Saúde dos indígenas pernambucanos em alerta

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Doenças cardiovasculares e cânceres figuram no topo de mortes indígenas em Pernambuco. Mas os assassinatos também chamam atenção. Entre 2016 e 2017, triplicou o número de indígenas vítimas de homicídios.



Ediane Ferreira ainda busca resposta para a hidrocefalia da filha, mas relatou que a bebê é filha de um primo. O caso pode estar relacionado ao cruzamento genético consanguíneo
Foto: Anderson Stevens/Folha de Pernambuco

Aumento de 25,6% da mortalidade geral entre os últimos dois anos. Explosão dos casos de sífilis, com crescimento de 43%. Número triplicado de homicídios em um ano, num salto que foi de quatro assassinatos em 2016 para 12 em 2017. E um crescente número de notificações de enfermidades antes pouco relatadas, como os cânceres, doença mental e o lúpus. As estatísticas da saúde entre indígenas em Pernambuco assustam e dão um alerta especial nesta quinta-feira (19), data em que se comemora o Dia do Índio.

“O paciente antigamente vinha para Recife e fazia tratamento somente na parte ambulatorial, coisa de um dia. Hoje há pacientes que ficam três a quatro meses, principalmente na parte de oncologia”, observou a coordenadora da Casa de Saúde Indígena (Casai), Sandra da Silva, 54. No local, 20% de todos os indígenas recebidos ao ano vêm tratar de algum tipo de câncer, sendo a maior parte de próstata, mama, intestino, pâncreas, esôfago e laringe. “No tempo dos anciões, não havia tanta doença como hoje. Pode ser pela forma que eles se alimentavam, o jeito que viviam. O tempo mudou, e as doenças vieram. Temos cada vez mais câncer, passamos a ver Aids e sífilis”, desabafou a xukuru do Ororubá, Rosana Leal, 30 anos. Dentro de casa, ela enfrenta outro problema: a depressão da mãe de 53 anos. “Ela tem ideação suicida e vem sendo tratada por psiquiatras desde 2009”, disse.

Assim como no mundo dos não indígenas, os transtornos mentais entre os aldeados, principalmente depressão, vêm se tornando mais frequentes segundo a enfermeira Ana Paula Gomes da Silva, que está na coordenação do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI). Para suprir a nova demanda, foram organizadas três equipes de saúde mental. Mesmo com acompanhamento para depressão, um pankararu de 57 anos se suicidou no ano passado; outros dois indígenas, em 2016. Ainda sobre as causas externas de óbitos, que incluem suicídio, acidentes e homicídios, destaca-se o aumento de 200% nos assassinatos. Como não há indicativo que as mortes tenham como motivação a questão agrária, os crimes são investigados pela Polícia Civil de Pernambuco (PC). Até o fechamento desta edição, a PC não havia informado se existe um perfil para esses crimes com indígenas.

Ana Paula demonstrou preocupação especial para o avanço da sífilis. “Em 2017, tivemos 53 casos detectados via teste rápido. O que preocupa muito também é a sífilis congênita (quando a doença passa para o bebê). Só este ano, já tivemos dois casos desse tipo”. Os indígenas vivendo com HIV são 18.

Outros resultados que colocam a questão da saúde dos indígenas em alerta são os recorrentes diagnósticos de lúpus. Suenildo Clemente, 35, é um com esse quadro. Descobriu a enfermidade aos 28, quando, pela primeira vez na vida, usou remédios prescritos por um médico e não as receitas naturais do pajé. “Mudou tudo na minha vida. Não posso mais nem trabalhar na agricultura. Antes o pajé passou uns banhos de ervas, mas não teve sucesso. A solução foi procurar os brancos”, disse. São mais de 20 comprimidos, mas aliados a banhos para a cura espiritual.  “Lúpus é uma doença inflamatória, determinada por problemas de imunidade, com uma clara base genética. Como as populações têm muitos relacionamentos com parentes próximos, todas as doenças genéticas, incluindo as autoimunes, como o lúpus, possuem realmente maior prevalência”, explicou o consultor para saúde indígena do Imip, o médico Ruben Schindler.

Os casamentos consanguíneos também podem ser a explicação para a frequência de malformação fetais, como a hidrocefalia da pequena Vitória Aparecida, 1 mês, filha de Ediane Ferreira, 32 anos. Esse é seu segundo bebê que nasce com a anomalia - o primeiro acabou falecendo aos cinco anos. Os dois são filhos de um relacionamento com um primo. Contudo problemas nutricionais nas gestantes indígenas são fatores contribuintes para esses quadros.

 Virada epidemiológica


Ruben Schindler confirmou existir uma modificação do perfil de doenças prevalentes no século XX nas populações indígenas e não indígenas. Se antes eram as enfermidades infectocontagiosas as grandes vilãs, agora são as crônico-degenerativas.

“As populações indígenas eram especialmente propensas às doenças infecciosas porque eram - e ainda são – difíceis de vacinar. Além disso, havia muita dificuldade de atendimento médico rápido e adequado. Mas hoje os povos são prioritários para programas de vacinação. Então, passaram de uma expectativa de vida entre 40 e 50 anos para 60 ou 70 anos”, comentou. O envelhecimento explicaria, pelo menos em parte, o aumento das doenças crônicas e a mortalidade por questões cardiovascular e neoplasias entre os indígenas. Hoje as duas causas ocupam o 1ª e o 2º lugar no ranking da mortalidade, somando 82 óbitos em 2017.

Os casos de Lúpus têm sido frequentes. Suenildo Clemente é um dos diagnosticados. Acabou aliando os cuidados médicos às receitas do pajé.
Foto: Anderson Stevens/Folha de Pernambuco

"No tempo dos anciões não havia tanta doença como hoje", disse Rosana Leal, sobre a explosão de certa doenças hoje em dia
Foto: Anderson Stevens/Folha de Pernambuco

Por: Folha PE.


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