ENTREVISTA COM CARLOS ALBERTO DELLA PASCHOA: BIBLIOTECÁRIO DO INSTITUTO CERVANTES, LOCALIZADO NA RUA VISCONDE DE OURO PRETO, 62, BOTAFOGO, RJ

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 “A vida de um homem termina nele. Só alguns artistas prorrogam a existência”.

Nélida Piñón.

No dia 3 de maio, dia do aniversário de nascimento de Nélida Piñon, o Instituto Cervantes organizou uma mesa-redonda com Thomas Giulliano e Vanessa Almeida. Em seguida, fomos convidados a ir à biblioteca Nélida Piñon. Lá, conheci-o e seu belo trabalho de organização de “mais de 2.000 obras com dedicatórias de personalidades mundiais da escritora”.

1- Quando conheceu Nélida Piñon e em qual circunstância?


Carlos Alberto Della Paschoa - Quando estava terminando o ensino médio, em uma aula de literatura brasileira tomei conhecimento da obra literária de Nélida Piñon e, posteriormente, sobre sua vida e carreira internacional em um curso de Introdução à Língua Galega realizado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP).  Já bibliotecário do Instituto Cervantes no Rio de Janeiro, conheci Nélida Piñon pessoalmente no segundo semestre de 2005, quando de sua volta ao Brasil após ter recebido o Prêmio Príncipe de Astúrias das Letras, em um evento nas instalações do instituto. Desde então, nos encontrávamos com frequência, pois ela sempre realizava visitas e participava de atividades culturais no instituto. Este contato foi se estreitando a partir de 2011 quando foi inaugurada a Biblioteca Nélida Piñon no Instituto Cervantes de Salvador, e se intensificou durante o processo de realização do projeto de inauguração da Biblioteca Nélida Piñon no Instituto Cervantes do Rio de Janeiro.

2- Como tem sido o processo de catalogação do acervo?  Tem prazo pré-estabelecido?


Carlos Alberto Della Paschoa - O Projeto de Catalogação do acervo pessoal de Nélida Piñon, que conta com a consultoria da Rede de Bibliotecas e Centros de Informação em Arte do Estado do Rio de Janeiro - REDARTE/RJ, teve início em setembro de 2021, e já se encontra em sua terceira fase diante da magnitude do acervo ainda não se tem uma data específica para o encerramento do projeto. A biblioteca pessoal de Nélida Piñon contém cerca de 8.000 documentos, sendo que alguns documentos, por suas condições físicas, precisam passar por restauração para sua preservação e conservação.

Este acervo possui peculiaridades que o tornam único, singular, porque carrega consigo fragmentos da história pessoal e literária da acadêmica hispano-brasileira. Reúne, por exemplo, mais de 2.000 obras com dedicatórias de personalidades mundiais com quem Nélida esteve em contato ao longo de sua vida: Toni Morrison, Nise da Silveira, Tatiana Leskova, Tamara Tumanova, Philip Roth, María Kodama, Manuel Puig, Mário Soares, Fernanda Montenegro, Jorge Amado etc. 

A coleção em si pode ser considerada como um testemunho histórico, social e espacial não somente da vida da primeira mulher e escritora a receber o Prêmio de Literatura Latino-americana e do Caribe Juan Rulfo como também da história da cidade do Rio de Janeiro e do entorno social que costumava frequentar: muitos documentos possuem anotações, comentários e marcações feitos pela própria Nélida, além das marcas de proveniência presentes em diversas obras. 

A existência e a relevância dessa marginalia, isto é, esses detalhes que singularizam cada documento, faz com que cada item seja verificado minuciosamente de modo que toda informação marginal existente seja identificada e descrita na ficha catalográfica de cada obra no momento da catalogação. O resultado deste processo já pode ser verificado no catálogo coletivo da Rede de Bibliotecas do Instituto Cervantes - RBIC. E para otimizar a consulta à Coleção Nélida Piñon foi criado um formulário de busca exclusiva dentro deste acervo para atender às necessidades informacionais de investigadores, estudantes e demais interessados.

3-Quais curiosidades e relíquias têm sido encontradas? 


Carlos Alberto Della Paschoa - Além das obras com dedicatórias, a coleção inclui o mecanoscrito de “La guerra del fin del mundo” de Vargas Llosa. Esta obra está baseada na Guerra de Canudos de Euclides da Cunha. Este exemplar foi enviado por Vargas Llosa a Nélida Piñon para o seu parecer. Outra curiosidade é a coleção de obras sobre Balé que reúne quatro tomos com os programas das companhias de balé que passaram pelo Theatro Municipal do Rio de Janeiro de 1948 a 1956. Nélida não somente guardou como mandou encadernar esses programas que contam a história das grandes companhias de balé clássico que se apresentaram no Rio de Janeiro durante as décadas de 1940 e 1950. Inclui também obras de grandes críticos do balé, assim como as primeiras traduções para o espanhol publicadas na Argentina sobre este gênero de dança. A futura acadêmica da ABL costumava comprar essas obras importadas na antiga Livraria Editora Freitas Bastos situada no Largo da Carioca.

A escritora de origem galega solicitou ao Instituto Cervantes que fosse criada dentro da coleção a sessão “Galicia de Nélida Piñon” onde estão reunidas todas as obras sobre língua, cultura e literatura galega, além de alguns objetos museológicos característicos da região.

Nélida, além de doar a sua biblioteca pessoal, doou também uma série de objetos decorativos e um retrato seu pintado pela artista plástica catalã Leticia Feduchi de forma que os visitantes de sua biblioteca se sentissem em sua casa.

3- O que o leitor terá acesso?


Carlos Alberto Della Paschoa - Devido à sua singularidade e importância, o acervo de Nélida só está disponível para consulta sob solicitação. Embora muitas obras já estejam catalogadas, ainda falta muito por fazer. 


4- Qual foi a atuação da escritora no Instituto Cervantes?


Carlos Alberto Della Paschoa - Nélida Piñon, personalidade reconhecida no mundo hispânico, sempre foi amiga e parceira da instituição, estando presente em diversas ocasiões e participando das atividades institucionais.

5- Qual foi seu maior legado, atribuição no Brasil?


Carlos Alberto Della Paschoa - Nélida Piñon foi a primeira mulher a ser presidente da Academia Brasileira de Letras - ABL no ano de seu centenário, reconhecida por seus pares nacionais e internacionais. Também foi a primeira mulher presidente de uma Academia de Letras no mundo.

7- Comente este pensamento da escritora:


“Não podemos permitir que a história do Brasil, com seus fracassos, nos engolfe. Não nascemos para a pobreza, para a mediocridade. Estamos em período difícil, mas não vamos ficar nisso a vida inteira. Um país que deu 

Machado de Assis, grandes escritores, grandes músicos, grandes compositores, grandes artistas, grandes pensadores, Tobias Barreto, Gilberto Freire, Sérgio Buarque, tanta gente maravilhosa. 

Nós podemos aceitar que uns medíocres, uns políticos de terceira categoria nos sufoquem, nos asfixiem? Não”.

Carlos Alberto Della Paschoa - Quem sou eu para comentar um pensamento de Nélida Piñon?! Para entender o pensamento e a obra de Nélida Piñon é preciso ler a sua obra e conhecer a sua trajetória pessoal, profissional e literária. Deixo aqui um pensamento seu que ilustra a entrada da biblioteca: “O livro sustenta a civilização. Somos náufragos sem ele. É a nossa carta de alforria.”
O Brasil precisa descobrir (através da leitura) Nélida Piñon para ratificar o seu universo de conhecimento. Quem estiver no RJ, fica a dica: vá conhecer a Biblioteca Nélida Piñon, localizada no Instituto Cervantes (Rua Visconde de Ouro Preto, 62 - Botafogo - 22250-180 - Rio de Janeiro - RJ – Brasil. Horário de atendimento ao público: de segunda-feira a sexta-feira: 13h00 a 18h00) cujo entorno é lindo: a enseada de Botafogo.

Por: Renata Barcellos (BarcellArtes) - Professora, Poetisa, 
Escritora e Membro Correspondente do Instituto Geográfico de Maranhão, 
Apresentadora do programa Pauta Nossa da Mundial News RJ.


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