Embora as sinalizações alertam para o risco de ataques de tubarões, sufistas e banhistas insistem em desafiar a sorte ao dividir as águas do litoral pernambucano com os predadores
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Surfistas na Reserva do Paiva
Foto: Arthur de Souza/Folha de Pernambuco
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De uma extensão total de 187 quilômetros que possui a orla
pernambucana, cerca de 50 quilômetros estão inseridos em área suscetível a
ataques de tubarão. O trecho de risco abrange desde a praia de Bairro Novo, em
Olinda, até Itapuama, no Cabo de Santo Agostinho, ambas no Litoral Sul. Mas, é
justamente nessa faixa que estão inseridas as melhores opções para quem procura
as ondas ideais para a prática do surf e outros esportes náuticos, como
kitesurf (pipa e uma prancha com ou sem alça) e windsurf (prancha à vela). Para
os esportistas, não é novidade que há 23 anos tais práticas são proibidas - com
a publicação do decreto estadual 18.313 de janeiro de 1995 - mas, muitos ainda
continuam a se arriscar na área proibida pelo Grupamento de Bombeiros Marítimos
(GBMar), do Corpo de Bombeiros.
Na praia do Paiva, a 27 quilômetros da Capital pernambucana,
é numa área ironicamente conhecida como "Tubarões" que os surfistas
locais se sentem mais seguros para fazer manobras radicais com as pranchas.
Embora saibam que estão dividindo as águas com esses moradores nativos do mar,
o medo, para eles, parece uma realidade distante.
Atualmente com 50 anos, Hélio Cavalcanti diz surfar no mesmo
local desde os tempos de garoto, mas que nunca se assombrou com a possibilidade
de ser vítima. "Surfo desde os 15 anos. E nesse tempo todo, nunca vi um
tubarão. Aqui tem mais peixe serra, cavala, sardinha e tartaruga. Claro que o
tubarão está no habitat natural dele, mas aqui (em Tubarões) nunca teve
ataque", afirma. No Paiva, quatro casos foram registrados entre os anos de
1993 e 1997 pelo Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões
(Cemit).
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Hélio surfa na Praia do Paiva desde menino - Crédito: Arthur
de Souza/Folha de Pernambuco
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Alguns surfistas até chegam a usar o Sharkbanz, uma
tornozeleira repelente de tubarões, como uma forma de evitar o contato. Rogério
Machado, 42 anos, é um deles. "Quando o tubarão se aproxima de uma pessoa
usando o Sharkbanz, as ondas magnéticas da pulseira perturbam os
eletroreceptores e o animal se afasta. Tem dado certo nesses sete anos",
explica. Já para Samara Mayumi, 24, a proteção vem com o respeito à natureza.
"O mar é nossa segunda casa. Já viu alguém não se sentir à vontade em
casa? É bem por aí. Acredito que quando respeitamos a natureza, ela devolve
esse respeito. Engraçado que eu só vim perder o medo de tubarão quando eu
comecei a praticar o surf", declara.
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Sharkbanz emite ondas magnéticas que perturbam os
eletroreceptores e o animal se afasta - Foto: Arthur de Souza/Folha de
Pernambuco
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Em Itapuama, que como a praia do Paiva, está inserida nos 50
quilômetros proibidos para esporte náutico, a situação se repete. Além dos
surfistas, os banhistas também entram no mar sem temor. "Eu não vou para o
lado da ponte do Paiva. Mas, aqui é tranquilo demais. Dizem que tem tubarão e
eu nunca vi um. E olhe que eu moro em Itapuama há 20 anos", conta o
autônomo Marcos Gomes, 45.
Já há quem prefere respeitar as recomendações das placas.
"Ficar na faixa de areia é mais seguro. Depois dessa repercussão toda com
o tubarão, é melhor respeitar o mar. Minha filhinha mesmo fica comigo, nada de
mar", diz a banhista Isabella Menezes, que frequenta a praia do Paiva
junto com o marido e a filha de 1 ano. Nesse trecho em que ela costuma ir,
próximo às piscinas naturais do Paiva, é possível ver placas de alerta. Mais à
frente, na área conhecida como Laje do Paiva, e onde também o surfe é
praticado, é possível ver mais três placas.
Placas arrancadas
Mas, de "Tubarões", no Paiva, até Itapuama,
nenhuma placa foi encontrada. O que a população local relata é que, logo após o
ataque ocorrido em Boa Viagem, em 2013, o qual resultou na morte da paulista
Bruna Gobbi, a fiscalização dos guarda-vidas aos surfistas nas praias do
Litoral Sul ficou mais incisiva. "Chegavam a confiscar as pranchas quando
eles (os guarda-vidas) viam o pessoal surfando. Até que os surfistas se
revoltaram e saíram arrancando as placas de alerta", aponta uma moradora
que não quis se identificar. Até hoje, nenhuma placa foi recolocada. Só em
Itapuama, nos fins de semana, quando há uma maior presença de pessoas, que as
bandeiras vermelhas são distribuídas pela faixa de areia, alertando para o
risco de afogamento e de incidentes com tubarão.
Por que as praias urbanas têm mais incidentes?
Parando para pensar, os incidentes mais comuns têm ocorrido
em trechos urbanos, como nas praias de Boa Viagem, no Recife, e em Piedade, em
Jaboatão dos Guararapes. As estatísticas do Cemit revelam que foram poucos os
casos registrados nas praias onde o surfe é algo comumente praticado - como em
Barra de Jangada, Enseada dos Corais, Paiva e Itapuama (ver arte) - comparados
com os ocorridos em Boa Viagem e Piedade, sendo 23 e 19, respectivamente.
Mas, qual a explicação para isso? Segundo estudiosos, a
justificativa é apenas uma: um canal profundo que acompanha todo o contorno do
litoral - do início do Pina, passando por Boa Viagem, Piedade até o início de
Candeias - facilita o deslocamento dos tubarões para próximo da costa, onde os
banhistas, geralmente, ficam. Por isso, os ataques se concentram entre essas
praias, devido à maior presença de pessoas.
Além de serem populosas e passarem pelo contorno do canal,
as praias do Pina, Boa Viagem, Piedade e Candeias sofrem com a elevada descarga
de poluição orgânica despejada pelo rio Jaboatão e as influências das correntes
marinhas, contribuindo ainda mais para a turbidez da água e correntes de
retorno.
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Samara Mayumi defende respeito à natureza - Foto: Arthur de Souza/Folha de Pernambuco
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Ou seja: não é déficit de nutrição o que leva os tubarões a
atacarem mais nas praias urbanas. É sabido que existe um desequilíbrio
ecológico na região costeira e o reflexo disso também é o aterro de manguezais
para a construção de casas e portos, como é o caso do Complexo de Suape. A
carne humana nunca fez parte da cadeia alimentar dos tubarões, mas é a
intervenção humana na natureza que contribui para uma maior interação entre as
pessoas e os tubarões", avalia o engenheiro de pesca e pesquisador da
UFRPE, Jonas Rodrigues.
Mas, salientou Rodrigues, não significa que os surfistas e
banhistas que frequentam as praias do Paiva e Itapuama, por exemplo, estão
livres de qualquer ocorrência. Claro que, comparadas às praias de Piedade e Boa
Viagem, as incidências não são, nem de longe, proporcionais. Mas, essas praias
estão inseridas ao norte do Porto de Suape, ou seja, o risco existe e é
ignorado por muitas pessoas. "Essas áreas ainda estão dentro do trecho
considerado de risco, de acordo com o decreto estadual. A prática de qualquer
esporte náutico é ilegal. Felizmente, não ocorreram novos casos. Mas, o risco é
real, uma prova é que já foram registrados casos por lá", reforça o pesquisador.
Porém, na prática, essa proibição dos esportes náuticos
pelos guarda-vidas, com a apreensão de pranchas, não é vista nessas praias. Uma
prova disso, é que todos os fins de semana, as águas ficam tomadas por
surfistas. Procurado, o presidente do Cemit, coronel Leodilson Bastos, explica
que essa responsabilidade é do GBMar. Mas, ponderou: "Provavelmente, a
corporação não está ciente dessa situação. Porque a prática de esportes é
proibida em todos os cerca de 50 quilômetros apontados como de risco",
reafirma. Até o fechamento desta edição, o Corpo de Bombeiros não respondeu
sobre o assunto e nem se recolocaria as placas de alerta arrancadas.
Impacto financeiro
No próximo dia 11, a partir das 9h, as Comissões de
Desenvolvimento Econômico e de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa de
Pernambuco (Alepe) realizam audiência pública conjunta para debater os impactos
econômicos e causas ambientais dos incidentes com tubarões no Estado. Com a
recente morte do capoeirista José Ernesto Ferreira da Silva, 18 anos, mordido
no último dia 3 de junho, em frente à Igrejinha de Piedade, Pernambuco registra
o 65° ataque de tubarão.
Por: Folha PE.
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