VINGANÇA DÁ RESULTADO?

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 Maria Teresa Freire.


Acordei com um tremendo barulho na casa. Sons de passos fortes para lá e para cá. Pareciam várias pessoas circulando. O que estaria acontecendo? Levantei, vesti o roupão e saí do quarto para ver o que se passava. Constatei o ir e vir de homens vestidos de preto. Ternos pretos. Pelo estilo, deviam ser oficiais de algum órgão governamental. Etiquetam móveis e objetos. Todos. Aproximei-me e questionei o que estava acontecendo. Penhora? Nossos bens estavam sendo penhorados. Por conta de dívidas de jogo praticados por meu pai. Não era uma penhora judicial. Uma penhora muito mais perigosa. Dos homens a quem meu pai devia e que não perdoam dívidas de jogo, não facilitam pagamento, nem aceitam nada em troca. Uma situação em que o endividado paga com dinheiro sonante (em cash) ou com a vida.

Encontrei meu pai no escritório, sentado, de cabeça enterrada entre as mãos. A imagem do desespero. Minha mãe em pé, em frente a janela, chorava copiosamente. Minhas irmãs mais novas, em um canto, abraçadas e apavoradas.  Eu perguntei o que estava acontecendo. “seu pai vai explicar” minha mãe respondeu. Com olhar desesperado ele falou: “filho, endividei-me com jogo; estão cobrando a dívida, pois não tenho mais dinheiro”. Olhei horrorizado e disse: “você nem pensou na sua família? Na sua mulher e filhas que ficariam desamparadas? Você é um chefe de família odioso que joga descontroladamente”. 

Voltei ao meu quarto para me vestir e pensar em como enfrentar a situação. Eu tinha meu trabalho e, por querer ser independente, um apartamento espaçoso que havia comprado para viver futuramente sozinho e, talvez, ao me casar. Meu pai perdera as três propriedades, grandes e valiosas, assim como as aplicações financeiras. A empresa dele não aguentaria sem dinheiro para investimentos necessários, renovação de estoque e aumento salarial dos funcionários. Por isso, havia sempre um bom saldo reserva especificamente para a empresa, que desapareceu no jogo. Falência! 

A nossa revolta foi tão forte que meu pai não aguentou: teve um enfarto fulminante. Minha mãe ficou em frangalhos. Todos estávamos arrasados e desarvorados. Nem sabíamos como agir. Um grande amigo meu fez-me refletir. Na realidade, meu melhor amigo. Sempre presente em todos os momentos da minha vida. Eu deveria enterrar meu pai, levar minha mãe e irmãs para meu apartamento e seguir em frente. 

Com o passar dos dias, a situação foi se acalmando, retornei à lucidez necessária, ao meu trabalho e comecei a pensar em atividades remuneradas para minhas irmãs. Elas eram bem preparadas e poderiam trabalhar em bons empregos. Fiz contatos com amigos empresários e consegui boas vagas de trabalho para elas. Assim, não passaríamos necessidade.

Então, foi o tempo de planejar minha vingança contra aqueles que levaram meu pai à ruína e à morte, explorando e se aproveitando da maior fraqueza dele. Eram homens de negócios ilícitos. Eu não entraria nessa. Ao pesquisar sobre a família deles, descobri sobre o ‘chefão’. Tinha duas filhas e três filhos. Descobri onde as moças estudavam e comecei a observá-las. Elas eram bonitas. A que parecia mais velha era uma beleza. Meu plano era conquistá-la, namorá-la, arrastá-la para um casamento e deixá-la na igreja a esperar por mim que nunca chegaria. Humilhação pública. A família era de origem italiana, bem católica e o círculo social deles era bem conservador, sobretudo com referência a vida amorosa, noivado e casamento. Pasmem, mas ainda existem famílias que acreditam nisso tudo. O respeito e o amor familiar. 

O meu objetivo era imputar sofrimento ao pai, pois pude constatar que era zeloso e amoroso com as filhas, apesar de destruir outras vidas de homens fracos com jogatina. Empenhei-me em conhecer seus amigos e consegui participar do grupo de amizades das moças. Não foi difícil, pois eu estudara na mesma universidade e tinha muitos conhecidos lá. Iniciei minha companha sedutora com Elisa, a mais velha e mais bonita. Uma moça simples, simpática, alegre e muito querida por todos. Não senti nenhum arrependimento em relação à moça, ao lembrar do meu pai morto, um homem inofensivo, empreendedor, que se deixou levar pela debilidade em relação ao jogo de cartas. Não soube controlar o desejo de recuperar o que havia perdido e se afundava mais ainda nas perdas. 

Fui extremamente galanteador, conquistador e sedutor com Elisa. Consegui que ela se apaixonasse por mim. Minha boa aparência e físico (pouca modéstia, hem?) também ajudaram. Eu tive que cuidar muito para não me apaixonar por ela. Frequentava sua casa. A mãe me adorava. Gentil e atencioso como eu, ninguém mais. Noivamos. Minha mãe e irmãs não tinham nem ideia quem era aquela família. Alguns meses depois, realizar-se-ia o casamento. Uma super cerimônia religiosa, seguida de uma estupenda recepção. Tudo acertado. O dia chegou. Dia fatídico. De longe observei a entrada dos convidados na igreja. Mandei avisar que entraria pela lateral, depois faria a entrada pomposa com minha mãe. Apareci, olhe pela sacristia a igreja lotada. Consegui sair, dizendo que buscaria algo especial no carro para a noiva. E não voltei.

A noiva chegou, eu não estava no altar, esperando-a. Ela estava deslumbrante, pois continuei a observar de longe. Uma pena ter que sacrificá-la daquela maneira, por causa do pai. Todavia, assim seria. Vi quando ela foi embora, pela lateral da igreja, bastante pesarosa, chorando inclusive. Minha família estava presente. Foi abordada, mas estava tão atônita como todos.      

Eu sofreria as consequências. Havia tirado folga do trabalho para o casamento e a lua de mel. Então desapareci. Entretanto, tive que voltar dias depois por causa do trabalho. Fiquei na casa de outro amigo para evitar retaliações à minha mãe e irmãs. Claro, encontraram-me. Levaram-me à presença de Elisa, muito abatida. O pai queria me matar (acho que era meio mafioso). Elisa disse: “eu serei uma noiva viúva? Prefiro que o obrigue a se casar comigo para melhorar minha reputação de noiva abandonada e depois me divórcio. Quero que ele sofra por essa atitude!” Eu gritei: “foi seu pai que matou o meu. Ele tem clubes clandestinos de jogos ilícitos e explora a fraqueza daqueles que preferem jogos de cartas, como meu pai”.

Elisa olhou incrédula para seu pai e perguntou: “você trabalha com jogos ilegais? Proibidos?  Sua fortuna vem disso? Explorar a debilidade dos outros? Não o reconheço, pai!”. Ela saiu do recinto intempestivamente e me puxou. Ao chegar ao jardim disse-me: “você vai se casar comigo, explicar a todos que teve algum problema grave. Invente algo bem plausível. Após alguns meses nos divorciaremos. Não quero nada seu e você não terá nada meu. Assinaremos um acordo pré-nupcial nestes termos. Espalhe a notícia do nosso casamento daqui a um mês. Sem igreja lotada, sem festa. Somente sua família e a minha. Trate de organizar tudo como eu estou falando. Ah! Vamos para a fazenda de uma amiga em lua de mel. Ninguém precisa saber. Para todos os efeitos iremos para Cancun, como seria. Repito: faça tudo como estou dizendo, senão que manda ‘acabar’ com você sou eu!” Portanto, assim eu fiz.

Fomos morar em uma casa enorme que o pai havia dado a ela. Na realidade, ela exigiu para não denunciar o pai. Com despesas básicas pagas. A doce Elisa transformou-se completamente. Dava festas regadas a boas e fartas bebidas. Eu nem era avisado. A vingança estava sendo dela. Contudo, ela era tão bonita, charmosa e naturalmente sensual que ficou difícil viver com ela, sem ter nenhum relacionamento. Como dois estranhos. Até que uma noite, ela estava triste, melancólica, solitária e chorosa. Aproveitei e ofereci meu amparo e carinho. Ela se rendeu e o carinho aumentou até fundir-se num sexo desejoso e ansioso. E muito bom. Como sempre havia sido. Eu me apaixonara por ela, desde o início, mesmo negando. 

No dia seguinte ela quis me evitar. Eu a confrontei com calma: “vamos tentar viver como casados, antes de pedir o divórcio? Ao menos tentar?” Eu pedi a ela. Como Elisa aceitou, ainda que titubeante, eu passei a namorá-la com afinco. Um marido apaixonado. Como resultado, ela engravidou e meses depois nasceram gêmeos, dois meninos. Havia esses casos na família grande dela. 

Ah! Mas eu queria a minha garotinha, então continuamos tentando ardorosamente. Na realidade, a vingança deu resultado. Muito bom resultado. Uma vida amorosa a dois. Bem, a dois não. A seis, pois nas ‘tentativas’ (sexuais, deliciosas!) vieram duas meninas, uma de cada vez. Assim, estamos até hoje: apaixonados!

Por: Maria Teresa Freire - Jornalista, Escritora, Poeta, 
Presidente da AJEB – Coordenadoria do Paraná.



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