COMO RECONHECER?

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Maria Teresa Freire.


Ele caminhava pelos corredores da empresa sempre muto sério e olhando somente para a frente. Ao chegar, no espaçoso hall de entrada não cumprimentava ninguém. Ao seu lado, o assessor permanentemente ao lado dele, dizia o nome, ao cumprimentar, daqueles que se aproximavam para falar com o ‘antipático’ Diretor de Planejamento da empresa, cujo proprietário era seu pai. Todavia, ao se acercarem, Fernando comentava detalhes das suas vestimentas ou dos seus cabelos, fato que surpreendia aos funcionários. Não sorria ou cumprimentava de longe, mas ao estarem perto ele modificava o tratamento. 

À espera do elevador, logo cedo em uma manhã, como ele costumava chegar, o Gerente de Vendas parou ao seu lado e seu assessor logo o cumprimentou: “bom dia sr. Carlos!” A seriedade de Fernando se desvanece em um sorriso que condiz com o cumprimento “bom dia Carlos! Gostei de sua gravata, fazendo uma combinação adequada com seu terno. Onde irá ainda tão chique hoje?” O sr. Carlos, também sorridente, responde: “temos uma reunião com os diretores da nova fábrica que está se instalando no Estado. O senhor também estará presente, certo?” Fernando responde: “certamente. Temos o nosso planejamento montado para a parceria com eles.” O elevador chega e sobem todos, cada um para seu escritório, a fim de rever os últimos detalhes para a mencionada reunião. 

De outras vezes, Fernando reparou no diferente corte de cabelo de sua secretária, no novo uniforme das zeladoras, até nas conversas animadas do pessoal que trabalhava no seu departamento. Era uma indústria de embalagens com mais de 1.500 funcionários. Trabalhavam com embalagens de todos os tipos. Fernando, como Diretor de Planejamento, acompanhava as cotações do mercado internacional para realizar as compras de matéria prima utilizadas nas diferentes embalagens. Também tinham uma transportadora com caminhões, furgões e aviões para transporte das mercadorias vendidas para vários estados do País, assim como para diversos países. 

Nas apresentações da empresa para novos clientes, Fernando explicava sobre os produtos com vídeos muito criativos sobre as fábricas e os processos de produção que despertavam a atenção. Fernando se preocupava muito com as apresentações, principalmente com os clientes em potencial, pois a impressão inicial é sempre marcante. Os vídeos precisavam de renovação, mostrando os novos meios de transporte adquiridos e os processos de produção modernizados. Também precisavam ser atraentes. Teve a ideia de que poderiam ter uma modelo bonita, mas com conhecimento sobre a empresa para que as explanações fossem atraentes, porém com conteúdo esclarecedor. 

A escolha para a modelo iniciou com as entrevistas. Estava difícil coadunar competência com beleza. Um amigo de Fernando mencionou uma atriz conhecida, muito conceituada pelas excelentes performances em filmes, seriados de tv e que fazia anúncios para uma grande empresa cujo contrato terminaria em breve. Na realidade, era a garota propaganda, representando comercialmente a marca em diversos meios de comunicação. Fernando quis conhecê-la. Convidaram a atriz, Miranda, para uma reunião e ofereceram a ela um contrato muito mais vantajoso do que o atual.  A aparência e o modo de ser dela atraíram Fernando. Ela foi contratada. 

Miranda passou a conviver com Fernando para entender sobre a empresa. Ela aprendia rápido, era inteligente. Questionava para dominar melhor o assunto e se familiarizar com os detalhes que poderiam enriquecer a publicidade que ela faria, sendo ‘a cara’ da empresa. Refletiu sobre a roupa, a maquiagem e o penteado mais condizentes para ela se transformar na imagem representativa da personalidade empresarial.  Fernando gostava da companhia dela. Nos vários eventos da empresa, eles iam juntos. Ele aparecia em poucas festas mas, com ela ele ia em todas. Acompanhava as gravações dos vídeos, das publicidades. E foi se enamorando dela. 

Entretanto, Miranda começou a perceber o modo estranho de Fernando reparar em detalhes das pessoas que normalmente chefes nem mencionariam. Ela perguntou a ele sobre esse comportamento. Ele desviou o assunto, fugindo da resposta. Um dia, ela muda completamente o visual. Veste roupa de estilo bem diferente, peruca de cor e comprimento opostos ao seu cabelo, até o timbre da voz. É atriz, isso é fácil para ela. Ela apareceu no escritório quando ele estava sozinho. Fernando não a reconheceu. 

Pego em flagrante e pressionado por Miranda, ele contou o que acontecia com ele: “eu sofro de “prosopagnosia”, uma doença que se apresenta como cegueira facial; é uma condição neurológica caracterizada pela incapacidade de reconhecer rostos, independente da visão”, me foi explicado.  A palavra deriva do grego e combina os termos “prosopon” (rosto) e “agnosia” (falta de conhecimento); também é conhecida como “cegueira facial”. Continua explicando: “no meu caso foi causado por uma lesão cerebral traumática em virtude de um atropelamento grave que sofri, mais jovem. O tratamento depende do tipo de distúrbio. No meu caso, eu posso ser submetido ao tratamento da condição que resultou no distúrbio, ou seja, a lesão que sofri. Eu não podia fazer nenhum tratamento específico, por conta da idade. O médico que me acompanha informou-me que poderei me submeter a esse tratamento agora; tenho muita esperança de poder melhorar meu estado, não de curar-me”. 

Miranda fica sem fala diante da explicação. Nunca imaginaria uma condição dessa para ele, tão firme, resoluto, objetivo e excelente empresário. Fernando explicou a ela que utiliza de estratégias para reconhecer as pessoas. Por isso, repara em detalhes como cabelo, roupa, tom de voz, assim como outros acessórios. Ele havia gravado o jeito dela; quando mudou ele não conseguiu reconhecê-la. Sentindo-se atraída por ele, ela desejava consolá-lo, confortá-lo, abrigá-lo em seus braços. Foi o que fez: abraçou-o carinhosamente, ele retribuiu ansioso, pois estava apaixonado por ela. Seu maior desejo era poder ver o rosto de Miranda. Passou as mãos em cada detalhe da face, que mesmo não vendo, lhe era querida. 

Fernando perguntou à Miranda: “você conseguiria conviver comigo, mesmo com esse problema?  Eu teria chance de que você gostasse de mim o pouco que fosse?” Miranda olhou para ele afetuosamente e respondeu: “sim, eu posso conviver com você, apesar disso. Eu vou gostar de você mais do que esse pouco que me pediu. Vamos aguardar juntos pelo contato do médico, quando quer que seja.” Assim o fizeram. Não somente nos eventos, mas em todos os momentos possíveis estavam juntos. Usufruindo a companhia e o amor que crescia entre eles. 

A atriz, linda e charmosa, conseguiu conquistar o “antipático” e bonitão empresário, comentavam as pessoas. Mal sabiam elas de todo o enredo! 

Por: Maria Teresa Freire - Jornalista, Escritora, Poeta, 
Presidente da AJEB – Coordenadoria do Paraná.
Presidente da ALB - Paraná.



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