HISTÓRIA E REPERCUSSÕES DOS IDEAIS DE JÚLIA LOPES DE ALMEIDA... UM NOME PARA SER IMORTALIZADO...

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Dinalva Carabajal.


A trajetória de Júlia Lopes de Almeida, uma das figuras mais notáveis da literatura brasileira, entrelaça-se com os destinos de instituições literárias como a Academia Brasileira de Letras (ABL), a Academia de Letras do Brasil (ALB) e a Confederação das Academias de Letras do Brasil. Júlia, visionária e pioneira, ergueu sua voz em meio a um contexto literário dominado por homens, e seu legado, por vezes eclipsado pelo tempo, emerge hoje com vigor renovado, somando-se ao de outros gigantes de nossa história cultural, como Machado de Assis, Tobias Pinheiro, Josué Montello e Mário Carabajal.

Nascida na cidade do Rio de Janeiro, em 24 de setembro de 1862, Júlia cresceu em uma família de sólida formação intelectual, que estimulava o florescimento das artes e das letras. Ao longo de seus 71 anos, ela nos deixou um legado literário grandioso, composto por 25 obras que abrangem 12 romances, além de contos, literatura infantil, ensaios sobre jardinagem, comportamento e viagens, bem como peças de teatro. As edições de suas obras, que frequentemente alcançavam tiragens de cinco mil exemplares, revelam a força de sua escrita, que continua a dialogar com os leitores contemporâneos pela clareza e elegância de seu estilo.

Seus livros oferecem uma rica crônica dos períodos mais conturbados de nossa história. Em A Família Medeiros, por exemplo, ela expõe as sombras da escravidão, enquanto em outros romances, narra as profundas transformações políticas e sociais da República e da industrialização no Brasil. De forma magistral, Júlia deu voz à experiência feminina em um tempo de revoluções sociais e políticas, tornando-se uma intérprete singular das dores e conquistas das mulheres que viveram essas transições.

Contudo, não foi apenas na literatura de ficção que Júlia se destacou. Ela atuou como jornalista por mais de três décadas, colaborando com os principais jornais do país e mantendo por vários anos uma coluna semanal no influente jornal O Paiz. Suas mais de 200 crônicas publicadas revelam o empenho em causas sociais como a educação e a emancipação da mulher, a luta pelo direito ao voto feminino e a defesa das populações marginalizadas. Temas como a derrubada do Morro de Santo Antônio, à qual se opunha com firmeza, foram tratados com profundidade, demonstrando sua coragem em desafiar as convenções estabelecidas.

Casada com o poeta e jornalista Filinto de Almeida, Júlia conciliou a criação de seus quatro filhos com uma prolífica carreira literária e jornalística — uma verdadeira revolução em uma época na qual as mulheres eram privadas de direitos fundamentais, como o de viajar sem o consentimento do pai ou do marido. Sua residência no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, transformou-se em um célebre ponto de encontro da intelectualidade, onde, no famoso Salão Verde, realizavam-se saraus que reuniam as mentes mais brilhantes de seu tempo.

Júlia foi a grande idealizadora da Academia Brasileira de Letras, instituição que, lamentavelmente, não pôde integrar, vítima das restrições de gênero impostas pelos estatutos que imitavam o modelo da Academia Francesa. Apesar de seu papel fundamental na concepção dessa instituição, foi seu marido, Filinto de Almeida, quem ocupou uma cadeira entre os “Imortais”, em uma manobra que pretendia, ao mesmo tempo, honrar e silenciar sua contribuição.

No entanto, sua visão de uma Academia inclusiva, aberta a todos os escritores, independentemente de gênero, floresceria anos depois. Em 1995, Mário Carabajal, após recusar um convite do então Presidente da ABL, Josué Montello, para assumir uma cadeira vitalícia na Casa de Machado de Assis, à revelia das formalidades, decidiu, isto sim, fundar a ALB – Academia de Letras do Brasil “Da Ordem de Platão”. Esta nova Academia, nascida do idealismo compartilhado por Carabajal, Montello, Tobias Pinheiro e Fernando Henrique Cardoso, foi moldada para representar todos os escritores brasileiros, sem as limitações elitistas e restritivas que haviam barrado o acesso de Júlia Lopes à ABL. Josué Montello, ciente das dificuldades impostas pelos estatutos da ABL, antes de renunciar, optou por chegar à Presidência, de onde, com maior contundência, incentivou e apoiou o surgimento dessa nova Academia, ALB, que refletia a visão inclusiva e democrática sonhada por Júlia Lopes, Carlos Drummond, Graciliano Ramos, Mário Quintana, Lucas de Souza e tantos outros sonhadores da escrita, de fortes personalidades e ideais. No entanto, na linha e ideais de Júlia Lopes, de uma academia aberta à todo escritor, nenhum outro foi tão longe quanto Graça Aranha, Membro, ao renunciar sua Cadeira na ABL, em 1924, após ver o seu projeto de abertura, democratização e expansão, derrotado pelos mesmos estatutos e corporativismo que alijaram Júlia Lopes de seu natural e merecido lugar na história, de idealizodora, Membro e Presidente Fundadora da ABL.

“A Academia Brasileira morreu para mim, como também não existe para o pensamento e para a vida atual do Brasil.” (Em 18/10/1924 por Graça Aranha, ao renunciar a ABL)

A luta de Júlia Lopes de Almeida ecoa, também, nas histórias de tantas outras mulheres extraordinárias cujas contribuições foram também apagadas ou negligenciadas pela história oficial. Entre elas, destacam-se figuras como Nísia Floresta, uma das primeiras feministas do Brasil; Maria Firmina dos Reis, pioneira na literatura abolicionista; e tantas outras, como Cândida Fortes Brandão, Délia, Francisca Clotilde, e Ignez Sabino, cujas obras, muitas vezes, só podem ser encontradas em acervos estrangeiros, tamanho o descaso com que suas memórias foram tratadas em solo pátrio.

Graças a esforços recentes de preservação e reedição de suas obras, a figura de Júlia Lopes tem sido redescoberta e valorizada. Até o presente momento, quinze de suas obras foram reeditadas, e o trabalho de resgate de sua produção continua em andamento. Em um esforço para democratizar o acesso a seus textos, seus livros estão sendo disponibilizados tanto em formato físico, sob demanda, quanto em e-books, permitindo que novos leitores, de qualquer parte do mundo, conheçam a profundidade e a relevância de sua obra.

Clube de leitura e vestibulares já começaram a reconhecer a importância de Júlia Lopes de Almeida, mas seu legado transcende esses círculos. Sua escrita, rica em envolvimento emocional e precisão histórica, está destinada a encontrar espaço nas prateleiras e corações de leitores comuns, que, como os de outrora, se encantarão com as histórias atemporais que ela nos legou.

Júlia, em conjunto com mulheres também decidias de seu tempo, em 1919, funda a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, objetivando fomentar um movimento feminista no Brasil para a defesa dos direitos da mulher, a partir da educação formal da mulher e aprofundamentos a mulher sobre temas como divórcio, violência, aborto, abolição da escravatura proclamação da escravatura, discriminação cultural, trabalho, política e outros, ainda, em nossos dias, em fases iniciais de conscientização.

Por: Dinalva Carabajal - Juíza Arbitral, empresária, Membro da Divine Académie Française des Arts Lettree et Culture, Bacharel em Teologia (FACETEN), aluna de especialização em Gestão Financeira, escreve para jornais, revistas e coletâneas. Três livros no prelo. Doutora h/c em Direitos Humanos (OMMDH), Diretora Global da ALB Humanitária. Mamãe da Dimarrye 
(6 anos) e Júnior ‘Carabajal’ (4 anos).


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