
preservação da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) que, nos últimos seis
anos, devolveu a liberdade para 289 papagaios, sendo 157 em Salgueiro e os
demais em Exu.
Mas, até chegar à tão sonhada independência, é um longo
processo. A vida livre na natureza ocorre pelo menos uma vez ao ano, após as
aves passarem pouco mais de oito meses no Centro de Triagem de Animais
Silvestres de Pernambuco (Cetas Tangara), espaço administrado pela CPRH no bairro
da Guabiraba, na Zona Norte do Recife. É lá que elas começam do zero até
estarem bem adaptadas ao mundo real. Quando chegam ao Cetas Tangara, seja por
uma devolução voluntária ou por meio de operações de fiscalização, esses
animais são submetidos a uma triagem em que cada indivíduo é analisado até
passar por exames clínicos e ser vermifugado. A partir daí, começa o processo
de reabilitação. “É quando treinamos a musculatura para voo, o reconhecimento
da alimentação disponível na natureza e resgatamos neles o medo por seus
predadores. Como muitos vêm de cativeiro, esse processo de reabilitação é
primordial para que eles desenferrujem. É como numa academia. Uma pessoa obesa
não corre com a mesma facilidade que uma pessoa em boa forma”, compara o
biólogo e coordenador do projeto, Yuri Marinho Valença. Ele também é
responsável por gerir o Cetas Tangara.
A soltura desses animais em meio à caatinga não é rápida,
explica Valença, porque a fase da reabilitação é a mais trabalhosa. Geralmente,
eles são capturados pelas pessoas ainda filhotes, tornando-se ainda mais fácil
a domesticação. É o principal motivo que justifica o porquê de a espécie ser
uma das mais traficadas pelo mercado nacional e estrangeiro - porque há quem os
compre. “Um animal enclausurado em uma gaiola ou acorrentado desde seus
primeiros anos nunca saberá o que é a vida selvagem e viver em bando. Isso
complica muito, porque a ave não reconhece o humano como predador. Até ele
perder os hábitos domésticos leva tempo”, contextualiza o biólogo.
Ainda que o animal seja criado solto nas casas, a prisão é
também comportamental. “Ele não saberá para onde ir e também não terá para onde
ir. Muitos acham que tirar o animal de suas casas vai fazer o bicho sofrer,
mas, muito pelo contrário. Ele terá, enfim, a oportunidade de viver em um lugar
de onde nunca deveria ter saído: a natureza”, afirma.
Tão importante quanto a reabilitação, destaca Valença, é a
socialização. Ao conviverem em grupo, começam a formar casais, algo essencial
para o papagaio- verdadeiro. “A questão do vínculo afetivo (casal e filhotes) é
uma característica forte dessa espécie para garantir o sucesso reprodutivo. É
por isso que viver em cativeiro e solitário é um sofrimento para eles. Quando
chega o período de cópula é comum vê-los arrancando as próprias penas. Em
muitos o estresse é tanto que chegam até a se masturbar. É preciso
desmistificar essa cultura de ter um papagaio em casa”, pede Valença. A cada
papagaio-verdadeiro retirado da natureza deixa-se de contribuir com cerca de
900 indivíduos a mais no meio ambiente. É essa a capacidade de reprodução que
uma única ave tem durante seus 80 anos de vida.
Antes do sol nascer
É um trabalho incansável e que requer muita dedicação. O
caminho de volta à natureza começa bem antes do sol nascer. É entre 3h e 4h que
Yuri Valença acomoda cada papagaio em uma caixa de madeira com comida disponível
e sai do Cetas Tangara, na Guabiraba, em um veículo utilitário com destino ao
Sertão, em área de caatinga. O horário é escolhido propositalmente por conta do
clima frio, como uma forma de minimizar o estresse entre os papagaios durante
as quase sete horas de estrada até alcançarem a tão esperada liberdade.
Anilhados e michochipados, logo ao chegarem na Fazenda Mulungu ou no Sítio
Mangueira são realocados das pequenas caixas de madeira para o chamado viveirão
- grande viveiro em que passam até 40 dias em readaptação antes de alçarem voos
altos em meio à floresta.
Lá são tratados a pão de ló. Um banquete de frutas, como
mamão e banana, além de sementes, fica à disposição duas vezes ao dia, bem
pertinho do viveiro preparado só para eles. “Não podemos chegar com eles e logo
soltar. A portinha do viveiro só é aberta após eles se ambientarem ao lugar”,
conta Valença. No Cetas Tangara, uma média de 200 papagaios estão em fase de
reabilitação e socialização para, enfim, ter a cidade de Exu ou de Salgueiro como
casa própria. Em outubro passado, foi a vez de um grupo de 55 papagaios ser
solto em Salgueiro. As atividades de soltura ocorre em espaços particulares
dedidos pelos donos, por meio de parceria com a CPRH. São as chamadas Áreas de
Soltura e Monitoramento de Fauna (ASMFs). Atualmente, quatro terrenos privados
estão em negociação com a CPRH para se transformarem em uma área de soltura
oficial do órgão ambiental.
Embora ganhem a proteção dos proprietários e moradores
locais, é uma vez a cada mês que Valença reveza entre Salgueiro e Exu para
monitorar os papagaios. É uma estada que dura sete dias só para acompanhar a
adaptação das aves à região. E muitos já ganharam confiança ao ponto de fixar
moradia. No último monitoramento, foi possível avistar ninhos. Hoje, dos 289
papagaios soltos, a CPRH ainda monitora 48 bichos em Exu e mais de 80 em
Salgueiro. “Isso é um processo natural, já que, na vida livre, cada família
procura um lugar. A dispersão é mais fácil, ou seja, sinal de que cumprimos
nossa meta”, declara orgulhoso o biólogo. Todo o processo também é feito com a
parceria do CemaFauna (Centro de Manejo de Fauna da Caatinga, da Universidade
Federal do Vale do São Francisco).
Inspiração
A inspiração para criar essa iniciativa, explica Valença,
vem de 2010, a partir de uma problemática quando ele trabalhava no Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis em Pernambuco
(Ibama-PE), no bairro de Casa Forte, também na Zona Norte da Capital. “Os
papagaios eram entregues ao centro de triagem do Ibama, mas não tinham uma
destinação correta. Na maioria das vezes, ia para criadouros ou zoológicos. E
não é essa a função de um Cetas. É reabilitar e devolver à natureza. Foi essa
situação que nos instigou a criar esse projeto, que vem dando certo até hoje”,
comemora o biólogo.
![]() |
Papagaio-verdadeiro na caatinga
Foto: divulgação/CPRH
|
![]() |
Papagaio-verdadeiro na caatinga
Foto: divulgação/CPRH
|
![]() |
Papagaio-verdadeiro na caatinga
Foto: divulgação/CPRH
|
![]() |
Papagaio-verdadeiro na caatinga
Foto: divulgação/CPRH
|
![]() |
Papagaio-verdadeiro na caatinga
Foto: divulgação/CPRH
|
![]() |
Papagaio-verdadeiro na caatinga
Foto: divulgação/CPRH
|
![]() |
Papagaio-verdadeiro na caatinga
Foto: divulgação/CPRH
|
Por: Folha PE.
Nenhum comentário:
Postar um comentário