A ESPERANÇA DE UM AMOR 'Parte I'

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Maria Teresa Freire.


Passei correndo pelo hall para atender ao interfone. Minha mãe, na saleta ao lado com vários livros a sua volta, gritou para mim: “Samantha, onde você vai nessa correria? Ainda vai acabar escorregando!” Também aos gritos, respondi: “já volto, mamãe!” 

Lá fora me esperavam duas garotas gêmeas, minhas melhores amigas. Tinham vindo me convidar para a festa na casa delas, no sábado. Na realidade, eu já sabia da festa. Elas queriam que eu fosse no sábado cedo e lá dormisse. Não seria a primeira vez que eu passava o final de semana na casa delas. Nós três éramos imbatíveis nas estrepolias e nas brincadeiras que inventávamos. As gêmeas moravam em uma casa grande em um bairro bonito com ruas arborizadas. 

Eu também morava no mesmo bairro, mas com a morte do meu pai minha mãe resolveu que nos mudaríamos para um apartamento, nas redondezas. Como minha mãe era médica, ficava o dia todo trabalhando, às vezes até tarde, um apartamento seria mais seguro para nós.  As nossas famílias eram amigas e eu tenho sido muito bem consolada e apoiada pela família das minhas amigas durante o período de luto por meu pai. Elas tinham um irmãozinho mais novo, um garotinho muito fofo. E também um irmão mais velho, de 23 anos, que dava pouca atenção para nós, mas tratava-nos com condescendência do alto da sua grande experiência de vida. Imagine!

Mamãe concordou que eu passasse o fim de semana com minhas amigas, pois ela teria plantão no hospital e eu ficaria sozinha. E, finalmente, conheci o irmão mais velho. Com os meus poucos 14 anos, eu nunca tinha visto um homem tão bonito como aquele. Alto, forte, porte atlético, cabelos castanhos escuros e olhos muito azuis, iguais aos da mãe dele. Tinha uma voz grave, que chamava a atenção. Esse personagem maravilhoso passaria o final de semana conosco. Ao ser apresentada, ele conversou um pouco comigo, perguntando sobre minha família e que sabia que eu era a melhor amiga das suas irmãs. Perguntou-me Bernardo: “ o que você gostaria de ser no futuro, Samantha?” Nossa! Ele até sabia meu nome! Respondi a ele: “médica, como meu pai e mãe”. Ele comentou: “Você fez uma ótima escolha, aliás você é uma menina inteligente. As gêmeas têm sorte em ter uma amiga como você”. Eu repliquei: “pois eu acho que a sorte é delas em ter você como irmão”. Ele sorriu: “obrigada, mas o mais importante é ter uma amiga leal, inteligente e também bonita”. Eu pensei com meus botões: eu, inteligente e bonita? Depois desse elogio eu passei a acha-lo fantástico! Toda vez que eu o encontrava, ele sempre era gentil comigo, sorrindo para mim de modo que me cativava.

Durante os quatro anos que se seguiram, eu mantive a minha amizade e convivência com as gêmeas. Nessa época, Bernardo sumiu. Estava morando sozinho e quase não vinha visitar a família, como comentaram as gêmeas. Até que elas me contaram que Bernardo iria se casar e a mãe estava ajudando a organizar a cerimônia e a recepção. Recebemos, eu e minha mãe, o convite de casamento de Bernardo.  Casava-se com uma moça muito bonita e bem popular na sociedade. Durante a festa de casamento, ele parecia enamorado. Claudia e Camila, as gêmeas, não gostavam dela. Parecia que a moça não havia se desligado dos seus admiradores da época de solteira. Em pouco tempo, era visível que o casamento havia sido um erro. Bernardo estava calado e distante, comentavam suas irmãs. Nas poucas vezes que eu o vi, achei-o tremendamente triste e infeliz. 

Tempos depois, um sábado à tarde, Claudia, uma das gêmeas, me ligou muito nervosa. “Samantha, uma acidente grave aconteceu!  Oh! Meu Deus! Nem sei como lhe contar”. Apreensiva, perguntei:  “O que foi?  Conte-me logo , criatura!  Estou ficando assustada!” Claudia respondeu: “ é para ficar mesmo! Um acidente terrível aconteceu com a mulher do Bernardo. Um acidente de carro. Muito grave”.  Cada vez mais sobressaltada insisti, aumentando o tom da voz: “diga logo, Claudia!” Ela abaixou a voz e quase sussurrando: “ela morreu no acidente terrível”. Eu fiquei muda. Nem sabia o que dizer. A moça não era uma pessoa muito simpática ou agradável, mas ninguém desejaria essa brutalidade à ela.

“Claudia vocês precisam da minha companhia?  Não serei inadequada indo até aí?” A resposta veio rápida: “claro que não! Precisamos da sua companhia calma e afetuosa. Precisamos de você para nos tranquilizar. Bernardo e papai estão tomando as providências. Nós estamos em casa aguardando as informações sobre o velório. Que momento triste para Bernardo”.

Arrumei-me calmamente, assimilando o acontecido. Fui para a casa das gêmeas e, obviamente, encontrei um ambiente pesado e desolado. Mais tarde nos chega a informação sobre o velório e fomos para lá. Ao chegarmos, falei com Bernardo e seu pai. A fisionomia de Bernardo não era de tristeza. Era um rosto pétreo, olhar frio, duro e uma postura terrivelmente rija e distante. Um Bernardo que eu não havia visto antes. 

Continuei a frequentar a casa de Claudia e Camila. Éramos amigas e confidentes. Não éramos mais adolescentes brincalhonas. Éramos mulheres. Com 21 anos, tínhamos algumas experiências de vida, achávamos. A mãe das gêmeas resolveu que poderíamos todos ir para a casa da praia aproveitar o verão que prometia ser bem forte. Lá teríamos a praia a nossa disposição, uma casa ampla, avarandada e fresca, além de uma piscina para as tardes encaloradas. Bernardo iria junto, convencido pela mãe, pois estava precisando do apoio da família para sair daquele estado de indiferença, que já durava anos. Indiferente com as alegrias da vida. Trabalhava bastante e pouco se distraia. Visitava a família rapidamente e voltava a se enclausurar em casa.  Nós, as irmãs, o irmão mais novo e eu, com os nossos reboliços poderíamos animá-lo, o pouco que fosse.

E assim foi. Depois de uns dias, Bernardo ria conosco, saia a passear conosco. Comecei a reparar que ele prestava atenção em mim. Mais atenção. Na praia, me olhava de alto a baixo, parecendo me avaliar. Enquanto eu ria, e completava as brincadeiras das gêmeas, ele me olhava fixamente. Parecia me avaliar. À noite, quando às vezes saímos para tomar uma cerveja, jantar ou dançar, ele acompanhava meus movimentos atentamente. Avaliando-me.

Uma noite, sentada na varanda observando o céu limpo e estrelado, Bernardo se aproximou. Distraída, não percebi a presença dele silenciosa. Até que falou, com uma voz grave, porém sussurrante: “ o que você está pensando olhando o céu desse jeito?” Surpresa, comentei: “de que jeito?”  Ele sorriu, olhando fixamente nos meus olhos e disse: “sonhadoramente. Uma mulher bonita sonhando com o que?”. Espantada repliquei: eu bonita? Sonhadora? Não creio”.  Contemplando-me por inteira ele falou: “sim, você se transformou em uma mulher bonita, inteligente e atraente”. Inquieta com aquele comentário, descruzei minhas pernas, cruzei novamente, sem saber como me sentar. Bernardo acompanhava meus movimentos com um olhar malicioso, olhos brilhantes. Muito interessado nos movimentos das minhas pernas. De repente, ele soltou: “longas e bronzeadas”. Eu perguntei: “o que você disse?” Ele respondeu baixo: “nada” (mas eu tinha  ouvido). Sentou-se na cadeira ao meu lado e continuou me observando. Como se estivesse me avaliando. “Creio que vou dormir”, falei. “Ainda não”, ele disse. Puxou-me pelas mãos e me fez levantar. Aproximou meu rosto do dele e me beijou suavemente. Eu fiquei atônita. “Agora você pode ir”. Eu escapuli com as pernas trêmulas. Obviamente, mal dormi naquela noite.

Eu passei a ficar sem graça na frente de Bernardo. Ele ficava bem à vontade. Ia conosco a todos os passeios que organizávamos. Sempre escolhia os lugares ao meu lado. Comecei a ficar envergonhada na frente das gêmeas. Elas estavam percebendo os modos de Bernardo comigo. Uma manhã, na praia, ele me chamou para caminhar. Aproveitei a oportunidade para esclarecer aquele súbito interesse em mim.  “Bernardo, o que está acontecendo com você?” Ele perguntou: “como assim?” Meio tímida, acrescentei,: “parece interessado em mim”. Ele se virou para me olhar de frente e me disse com um olhar terno: “eu estou interessado em você”. Curiosa, falei: “em que isso vai nos levar?” Risonho, ele completa: “a um namoro, a um noivado talvez, a um casamento”. Eu titubeei: “mas eu não sou seu tipo de mulher!” Surpreso, ele replica: “quem disse?” 

Continuou falando, sem me deixar interromper: “você é exatamente o tipo de mulher para mim. Aprendi isso a duras penas. É bonita, inteligente, tem senso de humor, é irônica, desafiante; tem uma conversa que me estimula o tempo todo. Eu sempre quero mais de você. Além de tudo é leal, correta e será uma esposa fiel, ao contrário de Lucrécia (a primeira esposa), que me traiu várias vezes e faleceu em um acidente em que estava acompanhada de um dos seus amantes, ambos bêbados. Por seu comportamento, me fez desacreditar no amor. Entretanto, comecei a repensar isso ao observá-la. Você é afetuosa até no jeito de cumprimentar com um simples bom dia. A minha família a adora. Até nossos cães gostam mais de você do que de nós. Eu descobri uma mulher certa para mim. E é você, Samantha”. 

Eu não podia acreditar no que ouvia. Nunca me vi assim. Nunca imaginei que ele me veria assim. Não sabia o que dizer. Ele me perguntou: “você não vai fazer nenhum comentário?” Eu olhei para ele ainda atônita. Abri a boca e fechei. Ele riu, se aproximou e me deu um beijo rápido pois havia pessoas passando por nós.

Naquela noite, fomos todos para a praia para um luau, inclusive amigos das gêmeas. Ao meu lado, sempre, Bernardo a conversar, a rir, a fazer brincadeiras. As pessoas estavam percebendo o interesse dele por mim. Quando saíamos a passear pegava na minha mão como se fossemos namorados. Eu fui me envolvendo, me entregando à aquela doce sensação de ser especial para alguém. Sempre que podia ele me puxava para um canto e me beijava. Eu adorava.

Dois dias depois, Bernardo precisou voltar para atender aos compromissos de trabalho. Chamou-me para caminhar e me explicou: “tenho que resolver essas situações de trabalho. Voltarei assim que puder. Espere-me. Vamos conversar seriamente sobre tudo que está nos acontecendo. Minha vida tem estado diferente nesses dias. Entretanto, sou nove anos mais velho que você, já passei por muitos dissabores e quero que você pense bem sobre nós dois enquanto eu estiver fora. Sem a minha presença você poderá avaliar seus sentimentos e ter certeza se quer continuar com o relacionamento que iniciamos. Eu tenho. O que você decidir, eu aceitarei”. Beijou-me com muita paixão. Voltamos para casa. No dia seguinte, bem cedo ele partiu. Nem tive chance de dizer a ele que o amava desde adolescente. Desde o primeiro dia que o conheci. Eu esperaria por sua volta.


Por: Maria Teresa Freire - Jornalista, Escritora, Poeta, 
Presidente da AJEB – Coordenadoria do Paraná.



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