Estudo foi realizado por pesquisadores da Universidade Stanford, nos Estados Unidos
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© Reuters / David W Cerny
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Crianças com autismo conseguiram avanços em suas habilidades
sociais utilizando uma combinação de um aplicativo de smartphone com o Google
Glass a fim de melhorar sua capacidade para decifrar as emoções transmitidas
pelas expressões faciais das pessoas. O resultado foi obtido em um estudo
piloto realizado por cientistas da Universidade Stanford (Estados Unidos) e publicado
nesta quinta-feira, 2, na revista científica Digital Medicine. O autismo é um
distúrbio de desenvolvimento caracterizado por déficits sociais, dificuldade de
comunicação e comportamentos repetitivos.
A terapia se baseia no aplicativo desenvolvido pelos
cientistas de Stanford, que fornece algumas pistas sobre a expressão facial das
pessoas às crianças que usam o Google Glass. Ligado ao smartphone por uma
conexão sem fio, o dispositivo semelhante a um par de óculos é equipado com uma
câmera que registra o campo de visão do usuário, além de uma pequena tela e um
alto falante que dão a ele informação visual e auditiva.
Enquanto a criança interage com outros indivíduos, o
aplicativo identifica seus nomes e emoções pela tela ou pelo alto falante.
Depois de três meses de uso regular do sistema, os pais das crianças com
autismo envolvidas no estudo relataram que elas passaram a fazer mais contato
visual e a se relacionar melhor com as pessoas.
De acordo com os autores do estudo, as terapias precoces
para o autismo têm se mostrado especialmente eficazes, mas muitas crianças não
são tratadas rápido o suficiente para obterem os benefícios máximos.
Atualmente, por causa da falta de terapeutas especializados, as crianças podem
levar até 18 meses para receberem um diagnóstico antes de começarem o
tratamento.
"Temos muito poucos médicos especializados em autismo.
A única maneira de enfrentar esse problema e criar sistemas domésticos de
tratamento que sejam confiáveis. Essa é uma necessidade muito importante que
não é atendida", disse um dos autores do estudo, Dennis Wall, que é
professor de pediatria e ciência biomédica de dados em Stanford.
Os pesquisadores relatam que, antes de participar do estudo,
olhar nos olhos de outra pessoa era algo opressivo para o garoto Alex, de 9
anos. Sua mãe, Donji Cullenbine, tentava estimular delicadamente o contato
visual, sem sucesso.
"Eu sorria e dizia para ele: 'você olhou para mim três
vezes hoje'. Mas na verdade não via avanço nenhum.", disse a mãe. Segundo
ela, o novo dispositivo mudou o que Alex sentia ao olhar para o rosto dos
outros . "Funciona como um ambiente de jogo, no qual ele queria vencer.
Ele queria acertar qual era a emoção da pessoa e tinha uma recompensa imediata
quando acertava", contou.
"Superpoderes"
Os cientistas batizaram a nova terapia de "Óculos de
Superpoderes" para que ela fosse mais atraente para as crianças. A terapia
se baseia na análise comportamental aplicada, um tipo de tratamento para o
autismo no qual os médicos ensinam o reconhecimento de emoções utilizando
exercícios estruturados, como cartões que mostram rostos expressando diferentes
emoções.
Embora a análise comportamental aplicada tradicional ajude
as crianças com autismo, segundo os autores, esse tipo de terapia tem algumas
limitações. Ela precisa ser feita individualmente por terapeutas treinados, os
cartões nem sempre capturam toda a gama de emoções humanas e as crianças podem
ter dificuldades para transferir o que aprenderam para suas vidas cotidianas.
A equipe coordenada por Wall decidiu utilizar os princípios
da análise comportamental aplicada em um sistema capaz de trazer para os pais e
as situações cotidianas para o processo de tratamento.
A solução foi construir um aplicativo para smartphones que
utiliza o campo da inteligência artificial conhecido como "aprendizado de
máquina", no qual os algoritmos reconhecem padrões e, à medida que recebem
mais dados, adaptam-se a novos cenários e corrigem suas decisões com o mínimo
de intervenção humana.
Utilizando o aprendizado de máquina, o aplicativo reconhece
oito expressões faciais básicas: alegria, tristeza, raiva, nojo, surpresa,
medo, desprezo e neutralidade. O aplicativo foi treinado com centenas de
milhares de fotos de rostos que mostravam as oito expressões. Ele possui também
um mecanismo que permite aos usuários calibrarem a leitura para indicar
expressões neutras, quando necessário.
Segundo Wall, as crianças que têm desenvolvimento normal
aprendem a reconhecer as emoções ao fazer contato visual com as pessoas ao seu
redor. Para as crianças com autismo, o processo é diferente. "Eles não
absorvem essas situações sem um tratamento direcionado", disse o
cientista.
No estudo, 14 famílias testaram os Óculos de Superpoderes em
casa por um período médio de 10 semanas. Todas elas tinham uma criança com
idades enter 3 e 17 anos, com diagnóstico confirmado de autismo. A terapia foi
utilizada pelo em menos três sessões de 20 minutos por semana.
Brincadeira terapêutica
No início e no fim do estudo, os pais completaram
questionários para fornecer informação detalhada sobre as habilidades sociais
de seus filhos. Em entrevistas posteriores, os pais e as crianças descreveram
os resultados do programa terapêutico em suas famílias.
Os pesquisadores estabeleceram três maneiras para utilizar o
programa de reconhecimento de emoções. No modo "jogo livre", as
crianças usavam o Google Glass enquanto interagiam ou brincavam livremente com
seus familiares, enquanto o aplicativo fornecia a elas as dicas visuais e
auditivas cada vez que uma emoção era reconhecida nos rostos em seu campo de
visão.
No modo "adivinhe minha emoção", um dos pais
simulava uma expressão facial correspondente às oito emoções básicas e a
criança tentava identificá-la. A brincadeira ajudava as famílias e os
cientistas a acompanhar os avanços da criança na identificação de emoções.
Já no modo "capture o sorriso" é a criança quem dá
a outra pessoa pistas sobre a emoção que deseja provocar, até que a pessoa a
expresse. O objetivo é ajudar os cientistas a avaliar a capacidade da criança
para compreender diferentes emoções.
De acordo com o estudo, as famílias relataram aos
pesquisadores que o sistema é "envolvente, útil e divertido", que
"as crianças se mostraram dispostas a usar o Google Glass" e que
"os dispositivos resistiram bem ao desgastes por serem usados por
crianças."
Doze das 14 famílias, incluindo a do menino Alex, disseram
que as crianças fizeram mais contato visual depois de receber o tratamento. Em
poucas semanas de envolvimento nos testes, Alex começou a se dar conta de que
os rostos das pessoas dão pistas para suas emoções. "Ele me disse: 'mamãe,
eu estou conseguindo ler as mentes'. Meu coração se encheu de emoção. Gostaria
que outros pais tivessem a mesma experiência", disse a mãe.
Entre as famílias cujas crianças tinham um autismo mais
severo, a escolha pelo modo "jogo livre" foi menos frequente, segundo
os cientistas.
Redução de sintomas
Em uma escala padronizada para avaliar as habilidades sociais
das crianças, aplicada com base em um questionário, foi registrada uma redução
média de 7,38 pontos ao longo do estudo, indicando sintomas menos severos de
autismo. Nenhum dos participantes teve aumento nos pontos, indicando que
ninguém teve piora nos sintomas.
Seis dos 14 participantes tiveram uma redução dos pontos
grande o suficiente para descer um degrau na classificação de severidade do
autismo. Quatro deles tiveram a classificação alterada de "severo"
para "moderado", um passou de "moderado" para
"leve" e um de "leve" para "normal".
Os cientistas afirmam, no entanto, que esses bons resultados
precisam ser interpretados com cuidado, já que se trata de um estudo piloto,
que não envolveu um grupo de controle. Ainda assim, Wall afirma que "os
resultados são promissores".
Segundo Wall, alguns dos comentários dos pais nas
entrevistas ajudam a ilustrar a melhora no quadro das crianças. "Os pais
disseram coisas como 'alguma chave foi acionada, meu filho está olhando para
mim', ou 'de repente o professor veio me dizer que meu filho está envolvido nas
aulas'. Tudo isso é muito reconfortante e animador para nós", afirmou
Wall.
A equipe de cientistas agora está terminando um teste da
terapia mais amplo, com controle aleatório. Eles também planejam testar a
terapia em crianças que acabaram de ser diagnosticadas com autismo e estão na
fila de espera para tratamento. A Universidade de Stanford já deu entrada em um
pedido de patente para a nova tecnologia. Com informações do Estadão Conteúdo.
Por: Notícias ao Minuto.
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