MARGINALIZADAS

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Drª Virginia Pignot.


Dimensão panfletaria e ritmo intenso

O filme Espanhol com Penelope Cruz “En Las Margenes”, retrata um dia na vida de pessoas que se cruzam em Madrid no contexto da crise econômica espanhola pós-Covid.

As críticas ao filme falam de polar social, ou de melodrama social, mas elogiam sua pertinência, sua dimensão panfletaria justa, e seu ritmo intenso que transmitem uma tensão e emoções vivas. Escrito pelo ator argentino Juan Diego Botto, produzido em parte por Penélope Cruz, o filme retrata um dia na vida de pessoas ameaçadas de expulsão de suas residências, como aconteceu nos Estados Unidos com a crise de 2008. São histórias que se cruzam, mostrando a luta de pessoas da classe operaria ou da classe media pelo direito de educar e criar seus filhos, de ter um teto sob o qual se abrigar.  

O título espanhol faz referência a pessoas deixadas às margens da sociedade, o título francês evoca o fato de ramar contra a maré para não ficar marginalizado, “na contramão”.

A lei do mais forte e seu rastro de dor

Acompanhamos no filme histórias de vida, encontros e desencantos. Vamos nos familiarizando com os protagonistas, nos deparamos com a fatalidade de alguns destinos. Em pano de fundo,  instituições financeiras onipotentes, leis e força policial que protegem eletivamente os mais ricos. Alguns recortes da história: apesar de já serem proprietários, uma senhora e seu marido se portaram garantes para o filho comprar um comércio. O negócio do filho faliu, e a mãe viúva vai ser expulsa do seu apartamento para reembolso do imóvel do filho. O filho envergonhado, desapareceu, não responde ao telefone. O banco terá seu dinheiro de volta, mas a senhora vai se tornar uma sem abrigo; um casal de classe média não consegue mais pagar as prestações do apartamento que compraram quando um deles perde o emprego, e recebem aviso de expulsão. O filho do casal, que vinha se desenvolvendo bem, sentindo a pressão que pesa sobre seus pais, que começam a se desentender, e também sobre ele, pára de falar na escola, desenvolve um mutismo eletivo.  

O papel do advogado e do seu enteado

Li em uma critica sobre o papel do advogado no filme: “Nos não temos informação sobre procedimentos legais, nos não vemos ele efetuar atos ligados ao direito, se ele fosse militante ou trabalhasse benevolamente para uma associação, seria a mesma coisa, então por que colocá-lo no papel de um advogado?” Esta critica me parece justificada, mas o roteiro do filme preferiu ressaltar o lado humano do personagem, com suas falhas e contradições: engajado na luta pelos direitos humanos, pela defesa da cidadania dos seus clientes, mas muito desastrado no item da gestão da sua vida pessoal; misturando desorganizadamente vida pessoal e vida professional, pode acabar fracassando... Ao longo deste dia intenso ele acaba ganhando a cumplicidade do filho adolescente da sua companheira. Confrontado à “galera” de uma realidade crua o jovem evoluiu em relação ao padrasto, e à sociedade em geral; ele saiu da posição de frieza defensiva distante e critica, e entrou na empatia e no engajamento.

Azucena

A mulher interpretada por Penélope Cruz passa o dia anterior à data anunciada da sua expulsão a lutar como uma leoa pelo seu teto, pelo seu lar. Antes e depois do emprego, vai encontrar a associação que luta pelo direito ao teto, contra as expulsões, fala com seu advogado, vai ao banco protestar. De noite ela e o marido acabam brigando. Ela o critica por ter baixado os braços em relação à ameaça de expulsão desde o início, ela se sentiu sozinha nesta batalha. E ele a critica por ter se exposto inutilmente, pois toda essa agitação e revolta não deu em nada.

Na luta é que a gente se encontra

Os manifestantes que vêm fazer barreira contra a força policial não são suficientes para barrar o processo de expulsão, mas o apoio e solidariedade recebidos confortam, o “barulho” dos protestos ecoa na imprensa. A voz dos sem teto será ouvida? O filme denuncia que sem respeito e atenção aos direitos do povo, democracias fantoches se transformam em ditaduras do sistema financeiro, “na contramão” do governo do povo, para o povo.

Por: Drª Virginia Pignot - Cronista e Psiquiatra.
É Pedopsiquiatra em Toulouse, França.
Se apaixonou por política e pelo jornalismo nos últimos anos. 
Natural de Surubim-PE - Correspondente da França.


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