Foram usados camundongos para mostrar que a infecção pelo vírus da zika poucos dias após o nascimento reduz permanentemente a força muscular dos animais
![]() |
Mosquito Aedes aegypti
Foto: Fotos Públicas
|
Dois trabalhos recentemente publicados mostram que o
complexo panorama relacionado à zika pode ser ainda mais grave: a infecção pode
ser devastadora também se acontecer após o nascimento e não somente no
desenvolvimento intrauterino, como já se pensou. Além disso, os danos podem se
estender até a vida adulta. Ambas as publicações estão no periódico
especializado Science Translational Medicine.
O trabalho de publicação mais recente saiu nesta
quarta-feira (6) e é fruto do esforço de uma equipe de cientistas da UFRJ, da
Unifesp e do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer, no Rio. Foram usados
camundongos para mostrar que a infecção pelo vírus da zika poucos dias após o
nascimento reduz permanentemente a força muscular dos animais, provoca o
surgimento de crises epiléticas no curto prazo e aumenta a susceptibilidade a
elas no longo prazo.
A memória e a sociabilidade dos bichos também são prejudicadas.
"Sabemos que algumas infecções neonatais podem estar associadas a doenças
que surgem muitos anos mais tarde, como esquizofrenia e autismo", diz a
neurocientista Julia Clarke, da UFRJ, uma das coordenadoras do estudo.
Ela conta que a principal motivação era entender o que se
passa com as 90% de crianças infectadas com zika que nascem sem alterações
grosseiras, como a redução do tamanho da cabeça ou más-formações nos membros.
Essas complicações mais graves são mais comuns em infecções
que acontecem no início da gestação, mas o que Clarke e colegas mostram é que
elas podem ser relevantes mesmo quando acontecem no final do período (quando o
desenvolvimento cerebral humano é comparável ao momento da infecção dos
camundongos no estudo).
Uma mortalidade de 40% afligiu os grupos de camundongos com
zika; os sobreviventes tinham menor peso corporal e tamanho do cérebro
reduzido.
Cem dias depois da infecção, quando os animais já eram
adultos, a quantidade de material genético do vírus permanecia elevada no cérebro,
denunciando a atividade do patógeno. A explicação para esse prejuízo
neurológico seria uma permanente inflamação provocada pela replicação viral,
algo que o organismo do roedor, assim como aparentemente acontece com o humano,
tem dificuldade em solucionar.
Para testar a hipótese, os cientistas deram aos camundongos
uma droga capaz de bloquear o TNF-alfa, molécula que participa de maneira
importante do processo inflamatório.
"Agora que se sabe que a raiz dos danos neurológicos é
a neuroinflamação causada pela intensa replicação do vírus no início da
infecção, é possível buscar quem seriam os agentes responsáveis no organismo e
atacá-los farmacologicamente", diz a virologista da UFRJ Andrea Da Poian,
também coordenadora do estudo.
A droga escolhida para tratar os bichos, infliximabe, já é
usada para tratar outras doenças inflamatórias, como a doença de Chron, artrite
reumatoide e psoríase. O fato de ela já ser aprovada pela Anvisa facilitaria a
eventual nova indicação, pulando etapas de estudos, já que aspectos de
segurança e toxicidade são bem conhecidos.
Os animais tratados tiveram menor chance de desenvolver as
crises epiléticas, mas mantiveram os sintomas motores e comportamentais. Os
cientistas propõem que é possível que um tratamento baseado nesse raciocínio
possa ajudar a atenuar os efeitos de longo prazo da infecção, mas ainda há
muito que se avançar na questão. "É difícil prever o que aqueles
infectados ainda bebês podem desenvolver na fase adulta, mas é importante ter
em mente que o que aconteceu ainda no útero pode, sim, ter consequências
tardias", diz Clarke.
"Está claro que um simples monitoramento da prevalência
de microcefalia congênita ao nascer é uma medida insuficiente dos males
trazidos pela neuropatologia causada pelo vírus da zika em crianças e
adolescentes", escrevem os autores na conclusão do estudo.
Além de Da Poian e Clarke, coordenaram o trabalho Iranaia
Assunção-Miranda e Claudia P. Figueiredo, todas da UFRJ.
Macacos
Um outro artigo recente, de pesquisadores da Universidade Emory
e de outros centros de pesquisas nos EUA, mostrou, com experimentos em macacos
resos (Macaca mulatta), que o vírus da zika é capaz, também em primatas, de
provocar prejuízo no desenvolvimento cerebral.
Por meio de estudos histológicos (com fatias finas do órgão)
e de ressonância magnética (que permite visualizar a estrutura), os cientistas
observaram que o vírus da zika ataca especialmente o cérebro e a medula espinal
- essa preferência recebe o nome de neurotropismo. O patógeno reduz a
quantidade de massa cinzenta no cérebro e altera a conectividade entre
neurônios, prejudicando o funcionamento do órgão.
Os cientistas alertam que não há como fazer um paralelo
entre o que se passa com os macacos e o que aconteceria com crianças e
adolescentes humanos, mas que a tendência é que o desenvolvimento neurológico
seja atrasado ou interrompido com a infecção, algo que deve demandar atenção
dos serviços de saúde.
Por: Folha PE.
Nenhum comentário:
Postar um comentário