TRADIÇÕES: vivências do ontem ou “inovações” do hoje?

0 Comments

O carnaval de ontem é bem diferente do carnaval de hoje. Não sei se estou sendo saudosista, mas tenho percebido um excesso de escracho, que tem descaracterizado esta festa tão tradicional no país. Parece que tem faltado criatividade, alegria, diversão e inventividade do povo, um olhar mais inteligente e menos ofensivo. A beleza do carnaval estava nas cores, nas pessoas, no encantamento das machinhas, nas músicas que nos fazem repetir milhões de vezes o mesmo refrão, na simplicidade do brincante...

As brincadeiras que surgiam nos terreiros das casas, nos possibilitavam visualizar crianças com os rostos pintados, com roupas e máscaras feitas à mão, caminhando pelas ruas, divertindo-se, brincando... Com o passar do tempo, esse contexto foi mudando, a coisa foi se sofisticando, se transformando, de maneira que, fomos ficando reclusos em nossas casas. A violência foi aumentando e a insegurança foi tomando conta da sociedade.

Nos nossos dias, a tradição do carnaval foi sendo alterada, de maneira que, a cultura de cada lugar foi sendo absorvida pelo poder das grandes mídias, pela preocupação excessiva com as vendas. As músicas, por sua vez, também foram deixando o seu teor de inocência e assumindo de forma descarada um víeis excessivamente apelativo, letras que denigrem a imagem feminina e que de modo costumeiro nos impõem um despudor que não edifica.

Mas falemos do nosso lugar, por aqui, em 2017, teremos a vivência do centenário de Chacrinha. Acho fantástico exaltar o que é nosso, nossas tradições. Mas falta responder a galera mais jovem a seguinte pergunta: Quem foi mesmo Abelardo Barbosa? O que Surubim tem desse homem que se tornou um mito na TV?

Por incrível que pareça, em nossa cidade as pessoas não pararam para homenagear de fato essa figura tão ilustre do nosso município. Abro um parêntese, ao empresário João Batista, que no restaurante do seu hotel expôs belíssimas fotos do Cassino do Chacrinha. Aproveito o momento para agradecê-lo, pois com essa ação ele só nos mostra sua grande visão de futuro.

Os artistas Danilo Leal e Thalita Rodrigues juntos com outros parceiros fizeram um painel com a imagem do Velho Guerreiro na faixada da casa onde o mesmo nasceu no centro da cidade. Se a Minha Rua tem memória, aproveito o momento e parabenizo ao Edvaldo Clemente que registrou no seu site várias imagens desse artista possibilitando às pessoas conhecerem mais da nossa cidade. Mas entendo que muito mais pode ser feito, pois são muitos os filhos e filhas ilustres. Precisamos entender que a arte também pode ser um elemento catalisador de recursos para uma cidade, principalmente por meio do turismo. Merecemos ter um espaço para que a população e os turistas possam conhecer nossas histórias.

Esse escrito não se trata de um texto puritano, saudosista ou de reivindicação.  Trata-se de um diálogo com e para as pessoas que pode convergir para uma cidade melhor. Falar das nossas raízes, da nossa história, apenas fortalece o que somos. Já imaginou se nós tivéssemos na terra de Chacrinha um espaço que mostrasse a história da vaquejada, a cultura do boi, os vários artistas desse torrão, os folguedos que passaram outrora, o pífano, os pastoris, a cultura do algodão?

Já imaginou se tivéssemos um lugar em nossa cidade que fosse um espaço de encontro para os jovens, para os artistas e para os turistas? Certifico que o município seria muito mais bem visto, os turistas viriam bem mais, íamos entrar na rota do turismo, nos roteiros das empresas de viagem, etc. Surubim tem tradição. Oh terra rica meu Deus! Rica em cultura, em artistas, em educação...

Voltando ao carnaval, questiono: cadê a alegria regada à boa música?, cadê o povo na frente de casa para ver e ouvir os blocos passarem? Cadê o colorido dos grupos líricos?, cadê as catirinas que passavam pelas nossas casas pedindo dinheiro? Esses momentos tão sublimes não podem se perder com o tempo.

Saudosista ou não, sabemos que muitos municípios constroem seus carnavais regados à tradição, que o diga Nazaré da Mata com seus encontros de caboclinhos, maracatus, entre outros. Fazendo um resgate nas minhas memórias, reporto-me a minha infância, quando criança, tinha um medo enorme das catirinas, dos grupos carnavalescos que percorriam os povoados de Surubim. Mas hoje, sinto falta daqueles momentos, pois compreendendo que tudo aquilo foi se perdendo com o tempo, esses grupos foram caindo no esquecimento, e hoje, não estão mais na ativa, muitos grupos foram se acabando por falta de apoio.

E a valorização desses grupos, como fica? Se não houver um diálogo permanente com os costumes, isso tudo tende a se acabar. Os pais vão morrendo, os filhos vão deixando de lado tais tradições. As cidades não têm se preocupado em preservar a cultura do seu povo, hora por falta de recursos, hora por falta de entendimento. Infelizmente o que tem restado é o som estridente dos trios elétricos que aborrece nossos ouvidos com ritmos que falam pouco da gente, da cultura, dos costumes, da beleza e da simplicidade de cada lugar. Na terra de Capiba, muita gente nem sabe quem foi ele, é como se o frevo fosse algo apenas da capital. Capiba, Chacrinha, Zito Barbosa são lembrados esporadicamente nos fevereiros ou setembros da vida, mas não pode ser assim, pois essas pessoas foram e são dignas de serem lembradas em muitos outros momentos.

Quanto a mim, não mais participo de festas de rua durante o carnaval, mas lhe digo caro leitor, teria o maior orgulho de dizer minha terra valoriza seus artistas, sua tradição. Como tão bem escreveu Mariza Barbosa, “povo sem memória, povo sem história”. Reitero o meu desejo de, em um futuro próximo, haver por aqui espaços para a arte, para a fruição da cultura, para dialogar com e sobre pessoas.

As escolas precisam ser um espaço de encontro, mesmo que seja em horários alternativos, fins de tarde, fins de semanas. As habilidades  dos nossos alunos precisam ser potencializadas de uma maneira integral e não somente em dois vieses: o linguístico e o matemático. As várias capacidades precisam ser trabalhadas, dessa forma, a família e as escolas precisam vislumbrar em cada jovem o que Jacques Delors apontou nos seus escritos. O estudante precisa aprender a aprender, a fazer, a conviver e principalmente a ser.

Para isso meus caros, a arte, a educação física, a história, a filosofia, a matemática, etc, precisam ser vistas como catalisadoras centrais na linha de frente de uma educação preocupada com uma sociedade melhor.

Retornando ao enredo que me propus a escrever nesse texto, acrescento: mesmo quem não sai atrás dos trios, dos blocos, assim como eu, pode ser um divulgador da nossa história, das nossas memórias. Como tão bem escreveu o poeta Antonio Maria, “oh, saudade Saudade tão grande Saudade que eu sinto do clube das Pás Do Vassoura, passista traçando tesouras Nas ruas repletas de lá?” [...]

Às vezes fico pensando, porque os artistas são deixados no esquecimento? Isso é o mal do Brasil? A arte deve ser valorizada, exaltada e disseminada. Fazendo uma ponte, com a reforma do ensino médio questiono: Será que a arte de fato é trabalhada em nossas salas de aula? Não basta estar nos currículos, é preciso estar no nosso cotidiano, na nossa vida. Precisamos nos apropriar da arte, da cultura, como construtora de um olhar sensível, humano e transformador. A arte não pode continuar sendo apenas peça de museu ou apenas suporte para entreter o povo. Como diria o saudoso Ariano Suassuna, precisamos dar mais filé ao povo, pois a população também gosta de carne boa, mas infelizmente, o povo tem recebido mais osso do que carne.

Infelizmente tem se disseminado nas escolas, na sociedade, a cultura do transitório, do passageiro e está faltando aplicar a cultura da transformação e do incentivo aos talentos... Não podemos deixar de lado a história oral, nem a história dos vários sujeitos históricos que emanam do povo.

Sabemos que estamos em pleno século XXI, mas não podemos deixar que as máquinas nos substituam, precisamos trazer para as nossas escolas a arte, o respeito, o desejo pelo aprender, o sentimento de pertencimento, o compromisso e principalmente a humanização. Pois só assim teremos conosco o fervor do respeito, do amar ao próximo, em uma sociedade cada vez mais desumana e violenta. Que a arte, a cultura e os vários saberes sejam experenciados de modo que nos tornemos mais humanos e menos egoístas, pois uma sociedade melhor só se faz com pessoas melhores.
Por: Avaci Xavier  - Professor de História,
Mestre em Educação. 


You may also like

Nenhum comentário: