REALIDADE FOTOGRAFADA

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 Maria Teresa Freire.


Escolho as fotos. Farão parte de uma exposição que organizo intitulada “As pessoas e a natureza”. Três assistentes me ajudam, duas delas são minhas irmãs. Trabalho incansavelmente há semanas. Fotografo a mesma cena várias vezes até eu ficar satisfeita. Cenas de pessoas interagindo com a natureza. Ou seria a natureza permitindo que as pessoas interajam com ela? 

As providências são várias. Declarações consentindo que as pessoas apareçam nas fotos. Revelação, impressão das fotos. Como são de tamanho grande, há necessidade de uma gráfica especial. São posters. Também em papel especial. No fim da exposição haverá um leilão com as fotos. Portanto, o trabalho é dobrado: da exposição e do evento leiloeiro.

Após o leilão, os posters ficarão embalados no estúdio para serem entregues aos clientes. O evento termina, estamos todos exaustos. Verificado que os posters vendidos estavam devidamente acondicionados, vamos para casa. No dia seguinte, serão as providências com as entregas. 

O dia seguinte amanhece, e vamos todos para o estúdio. Ao chegar, encontramos a porta principal arrombada. Já tivemos um susto. Ao entrarmos, quase desmaio com o que encontro:  posters faltando, provavelmente roubados, outros cortados com facas, pedaços pelo chão. Uma desordem completa. Fico louca ao ver aquela violência, desrespeito ao trabalho das pessoas. Prejuízo total. Meu funcionário que cuida da parte financeira faz um levantamento e conclui: todo o lucro das vendas será para indenizar os compradores. 

Quase todo o recurso financeiro que eu tenho será para enfrentar os estragos. O estúdio é imóvel meu; moro, com minhas duas irmãs no terceiro andar. O primeiro andar é destinado às exposições minhas e de outros artistas que alugam o espaço. O segundo é o estúdio propriamente dito, as fotos são reveladas e nós trabalhamos: eu, minhas duas irmãs, Jade a outra assistente e Jonas que cuida do financeiro e outras tarefas. Somos como uma família.

Os compradores ficam atônitos, pois nunca nos aconteceu qualquer problema. Eu logo aviso que todos seriam ressarcidos de suas perdas. Ou seja, eu devolveria o valor pago por cada poster fotográfico. Por essa minha iniciativa não tive processos jurídicos. Mas a imprensa se labuza ao publicar que nós não tínhamos responsabilidade com a segurança das fotos adquiridas por preços altíssimos. Que nosso espaço não é seguro para abrigar qualquer exposição. Que estávamos reféns de ladrões, sem condições de promover qualquer outro evento, muito menos guardar obras de valor. As exposições agendadas foram canceladas. Todos eram cruéis em nos apontar como irresponsáveis. 

Praticamente falida, fechei o estúdio e voltei com minhas irmãs para a casa dos meus pais. Moram perto do mar, em uma ilha, local tranquilo, moradores amigos. Onde nascemos e meus pais vivem até hoje. Onde amei pela primeira vez. Ali fico escondida, destruída pelo que me aconteceu.

Entretanto, meus amigos de infância sabem do meu retorno e me procuram. Não quero falar com eles, estou triste, desanimada, envergonhada. Eles se importam com isso? Vão me buscar, me obrigam a sair de casa e retomar algumas atividades praticadas quando crianças e adolescentes. Caminhadas, piqueniques, passeios em locais distantes da Ilha, jogos de tabuleiros, de cartas e à noite sentar ao ar livre, absorvendo o ar agradável, beber um pouco e bater bons papos. Assim, me fizeram contar tudo que aconteceu e acharam muito estranho o roubo, em local que tinha proteção e inclusive alarme. 

Os amigos resolvem investigar sobre o fato e começam contatando a Polícia, pois eu fiz o Boletim de Ocorrência (BO), na ocasião. A investigação policial não deu em nada. Entretanto, os amigos, liderados pelo ex-namorado (de quem eu ainda gosto) decidem continuar investigando.  Ao buscarem informações, chegam até a empresa que embalou os posters, pois alguns iriam para outras cidades. Um dos funcionários tem uma ficha criminal densa. Foi essa pessoa que deixou a porta destrancada para que seus comparsas entrassem e fizessem o arresto das principais obras. O ‘mal caráter’ foi descoberto por Gabriel (o ex). Ele queria matar o delinquente. Precisamos segurá-lo e contatar a polícia para evitar que arrebentasse o ‘cara’ com tanta pancada. 

Surpreendo-me com a reação de Gabriel. Desde que fui embora, nós nos falamos muito pouco. Todavia, o modo como ele me trata agora não é nada distante, muito menos frio. Ao contrário. Às vezes eu fico sem graça na frente dos amigos. Ele nem se importa e continua a agir carinhosamente comigo. Perguntei a ele: “Gabriel, por que você reagiu tão agressivamente quando descobriu o responsável pelo roubo?” 

Gabriel olhou-me por alguns instantes, muito sério, segurou meu rosto com as duas mãos e disse-me: “Porque eu a amo com a mesma intensidade de quando você se foi. Acompanho todos os seus trabalhos. Mesmo não falando com você, eu sei de todos seus passos por meio de amigos meus. Você trabalha duro, é uma fotógrafa excelente, as pessoas gostam e apoiam seu trabalho; não é justo fazer isso com você!”  E me beija tão amoroso, tão gostoso que eu me derreti; senti-me novamente amada, protegida. Um beijo longo, terno, cheio de saudade, que trouxe de volta o amor que nos uniu. 

Nossa história (eu e Gabriel) começou há muitos anos, quando adolescentes. A mesma escola, a mesma Universidade, somente cursos diferentes. Ele estudou Oceanografia e voltou para a Ilha para trabalhar em projeto relativo à sua área de expertise. Eu fiquei no Rio (RJ) trabalhando como fotógrafa e consegui criar minha própria empresa. Por ambição, preferi ficar na cidade grande para me firmar como fotógrafa conceituada e admirada. Não há mal nisso, mas eu terminei nosso relacionamento preocupada em que fosse atrapalhar minha carreira. E senti muita falta do apoio e incentivo que ele me dava. Não o procurei mais, arrogante com o meu sucesso. Contudo, ele foi a primeira pessoa a acreditar em mim, que eu não havia sido irresponsável e nem relapsa. Conduziu a investigação com os amigos para me inocentar completamente.  

Agora, envergonhada por não ter sido mais atenta, ter perdido grande parte do meu capital, não sei o que faço. Ele, novamente, me arranja tarefa. A empresa em que ele trabalha precisa de fotos da fauna marinha para estudos, mas também pretendia fazer uma exposição. Ele me indica. Ao mostrar meu portfólio a empresa se anima e me contrata. Fotografo na superfície e mergulhando. Ficam maravilhosas, diz o pessoal da empresa. Ele, os amigos e minhas irmãs se propõem a organizar a exposição, pois a empresa não tem experiência nesse tipo de evento. Um sucesso total! Todo o pessoal da Ilha visitou. Convidados da empresa, amigos e até concorrentes do Rio vieram para a exposição. Foi um excelente marketing para a empresa. Em vista do êxito da exposição, outras empresas se interessam. E propostas de trabalho me são feitas. 

Toda essa retomada de trabalho e de autoconfiança aconteceu por causa de Gabriel. Ele lutou por mim. Com ele é o meu lugar. Com ele estou salva, amada, segura, valorizada. Não irei a lugar nenhum. Posso viajar para trabalhar e retorno para ele. Iremos juntos quando for possível. Juntos estaremos, não quando for possível, mas sempre. Não há melhor lugar do que entre os braços de quem me ama. 

Por: Maria Teresa Freire - Jornalista, Escritora, Poeta, 
Presidente da AJEB – Coordenadoria do Paraná.
Presidente da ALB - Paraná.



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