ATLETAS DE OURO

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Virginia Pignot.


 I Introdução

O Brasil foi o décimo segundo colocado pelo número de medalhas obtidas nos Jogos Olímpicos de Tóquio, bem longe dos EUA, e da China, os dois primeiros, mas na dianteira de muitos países. Por trás deste sucesso, atletas valorosos, treinadores dedicados, famílias esforçadíssimas, uma politica publica de incentivo ao esporte e aos atletas, que infelizmente vem reduzindo drasticamente desde 2016.

Vendo a maravilhosa atuação da ginasta Rebeca Andrade (aconselho a quem ainda não viu), ao som da música Baile de Favela, de M.C. João, fui lendo e me interessando pelo talento, pelas histórias de vida, pelo ambiente familiar de vários atletas olímpicos. A vontade de compartilhar se impõe, como uma forma de agradecimento aos atletas que souberam nos dar o melhor de cada um, nos alegrar e fazer vibrar, em tempos tão difíceis de crise político-econômica e de pandemia, mas também em homenagem aos pais, mães, avós, treinadores, trabalhadoras e heróis anônimos brasileiros. 

Escolhemos contar uma história deste buquê precioso, conto de fada do tempo moderno, com seu lote de dores, superação, e alegria.

II Uma atleta, Rebeca Andrade

A menininha de Guarulhos na Grande S.Paulo que assistia televisão com os pés na cabeça ou fazendo piruetas, agora com 22 anos, emocionou o Brasil e o mundo ao som de Baile de Favela, ganhando a Medalha de Prata na modalidade artística individual. Ela foi a primeira campeã olímpica da ginástica artística brasileira com sua medalha de ouro no salto. Além do seu talento e esforço pessoal, enormes, ela contou com uma base de apoio que ela não deixou na sombra, quando  os holofotes se voltaram para ela.

1 A solidariedade da Família

Quando ganhou sua primeira medalha em Tóquio, Rebeca prestou uma homenagem especial ao irmão Emerson e à sua mãe D. Rosa, assim como ao seu treinador que ela considera como um pai.

Vamos atrás deles, um pouco da sua história de vida.

Sua mãe se separou, e estava decidida a ser feliz nesta nova etapa da vida. Trabalhava num restaurante, vivia com os cinco filhos, Rebeca era a mais nova do “time”. Como a mãe trabalhava muito, os mais velhos cuidavam dos mais novos. 

Quando aprendeu a engatinhar Rebeca já subia as escadas do beliche para pular em cima do colchão. Aos dois anos já fazia estrelas, aos três, estrelas sem as mãos. Aos quatro anos, atirou a atenção de uma técnica enquanto fazia piruetas no ginásio esportivo em Guarulhos no qual sua tia trabalhava, e onde havia um projeto social para jovens ginastas. Foi convidada a participar do programa de treinos. Ia de ônibus com o irmão, quando podiam, ou à pé durante mais de uma hora de marcha, e depois na  bicicleta de sucata, que o irmão ajeitou para levá-la aos treinos. 

Rebeca diz que aprendeu o essencial, o respeito aos outros, em casa. Quando começou a vencer competições, Rebeca comprou um apartamento para a família. Sua mãe teve mais três filhos do seu segundo relacionamento. “Eles brincam que todos viraram ‘irmãos da Rebeca’. Mas antes de tudo, são filhos de Rosa.(1)

2 Além do profissionalismo, a humanidade da equipe técnica

A equipe técnica do ginásio retribuía o talento e esforço da menina com dedicação profissional e pessoal, inclusive contribuindo economicamente com a família no custeio dos deslocamentos, roupas, etc usadas durante as competições. Foi este investimento e confiança mútuos que permitiu à D. Rosa de aceitar o pedido de Rebeca, e o convite do técnico Francisco Porath, que a acompanha desde seus 7 anos de idade, a deixá-la partir aos 9-10 anos para treinar em Curitiba. Rebeca diz ao seu treinador em Tóquio: “Obrigada por sempre acreditar em mim, somos campeões”

3 Dores, companheirismo/humildade e lição contra o racismo

Rebeca foi operada em 2015, 2017 e 2019 do ligamento cruzado anterior de um joelho, o que a impediu de participar de competições neste período, mas as cirurgias “não extinguiram a chama olímpica que ardia dentro dela.”(2). 

Rebeca reparte simbolicamente seu prêmio com as companheiras ginastas, e não se coloca necessariamente acima delas: “A medalha é de todas as mulheres e meninas que já praticaram a modalidade”. E “Tem muita gente no Brasil como eu”. 

Rebeca nos dá uma bela lição contra o racismo: “Eu sou negra e vou representar...todas as cores. O esporte tem que representar a todos.”

Interrogada sobre a atitude da ginasta americana que abandonou a competição (3), Rebeca foi solidaria com a decisão da colega: “Não somos robôs, a pressão sobre os atletas é muito grande…” Além de incentivar a colega, Rebeca evoca o seu trabalho pessoal com sua psicóloga, e que contribui para ela ter se tornado a atleta que é hoje. E ela conclui: “Precisamos de ajuda, precisamos de pessoas que possam ver nosso talento e que nos ajudem a crescer”.

III As Confederações

Confederações de esporte brasileiras devem ser a base do suporte aos atletas. Mas podem se desviar da sua função. A Confederação brasileira de handebol, por exemplo, está sendo objeto, junto com empresas privadas, de investigação na Operação “Sete Metros”, da Polícia Federal, por suspeita de corrupção. “Há indícios que os envolvidos fraudaram licitações, superfaturaram valores de bens e serviços adquiridos, falsificaram documentos nas prestações de contas, …”, diz uma nota da Polícia Federal(4). O atleta e jornalista Diogo Silva, nos lembra que presidentes de confederação podem fazer má gestão, não darem ouvidos aos atletas e treinadores. No entanto, segundo ele, a base administrativa é essencial para que atletas cheguem aos jogos olímpicos. (5)

IV As Politicas Públicas

A professora da USP que escreveu o livro “Atletas Olímpicos Brasileiros”, Katia Rubio, nos informa que atualmente, atletas laureados ou não, nadam contra uma corrente de falta de investimentos públicos. Segundo ela, os bons resultados do Brasil nas Olimpíadas de Tóquio, ainda são fruto das politicas públicas criadas com foco na Rio 2016. O Programa Bolsa Atleta registrou uma queda importante, em relação ao orçamento anterior. Programa criado pelo Ministério dos Esportes que foi extinto pelo governo Bolsonaro. Com essa redução importante do orçamento a professora teme o que esta por vir: “Atualmente 34,8% das garotas desistem de seguir uma carreira esportiva por falta de incentivo. Me preocupa como chegaremos as Olimpíadas de Paris 2024”(6).

V Lutas, superação e glória, mas não sem incentivo publico!

Vários atletas brasileiros que nos deram prazer e alegria durante as Olimpíadas, beneficiaram de  formação em um projeto que utiliza o esporte como fator de inclusão social. As múltiplas funções do esporte, bem-estar, saúde, disciplina e segurança, combate ao sedentarismo, lembradas recentemente por atletas em cartas abertas, se exercem com aumento de praticas esportivas nas escolas, com quadras, equipamentos e professores esportivos, desde a escola até o profissional. No esporte como em outros campos não há pais do futuro sem investimento e projeto voltado para o desenvolvimento social.

Bibliografia

1 Na infância, Rebeca Andrade era espoleta, escalava beliches e ia a treinos em bike de Sucata. João Gabriel, A Folha de S.Paulo 01-08-2021

2 “Precisamos de pessoas que acreditem em nos”, diz Rebeca Andrade, dw.com 02-08-2021

3 Simone Biles abandona final e diz sentir “peso do mundo sobre os ombros”, nexojornal.27-06-21

4 Polícia Federal investiga desvio de dinheiro público  na Confederação Brasileira de Handebol

Jornal do Comércio, Porto Alegre, jornaldocomercio.com 16-08-2021

5 Programa Bom para Todos, RedeTVT Diogo Silva, 22-11-2O19

6 Os campeões sem medalhas que a Olimpíada de Tóquio revelou ao Brasil. Joana Oliveira El Pais, S.P., 09-08-2021

Por: Virginia Pignot - Cronista e Psiquiatra.
É Pedopsiquiatra em Toulouse, França.
Se apaixonou por política e pelo jornalismo nos últimos anos. 
Natural de Surubim-PE.


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Um comentário:

  1. No esporte como em outros campos, não há país do futuro sem projeto e investimento público

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