A MULHER E A AMAMENTAÇÃO NO PLANO DIVINO¹

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Por: José Francisco dos Santos²


Manifestação do Professor Doutor JOSÉ FRANCISCO DOS SANTOS, um dos expositores da Audiência Pública promovida pelo GRUPIA (1)

O modo como encaramos as coisas, o valor que lhes atribuímos e como nos relacionamos com elas estão diretamente ligados à nossa concepção de onde essas coisas vieram. Uma das filosofias mais toscas que existem é o materialismo. Para essa mentalidade, tudo o que compõe o universo é puramente material e derivado da matéria. Mesmo o que é mais complexo, como o pensamento e os sentimentos, no fundo não passam de formas mais sutis e refinadas do aparecer da própria matéria. Uma consequência desse tipo de pensamento é a banalidade conferida às coisas e a diminuição do que é valoroso e sublime ao nível do que é vil. Se a vida humana não passa de matéria, seu valor passa a ser material e regulado pela matéria. Será a utilidade prática, o prazer ou qualquer outra coisa circunstancial que balizará o modo como lidamos com ela. De filosofias materialistas nasceram as maiores atrocidades do século XX: o nazismo e o comunismo, irmãos siameses, que transformaram a vida humana em massa de manobra, mercadoria ou material descartável.

Mas além de ter consequências éticas desastrosas, o materialismo é também bem pouco inteligente.

Ora, é fácil compreender que algo maior pode gerar algo menor, mas não o contrário. Fica bastante complicado sustentar como a matéria, que é inerte por natureza, pode gerar vida, inteligência ou amor. É muito mais razoável pensar que na origem de tudo está um ser que é vida, inteligência e amor no mais alto grau, e que pode conferir os diferentes graus de seus atributos a todos os outros seres, até mesmo àqueles que são puramente materiais.

Ora, a filosofia grega clássica, aquela que teve como baluartes Sócrates, Platão e Aristóteles, já tinha intuído, pela via puramente racional, que o princípio de todas as coisas era um ser infinito e sumamente bom.

Quando essas ideias se encontraram com a revelação vinda da Bíblia, os autores cristãos promoveram o casamento perfeito das duas tradições, complementando com os dados da revelação divina aquilo que a razão dos gregos apenas vislumbrara, ao mesmo tempo em que se aproveitava da ferramenta linguística e lógica dos gregos para sistematizar melhor os temas da fé.

Um dessas sistematizações parte de Platão, que ensinava que tudo o que é material é cópia de uma ideia perfeita, que possui uma existência independente num mundo inteligível. Para filósofos cristãos como Orígenes, Gregório de Nazianzo, Basílio Magno ou Agostinho, esse mundo inteligível no qual estão todas as ideias, é a mente divina. Tudo o que é criado existiu, primeiramente, como projeto, ideia, essência inteligível, na mente do Criador.

Isso não é apenas artigo de fé, mas uma conclusão racional. Os gregos, que eram pagãos, já tinham chegado, apenas com o uso da razão, à necessidade de um Deus único, que é a origem de tudo, pois se existe alguma coisa, ela não pode ter vindo de si mesma, nem do nada, mas apenas de um ser que tivesse a capacidade de originar todas as coisas.

Ora, percebemos que cada coisa, mesmo a mais minúscula, como um átomo ou uma bactéria, não é apenas um amontoado de matéria, mas possui uma ordem, uma inteligência, uma finalidade.

Com mais razão, os organismos vivos, o modo de organização social de uma colmeia ou de um formigueiro, o aparelho digestivo de um antílope ou o cérebro humano.

Cada coisa revela uma ordem, uma perfeição e um bem que não podem ter vindo da matéria, pois esta não pode criar a si mesma e muito menos dar origem a qualquer coisa mais perfeita que ela. É necessário concluir que cada coisa que existe é a realização de um projeto do Criador.

Com mais razão atribuímos essa autoria no que se refere ao ser humano, especialmente no ato de gerar e cuidar da vida. Aqui, a participação criadora do homem e da mulher no ato primordial criador de Deus é evidente.

No amor humano, Deus se revela numa dimensão muito maior que em qualquer fato da criação. A união do homem e da mulher, numa relação de compromisso recíproco, num amor genuíno de um que implica o espírito de sacrifício de si para o bem do outro - a geração dos filhos e o cuidado para com estes é a manifestação mais completa da presença de Deus no mundo criado.

A família humana, portanto, é parte fundamental do projeto divino. Daí que qualquer tentativa de deturpação dessa relação genuína significa adulterar o projeto original. A família não pode começar em qualquer de repente. Sempre que isso acontece, o projeto começa em linhas contrárias ao que foi determinado pelo arquiteto, e haja reboco para tentar colocar tudo no prumo depois!

De igual modo, visto por uma lente mais aproximada, o masculino e o feminino têm, cada um, seu papel fundamental a ser desenvolvido nesse processo. A não compreensão desses papéis, ou a tentativa de deturpá-los ou confundi-los atenta contra o plano original e só pode resultar em desastre.

A mulher tem, no plano divino, uma função e um significado absolutamente insubstituíveis. Não só a sua anatomia é complementar à do homem, mas também sua psique, suas disposições naturais.

Temos vivido uma intensa campanha de confusão desses papéis, como se o ato de ser mulher fosse um tipo de opressão biológica, o que dizem, claramente, algumas correntes do feminismo. Daí que a maternidade é algo a que a mulher deva renunciar, como uma sobrecarga que deve ser jogada fora em nome da igualdade.

Ora, homens e mulheres são iguais em dignidade, mas seus papéis no mundo não podem ser confundidos. Embora possam desempenhar inúmeras funções em comum, isso será sempre naquilo que é secundário, como o trabalho, a arte, os esportes ou coisas do gênero. No que é essencial, esses papéis sempre serão específicos e complementares.

A maternidade, muito longe de significar depreciação ou carga, é uma imensa honra dada à mulher, pois só ela pode gerar em seu ventre, gestar, dar à luz e amamentar o filho. Essa participação direta na criação divina é um enorme privilégio. Se é também um sacrifício não é de se admirar, pois o privilégio e o sacrifício estão sempre de mãos dadas. 

Se olharmos animais inferiores, como os répteis, por exemplo, vemos que seus filhotes desovam e buscam cada um seu devido destino, sem nunca tomarem conhecimento de quem são seus genitores.

Mas quanto mais se sobe na escala evolutiva, ou seja, quanto mais complexo e partícipe da perfeição divina é o animal, mais sua geração exige cuidado e educação dos pais, como se percebe nas aves e mamíferos.

No ser humano, mais que em qualquer espécie animal, esse cuidado é imprescindível e dura muito mais tempo, exigindo mais daqueles que têm a ônus e o privilégio de cuidar.

A amamentação é um requinte desse carinho divino para com a criação, participado pela mulher mãe. Assim como Deus dá de si o ser para a nossa existência e nos sustenta com cuidado e amor, provendo, através da natureza, os elementos necessários à nossa sobrevivência e desenvolvimento, a mulher pode também não apenas gerar em si a criança, mas gerar em si e de si o alimento que a sustentará nos preciosos primeiros meses de vida.

Mais que qualquer tipo de reflexão filosófica, isso se abre muito mais a uma contemplação estética e quase mística, dificilmente traduzível em palavras.

Tal contemplação deve gerar em nós um profundo respeito e veneração pelo valor da vida e pelo imenso dom que é poder participar de sua geração, manutenção e desenvolvimento.

Num mundo em que o prazer egoísta, nascido de um materialismo tosco, impede tantas famílias que manifestarem a imagem e semelhança de Deus que lhes cabe manifestar, que possamos compreender que gerar, amamentar, educar e manter a vida exige de nós sacrifício, mas que esse sacrifício é a manifestação mais elevada do Amor que nos criou e nos sustenta.

Meus cumprimentos e mais profundo respeito a quem se dedica, com tanto empenho e sacrifício, a auxiliar as mulheres nessa divina tarefa. Só pode mesmo ser serviço de Anjos.

1 Alocução apresentada na Assembleia do GRUPIA – Grupo de Proteção à Infância e à Adolescência de Brusque/SC, em 11/11/2021, em que se homenageou o Instituo Catarinense Anjos do Peito – ICAP, fundado em Brusque pela enfermeiraAngelina Tarter e que se dedica a auxiliar as mães com dificuldades no processo de amamentação.2José Francisco Dos Santos – Prof. Zezinho, consultor do GRUPIA. Graduado em Filosofia pela UNIFEBE, Especialista em Fundamentos da Educação pela FURB, Mestre e Doutor em Filosofia pela PUC/SP, é professor do Centro Universitário de Brusque – UNIFEBE, Faculdade São Luiz e Faculdade Sinergia.

PERFIL

José Francisco dos Santos.


José Francisco dos Santos possui graduação em Filosofia pela Fundação Educacional de Brusque (1991), especialização em Fundamentos da Educação pela Universidade Regional de Blumenau, 1997, mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2001) e doutorado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2006). Atualmente é professor da Faculdade São Luiz - FSL, Faculdade Sinergia e Centro Universitário de Brusque - UNIFEBE. Tem experiência nas áreas de Filosofia e Educação, com ênfase em Filosofia e Sociologia, atuando principalmente nos seguintes temas: educação, ética, ciência política, filosofia jurídica, hermenêutica, sociologia geral, sociologia da educação, sociologia jurídica. É autor dos livros: “Realismo e Falibilismo - um contraponto entre Peirce e Popper”, pela Editora CRV, de Curitiba/PR e “Para Refletir - artigos para reflexão e discussão em filosofia, ética e temas transversais”, pela Paco Editorial, de Jundiaí/SP, além de capítulos de livros e vários artigos científicos nas áreas de Filosofia e Educação.

 


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