É o que revelou um estudo brasileiro publicado nesta quinta-feira (26) na revista Cancer Research, importante publicação científica da área oncológica.
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Pesquisa indica que vírus Zika cura tumor avançado no
sistema nervoso
Foto: pixabay
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O vírus Zika pode ser usado como ferramenta no tratamento de
tumores humanos agressivos do sistema nervoso central. É o que revelou um
estudo brasileiro publicado nesta quinta-feira (26) na revista Cancer Research,
importante publicação científica da área oncológica.
O estudo foi feito pela primeira vez em um modelo vivo. Após
injetar pequenas quantidades do vírus Zika no encéfalo de camundongos com
estágio avançado de tumores, os cientistas observaram uma redução significativa
da massa tumoral e aumento da sobrevida dos animais. Em alguns casos, houve a
eliminação completa do tumor e até mesmo de metástases na medula espinal.
“Estamos muito animados com a possibilidade de testar o
tratamento em pacientes humanos e já estamos conversando com oncologistas.
Também submetemos uma patente com o protocolo terapêutico adotado em roedores”,
contou a professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo
(IB-USP) Mayana Zatz. Ela também é coordenadora do Centro de Pesquisas do
Genoma Humano e Células-Tronco (CEGH-CEL), um centro de pesquisa, inovação e
difusão (Cepid) apoiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (Fapesp).
Mayana coordenou a investigação ao lado do professor do
IB-USP e membro do CEGH-CEL Oswaldo Keith Okamoto. Colaboraram pesquisadores do
Instituto Butantan, do Laboratório Nacional de Biociências (LNBio) e da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
“Nossos resultados sugerem que o Zika possui uma afinidade
ainda maior pelas células tumorais do sistema nervoso central do que pelas
células-tronco neurais sadias [principais alvos do vírus no cérebro de fetos
expostos durante a gestação]. E, ao infectar a célula tumoral, ele a destrói
rapidamente”, disse Okamoto.
Em seu laboratório no IB-USP, o pesquisador tem se dedicado
nos últimos anos a estudar um grupo de genes que, quando expressos em tumores
malignos, conferem às células tumorais propriedades semelhantes às de
células-tronco, tornando-as mais agressivas e resistentes ao tratamento.
Segundo Okamoto, essas células tumorais com características
de células-tronco já foram observadas em diversos tipos de tumores sólidos,
inclusive aqueles que afetam o sistema nervoso central. Dados da literatura
científica sugerem que elas ajudam o câncer a se disseminar pelo organismo e a
restaurar o crescimento tumoral após a quase eliminação da doença por
tratamentos de quimioterapia e radioterapia.
“Nossos estudos e de outros grupos mostraram que o vírus
Zika causa microcefalia porque infecta e destrói as células-tronco neurais do
feto, impedindo que novos neurônios sejam formados. Foi então que tivemos a
ideia de investigar se o vírus também atacaria as células-tronco tumorais do
sistema nervoso central”, disse Okamoto.
De acordo com o professor, os resultados sugerem que vários
tipos de tumores agressivos do sistema nervoso central poderiam ser tratados
com algum tipo de abordagem envolvendo o Zika, no futuro. “Antes, porém,
precisamos investigar melhor quais tipos de tumores respondem a esse efeito
oncolítico [que destroi as células cancerosas], quais os benefícios do
tratamento e quais os efeitos colaterais da exposição ao patógeno”, disse
Okamoto.
Células sadias
O trabalho agora publicado teve como foco os chamados
tumores embrionários do sistema nervoso central. Foram usadas nos experimentos
três linhagens tumorais humanas: duas de meduloblastoma e outra de tumor
teratoide rabdoide atípico (TTRA).
Como explicou Okamoto, ambos os tipos de câncer são causados
por aberrações, genéticas ou epigenéticas, que acometem as células-tronco e
progenitores neurais durante o desenvolvimento embrionário, quando o sistema
nervoso está em formação.
“As células-tronco neurais que sofrem essas alterações dão
origem, mais tarde, às células tumorais. Formam tumores agressivos, de rápido
crescimento, que podem se manifestar logo após o nascimento ou até a
adolescência”, disse o pesquisador.
Outros tumores
Em uma primeira etapa da pesquisa, o grupo testou in vitro
se o Zika era capaz de infectar essas três linhagens de tumores do sistema
nervoso central e também células de outros tipos frequentes de câncer, como
mama, próstata e colorretal.
Foi feito um estudo de escalonamento de dose, ou seja,
quantidades crescentes do vírus foram adicionadas às células tumorais em
cultura até encontrar a quantidade capaz de promover a infecção. Por
microscopia de imunofluorescência, os pesquisadores puderam confirmar se o
vírus tinha de fato invadido e começado a se replicar no interior da célula
tumoral.
“Observamos que pequenas quantidades do Zika eram
suficientes para infectar as células de tumores do sistema nervoso central. As
de próstata chegaram a ser infectadas, mas em uma proporção muito menor. Por
outro lado, mesmo uma grande dose viral não causou infecção nas células de
câncer de mama e de tumor colorretal”, disse Okamoto.
Preferência do vírus
O segundo experimento consistiu em comparar a capacidade do
vírus de infectar células-tronco neurais sadias, obtidas a partir de
células-tronco pluripotentes induzidas (IPS, na sigla em inglês, células
adultas reprogramadas em laboratório para se comportarem como células-tronco) e
células-tronco tumorais do sistema nervoso central.
“Infectamos ambos os tipos celulares in vitro e vimos que as
células-tronco tumorais são ainda mais suscetíveis a serem destruídas pelo Zika
do que as células-tronco neurais sadias. Nesse mesmo ensaio, expusemos
neurônios maduros ao vírus – diferenciados a partir das células-tronco neurais
humanas – e vimos que eles não foram infectados ou destruídos pelo vírus”,
disse o pesquisador.
“Esta é uma ótima notícia, uma vez que nosso objetivo é
destruir especificamente células tumorais”, afirmou Mayana. Como explicou a
pesquisadora, as células-tronco neurais usadas no experimento foram obtidas
durante um estudo anterior do grupo, feito com pares de gêmeos discordantes, ou
seja, casos em que apenas um dos irmãos foi afetado pelo vírus, embora ambos
tenham sido expostos igualmente durante a gestação.
A linhagem de tumor teratoide rabdoide atípico foi, segundo
Okamoto, a que se mostrou mais sensível à infecção. “Fizemos uma extensa
análise do perfil genético e molecular dessas linhagens, que incluiu
sequenciamento completo do exoma [parte do genoma onde estão os genes que
codificam proteínas], análise de expressão gênica global e de alterações
cromossômicas. Chegamos à conclusão que essa linhagem tumoral mais sensível ao
vírus também foi a que mais se assemelhou às características moleculares das
células-tronco neurais sadias”, disse o cientista.
Dados preliminares do grupo sugerem que o Zika também é
capaz de infectar e destruir outros tipos de células tumorais do sistema
nervoso central, entre elas glioblastoma e ependimoma.
Ensaio com camundongos
Na terceira e última etapa da pesquisa, foram feitos ensaios
com camundongos imunossuprimidos, nos quais foram injetadas células tumorais
humanas – tanto de meduloblastoma quanto do tumor teratoide rabdoide atípico,
em diferentes grupos.
Nesse modelo de estudo, o tumor é induzido em uma região do
encéfalo conhecida como ventrículo lateral. De lá, ele se espalha para outras
regiões do sistema nervoso central e, em seguida, ao longo da medula espinal –
repetindo casos avançados da doença humana.
Depois que o tumor estava instalado, uma parte dos animais
recebeu – na mesma região do encéfalo – uma injeção com pequena dose de Zika.
“No grupo tratado, observamos uma redução significativa do volume tumoral. Em
alguns casos, o tumor foi eliminado totalmente, até mesmo as metástases que
haviam se formado na medula espinal”, disse Okamoto.
O maior aumento da sobrevida foi observado entre os animais
com tumor teratoide rabdoide atípico. Enquanto o grupo não tratado sobreviveu
por até 30 dias, a sobrevida dos que receberam o Zika nesse grupo foi de até 80
dias.
“Os animais acabaram morrendo mesmo quando o tumor foi
totalmente eliminado – em decorrência das complicações da doença em estágio
avançado. É possível que a sobrevida se torne ainda maior caso o tratamento
seja feito em um estágio mais precoce. É algo que precisamos investigar”, disse
Okamoto.
Letalidade do vírus
Os pesquisadores também injetaram o vírus em um grupo de
roedores imunossuprimidos que não teve o câncer induzido. Nesse caso, o vírus
ficou mais tempo circulando pelo organismo e os animais morreram em apenas duas
semanas em decorrência da infecção viral.
“O animal imunossuprimido é muito sensível a qualquer
patógeno, mas tivemos de recorrer a esse modelo porque é o único em que as
células tumorais humanas são capazes de se proliferar”, explicou Okamoto.
Ao investigar por que o vírus foi mais letal nos animais sem
câncer do que nos doentes, o grupo descobriu que as partículas virais geradas
quando o Zika infecta as células tumorais são menos virulentas, ou seja, têm
menor capacidade de infectar novas células do que as partículas geradas em
células sadias.
Paralelamente ao desenvolvimento da parte teórica em
laboratório, afirmou Mayana, o grupo pretende avançar até a fase de ensaios
clínicos em humanos. “São tumores para os quais hoje há poucas opções terapêuticas.
A ideia seria começar com dois ou três pacientes que não respondem aos
tratamentos convencionais e, se a estratégia funcionar, estender para um grupo
maior”, disse.
Para Mayana, o fato de milhares de brasileiros já terem sido
infectados pelo Zika durante a epidemia de 2015 indica que o procedimento é
suficientemente seguro. “Cerca de 80% dos infectados nem sequer apresentam
sintomas. Os outros 20%, em sua maioria, manifestam sintomas leves, muito menos
agressivos que os da dengue ou que os efeitos adversos da quimioterapia”,
disse.
Por: Folha PE.
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