UMA AVENTURA SOBRE RODAS: DO ALASCA A NOVA YORK, UM DIÁRIO DE ESTRADAS, CULTURAS E ENCONTROS

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Alasca.


Depois de seis meses intensos na estrada, retornando do Alasca de caminhonete, cruzando 17 países e colecionando memórias, paisagens e aprendizados, foi impossível não me deixar tocar pela grandiosidade da viagem e pelas nuances culturais que se revelavam a cada novo quilômetro percorrido. Escolhi atravessar o Canadá por cima dos Grandes Lagos. A decisão foi certeira: todos os dias, ursos surgiam à beira da rodovia como se fossem parte do cenário. Um espetáculo silencioso e selvagem, impossível de ver sem que algo dentro de mim despertasse. Havia beleza, havia risco, havia vida pulsando livre uma emoção única, que só quem enfrenta a estrada com os próprios olhos abertos ao inesperado pode compreender.

Já quase no fim da jornada, ao me aproximar da fronteira com os Estados Unidos, faltando cerca de uma hora para as majestosas Cataratas do Niágara, deparei-me com algo que me fez refletir profundamente sobre o mundo em que vivemos: o Women’s Rights National Historical Park, ou Parque Nacional dos Direitos das Mulheres. Um espaço totalmente dedicado à história da luta feminina por igualdade e dignidade. Foi impossível não pensar no Brasil e na realidade das mulheres em nosso país, onde a principal referência de proteção ainda é a Lei Maria da Penha. Lá, não: havia um espaço inteiro destinado a lembrar, a educar, a honrar. Uma diferença cultural gritante, visível, palpável.

Deixei a autopista e segui por mais de 400 km de estradas interiores, orientado pelo GPS. Sim no início desta empreitada, cruzei toda a América do Sul e também a América Central só com mapas e ao chegar nos Estados Unidos, soube que inventaram o GPS, que foi um grande avanço. Passando por vilarejos que pareciam saídos de um livro de contos, casas impecáveis, jardins floridos, sem cercas, sem muros. Um estilo de vida pacato, de confiança, de sossego. O tipo de tranquilidade que já não se encontra em muitos lugares do mundo. E foi nesse percurso que cheguei à cidade de Pocono, já às 21h, e estranhei o movimento nas ruas — algo raro por aqui. Descobri então que havia um parque itinerante na cidade. A comunidade estava em festa, reunida para celebrar. Foi bonito de ver, principalmente em um país onde, normalmente, às 18h, todos já terminaram o jantar e às 21h os restaurantes já estão fechados. Aliás, o jantar nos Estados Unidos e no Canadá começa às 17h. Uma rotina pontual, metódica. A exceção são os restaurantes chineses, que não só abrem para o almoço como se mantêm abertos até o jantar. Curiosamente, a partir das 16h o preço aumenta: a comida do jantar é considerada melhor que a do almoço.

Essas observações simples do cotidiano foram me mostrando o quanto cada cultura se expressa nos pequenos hábitos. Assim como a presença marcante dos indianos nas estradas. Em praticamente todos os hotéis em que dormi, nas margens das rodovias, os donos eram indianos. Educados, trabalhadores, espirituais. A convivência com eles despertou em mim uma vontade nova: conhecer a Índia, mergulhar em suas crenças, suas deusas e deuses, entender seu modo de viver.

Seguindo viagem, fiz uma parada no famoso Woodbury Outlet, próximo à cidade de Harrymann, onde há mais de trezentas lojas de marcas famosas. Um paraíso para os amantes de compras, a uma hora de Nova York. Mesmo para quem não é consumista, é quase impossível resistir, pois os filhos sempre gostam de receber um presente. A estrutura impressiona. Tudo tão bem organizado que horas passam voando.

Mas a estrada também ensina com dureza. Peguei um dia de muita chuva, e ali aprendi algo sobre os americanos que me chocou: mesmo quando a tempestade engrossa, eles não diminuem a velocidade. Enquanto eu, prudente, reduzia aos poucos e ligava o pisca-alerta, ia para pista da direita, a maioria dos carros seguia em altíssima velocidade. Até que, de repente, o trânsito parava. Helicópteros surgiam, sirenes, bombeiros, ambulâncias. E, quando enfim a estrada reabria, lá estavam eles: carros tombados, batidos, espalhados nas curvas. Uma realidade fria, direta, onde o excesso de confiança muitas vezes se transforma em tragédia.

Chegar a Nova York é como entrar em outro mundo. Impossível não se impactar com a grandiosidade dos seus luminosos, avenidas largas, prédios imensos. Uma cidade que nunca dorme e sempre impõe sua presença. Nova York é feita de superlativos. São cinco distritos: Manhattan, Bronx, Queens, Brooklyn e Staten Island, com mais de 9.600 km de ruas. Optei por ficar em Manhattan, onde estão as principais atrações, mas logo percebi que encontrar um hotel acessível seria um desafio. Depois de mais de três horas rodando de carro, parei, exausto, em uma esquina. Foi quando uma mulher, dirigindo uma Mercedes Benz, encostou ao meu lado e disse:

Percebi que você está com dificuldades para achar hotel. Encosta o carro ali que eu te ajudo.

O nome dela era Daniela, uma romena gentil, que prontamente ligou para o marido dono de uma locadora de carros de luxo e descobriu um hotel com metade do preço em Long Island City, a apenas seis quilômetros dali. Ela ainda foi à frente com seu carro até a cabeceira da ponte e, antes de se despedir, digitou o destino no meu GPS. Um gesto que não se esquece. Anjos assim cruzam nosso caminho quando mais precisamos.

No hotel Best Western View, com vista privilegiada para o Empire State, o prédio da Chrysler e para a cidade inteira, retomei o fôlego e mergulhei nos encantos da Big Apple. Visitei a loja da Apple, onde o iPhone custava, em 2008, o equivalente a R$ 400, uma fração do valor cobrado no Brasil. Andei por Wall Street, posei diante do touro de bronze, símbolo do poder financeiro americano. E me emocionei ao visitar o espaço do antigo World Trade Center. Tive o privilégio de subir até o 110º andar pouco antes do trágico 11 de setembro. Estar ali novamente foi intenso.

Na Times Square, tudo mudou. Antes tomada por carros e pedestres em conflito, agora é um enorme calçadão. Um presente para os nova-iorquinos e turistas. Caminhei dali até o Central Park, um refúgio verde em pleno coração urbano. Entre lagos com marrecos e cisnes, lembrei da grande depressão de 1929, quando o parque abrigou centenas de barracos. Hoje é símbolo de qualidade de vida.

Cansei de dirigir e comecei a andar de metrô e táxi. Comprei ingressos com desconto na TKTS para o musical Mamma Mia, baseado nas músicas do ABBA. Consegui o último ingresso, na primeira fila. Também assisti ao espetáculo Fuerza Bruta, uma experiência fora do comum: performances sobre nossas cabeças, com água e plástico transparente, danças, metáforas sobre a vida e a força interior. Aprendi ali que devemos enfrentar as tempestades com serenidade e dançar na chuva sempre que possível.

Passei por Chinatown, onde tudo remete à Ásia. Visitei a Quinta Avenida e suas lojas luxuosas. No Madison Square Garden, assisti ao Cirque Du Soleil. E fui ao Hard Rock Café, onde vi expostos os instrumentos e objetos pessoais de lendas da música.

Mas nada se compara ao jantar no restaurante The View, no 48º andar do Edifício Marriott, na Broadway. Um restaurante giratório, com vista para a cidade iluminada. Enquanto comia, via passar diante de mim ícones como o Empire State, o prédio da Chrysler, e tantos outros marcos dessa cidade sem igual.

Nova York é inesgotável. Por mais que se ande, por mais que se viva, sempre parece que há mais a descobrir. E mesmo ao deixá-la, ela fica em nós.

Ainda encontrei tempo para seguir até Atlantic City, a apenas 130 km de distância. Uma cidade com ares de faroeste moderno, cheia de cassinos, outlets e restaurantes sofisticados. Um calçadão de madeira à beira-mar, com arquitetura que lembra Dawson City, misturado a prédios luxuosos. O curioso é que, diferente dos outros outlets da viagem sempre afastados dos centros urbanos, aqui tudo está no coração da cidade. Prático, acessível, surpreendente.

Ao final dessa longa e inesquecível jornada, só me resta agradecer a Deus, o Grande Arquiteto do Universo, que a nosso favor tudo arquiteta. Gratidão pela estrada, pelos encontros, pelas culturas, pelas lições e por tudo o que vivi e aprendi. Viajar é abrir a alma ao mundo. E o mundo, quando visto com olhos generosos, nos transforma para sempre.

Por: Marcos Eugênio Welter - Vice-Presidente Nacional da Academia de Letras do Brasil, 

Membro do Conselho Superior Internacional da 

Academia de Letras do Brasil.


Amanhecer no camping- Canada.

Bison maneira da rodovia-Canada.

Canion Antelope- Arizona -USA.

Casa Branca, residencia do Presidente.

Gran Canion- Estados Unidos.

Reuinas dos Maias no México.

Urso na beira da rodovia- Canadá.




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