TEMPOS NOVOS

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Maria Teresa Freire - Jornalista, Escritora, Poeta, 
Presidente da AJEB – Coordenadoria do Paraná.



Triste e tremendamente revoltada com a traição e a falsidade do marido, Heloisa não queria se envolver com nada. O marido morrera há um ano. Foi chamada à realidade por seu pai. Se não fosse por ela mesma, ao menos que fosse por ele, para continuar ajudando-o na administração das fazendas de café que possuíam.  

Heitor, o marido de Heloisa, deixara uma herança caótica: dívidas de jogos, atrasos nos pagamentos dos funcionários do Armazém de Café da família que ele administrava; dívidas também com os cafeicultores que deixavam seus produtos para venda no Armazém. Entretanto, o que mais abalara Heloisa foi saber das amantes de Heitor. Seu casamento havia sido uma farsa. O amor, que parecia verdadeiro e único, se desfez em minutos, como um castelo de areia. Ao mesmo tempo, que sofria uma dor imensa pela falta de caráter do marido, crescia dentro dela uma raiva e revolta por seu amor irrestrito não ter tido valor para ele. Buscou outros prazeres. Ela não foi suficiente para fazê-lo feliz. Com isso, um sentimento de desconfiança em relação aos homens se instala no coração de Heloisa.

Com a reprimenda de seu pai em virtude do seu alheamento às atividades que ela desempenhava na administração das fazendas, Heloisa começou a reagir. Aos poucos foi saindo de casa, indo ao Armazém, verificando o andamento das vendas, dos compromissos assumidos. No primeiro dia em que apareceu, os funcionários receberam-na com carinho. Um acolhimento genuíno para a patroa justa, competente e delicada que tinham. Assim, foi retomando sua rotina de trabalho, empurrando para bem fundo do seu coração os sentimentos de dor e raiva. 

Seu pai havia comentado que um novo fazendeiro estava intermediando as exigências dos cafeicultores que não tiveram seus contratos honrados por Heitor e dessa forma, facilitava a negociação para seu pai. Ele havia comprado uma peça de cerâmica dela e gostaria de conhecê-la.

Então, em um dia quente e ensolarado de verão, no meio da azafama do Armazém, entra o ‘fazendeiro novo’ com um andar calmo, rosto sério, cabelos escuros, alto, forte e com um ar muito decidido. Heloisa viu-o quando parou na entrada; a silhueta contra o sol chamou a atenção. Parado ali, a observar o ambiente, era uma figura marcante. Seu pai foi recebê-lo com simpatia e ele respondeu muito educadamente. Ao ser apresentado à Heloisa ele perguntou: “você é a artista que faz as cerâmicas?” Abriu um sorriso largo que pareceu resplandecente à Heloisa. O semblante sério, os olhos escuros pareceram se suavizar e assumiram um ar caloroso, acolhedor.

-“Heloisa, posso chama-la assim? Descreveram-na como uma mulher bonita, mas você é linda! Desculpe-me Sr. Miguel (pai de Heloisa), mas é um cumprimento respeitoso e genuíno”.

-“Eu entendo Fernando (o fazendeiro), pois minha filha é mesmo muito bonita. Ela se parece com a mãe”, replica o pai de Heloisa, Sr. Miguel. Os olhos de Fernando não despregavam de Heloisa. Ela retribuiu o olhar. Convidou-o para ver a reforma no Armazém. 

-“Você quer ver o espaço de arte que estamos criando? Como você comentou sobre a minha cerâmica, talvez goste de saber que pretendemos dar oportunidade para os artistas da região exporem suas obras”, explica Heloisa.

-Eu gostaria muito, pois aprecio a criação artística, principalmente a sua”, replica Fernando. Os dois se encaminham para o espaço que está sendo ampliado e reformado para receber as criações artísticas e se tornar um ponto de encontro cultural. Fernando olha com interesse e Heloisa expõe a ela como pretende organizar os expositores. Ela fez contato com vários artistas conhecidos e todos ficaram interessados. Pagarão uma determinada quantia  para expor  e um percentual quando houver venda. Essa cobrança servirá para cobrir os gastos permanentes com o local como luz, limpeza, manutenção e também extras quando organizarem algum evento especial. 

Fernando ouve com atenção e de vez em quando pergunta sobre algum detalhe. “Realmente, estou gostando do que você está montando aqui, Heloisa. Dará oportunidade a muito artista que não tem condições de mostrar sua arte. Pode se transformar em um negócio complementar para todos, inclusive ajudando na renda familiar e também para adquirir os materiais para suas produções. Conte comigo com o que precisar. Não sou artista, mas gosto de arte e quero apoiar esse seu projeto”, esclarece Fernando. “Vamos comigo até onde está seu pai? Preciso falar com ele sobre as vendas do café e você junto pode nos ajudar com as ideias, pois é muito criativa. Os dois sorriem e foram em busca do Sr. Miguel.

As visitas de Fernando ao Armazém passaram a ser diárias. Ia para ver Heloisa. Na realidade os dois ansiavam por se encontrarem. Chegava ao final da tarde. E a desculpa era: “O dia passou rápido. Já estamos quase na hora do jantar! Que fome estou sentindo. Você também, Heloisa? Vamos jantar?”  Jantavam juntos. Em um restaurante ou na casa dela. A conversa girava em torno do que gostavam, do que faziam. Estavam se conhecendo. Cada vez mais. No final de semana, Heloisa passava o dia com Fernando na fazenda. Voltava para casa no fim do dia. 

Um sábado à noite, apreciavam o céu estrelado na varanda da casa quando Fernando falou, acariciando a mão dela: “Heloisa preciso dizer como me sinto em relação à você. Estarmos juntos é maravilhoso. Gosto demais da sua companhia. Gosto muito de estar com você. Gosto muito de você”. Ele se aproximou e a envolveu em um abraço. Ela se aconchegou. “Fica essa noite?” ele pergunta. Ela responde: “Fico”. 

Ele inclinou a cabeça e com a mão na nuca dela, puxou-a suavemente e beijou-a. Com muita doçura. Ela inebriou-se. Retribuiu o beijo. Sentiu-se derretendo. Porém, viva. Nem se lembrava da ultima vez que se sentira tão viva. E o amor que fizeram foi assim. Um início amoroso que se intensificou e explodiu em uma paixão avassaladora que estava latente. Uma ânsia incontrolável de se experimentarem, sentirem o gosto de cada um, conhecerem cada pedacinho dos corpos, deslizar as mãos suavemente como tateando cada músculo que se retesava no toque sensual e há muito desejado.  

Perderam-se em si mesmos, nas carícias provocantes, nos beijos profundos, no sexo inebriante que os levou ao êxtase total, completo, ao orgasmo pleno, ao ápice da junção de dois seres que se transformaram em um só no amor intenso que partilharam.

A relação entre os dois fluiu como água do rio que segue normal, no seu próprio ritmo, mas forte, profundo e cativante. Durante a semana se viam, conversavam sobre suas atividades, trabalhavam e sentiam saudades. Os finais de semana pertenciam somente a eles. Juntos, entrelaçados, compartilhando cada hora, cada minuto, num usufruir de felicidade, de companhia, de reciprocidade, de verdadeiro entrosamento. Porém, os dois queriam mais. O que tinham era pouco para o que queriam. 

Quando Fernando vinha para a cidade ao final do dia, passava a noite e na manhã seguinte voltava para a fazenda para trabalhar. Quando Heloisa ia para a fazenda, ficava mais tempo. Assim foi acontecendo, até que em um final de tarde, sentados diante de um por do sol fulgurante, ele se vira para ela e pergunta: “quer casar comigo?” Esperou a resposta que veio firme e sincera: “Quero”.  Ele insiste: “Tem certeza? Acredita que realmente podemos viver casados e felizes? Eu consegui curar sua desconfiança em relação ao casamento?” Heloisa séria responde: “sim, tenho absoluta certeza. Porque você curou a dor, a raiva e a desconfiança que eu sentia. Quero ser feliz. Quero ser feliz com você. Quero manter essa felicidade”.

Heloisa e Fernando casaram-se dois meses depois, com uma festa grandiosa, para todos os amigos, parceiros de trabalho, enfim todas as pessoas que conviviam com eles (e eram muitos). Foi um dia festivo e de alegria. De felicidade alcançada, depois dos dissabores que ficaram no passado.

Meses depois, uma surpresa para Helo (como Fernando a chamava carinhosamente). Grávida. Estava grávida! Foi o máximo da felicidade para ela e para Fernando. Nasce um menino, cópia do pai da cabecinha ao pezinho. Impressionante a semelhança. O Sr. Miguel (pai de Heloisa) não cabia em si de alegria e orgulho em ser avô. “adoro esse neto, que vou paparicar muito, mesmo sendo a cara do pai! E ria quando falava isso.

Esse orgulho todo aumentou quando, um pouco antes de Henrique (o bebê) completar um ano, Heloisa ficou grávida novamente. Dessa vez, uma menina que, ao nascer igualmente surpreendeu a todos como era parecida com a mãe. Todos brincavam que tinham ‘encomendado’ os genes dos filhos para saírem desse jeito.

Família linda e feliz, diziam na cidade. Era realmente. As dificuldades da vida dos dois tinham ficado para trás. Fernando havia passado por adversidades que também o deixaram descrente de encontrar a felicidade, ou ao menos paz na vida. A vida atual desmentia a descrença e comprovava a possibilidade de uma vida feliz. O amor que os unia, a compreensão e o entendimento que permeavam suas vidas permitiam que superassem os momentos de desentendimentos. O relacionamento amoroso e sexual de Fernando e Heloisa não arrefecia. Estavam compensando os anos em que não haviam se conhecido, a falta de amor sincero com que viveram anteriormente. 

No aniversário de três anos de Leticia (a filha) outro presente para Heloisa. Outra vez grávida. Quando fez os exames foi constatado: gêmeos. Na família de Fernando havia tia e primas que tinham tido filhos gêmeos. Os amigos riam e diziam: “Vocês não brincam em serviço!” Eles respondiam muito faceiros: “Nós não brincamos em nos amar!”

Ao ver as crianças crescendo, correndo pela casa, brincando na fazenda, xeretando no Armazém, querendo fazer cerâmica com ela, perturbando o avô, via a felicidade passar ante seus olhos como um filme.

Sentada, observando distraidamente o jardim colorido e esfuziante, sente a presença de Fernando atrás dela, que a abraça, carinhosamente como sempre: “ Em que está pensando, meu amor?”

-“Em você, no amor que me dedica, na felicidade que me proporcionou”

-“ Bem, eu penso em você todas as horas do dia. Você é o amor que a vida me deu”.

Permanecem abraçados, ouvindo ao longe a algazarra das crianças que, alvoroçadas, vinham correndo em direção a eles.

Por: Maria Teresa Freire - Jornalista, Escritora, Poeta, 
Presidente da AJEB – Coordenadoria do Paraná.



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