ACACIO, SERIGRAFISTA POPULAR

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Drª Virginia Pignot .


As voltas que o mundo dá.

Apesar do cansaço depois de um dia de trabalho, não resisti ao convite enviado por uma amiga pelas redes sociais, e não me arrependi. Um evento em Toulouse, com documentários sobre o trabalho social na Livroteca Brincante do Pina no Recife, sobre saberes, vivências e realidades da população local. Houve também música nordestina ao vivo, leilão com fotos no Nordeste de artista reconhecida internacionalmente, e do serigrafista presente ao evento. Além da venda de camisetas fabricadas no atelier de serigrafia popular da Livroteca , com os dizeres : Pina City, Salve a Favela, Moleque Sonhador... escolhidos pelos integrantes do Coletivo NARKL, criado pelos meninos da favela. Encontrei Acácio, e sua amiga francesa e companheira de luta Lina. Se trata da importância do trabalho social que tira crianças e adolescentes “da rua”, da denúncia do ataque aos mangues que afeta o equilíbrio climático e ecológico da nossa região, assim como afeta o meio de sobrevivência de parte da população ribeirinha.

Desconhecimento que isola e exclui

Adoro sururu com farinha e limão, mas jamais imaginei o trabalho que dá para “catar”. Você pega um barquinho, vai até onde se encontram “tapetes” de sururu colados à terra, à lama, mergulha, corta um pedaço, pisa com força em cima (corta o pé), para ir soltando, tirar as algas, depois leva para as pessoas que têm que catar com as mãos, colocar para cozinhar, e depois tirar cada um da sua carapaça protetora. 

A riqueza dos saberes da comunidade do Pina, originalmente de pescadores, merece ser conhecida. Talvez um dos entraves ao desenvolvimento do nosso país seja a falta de consideração ou o desconhecimento por parte dos “decididores”, do saber acadêmico sobre nossas riquezas, e do cuidado necessário ao lidar com elas para preservá-las, assim como o desprezo ou desperdício de potencialidades carências e competências de boa parte da população brasileira. 

Desenvolvimento com sustentabilidade

Construções como a Via Mangue e o Shopping Rio Mar, as torres gêmeas, semeando concreto em pleno mangue, estão dificultando o acesso dos pescadores aos produtos que os faziam viver, os obrigando a fazer desvios que custam caro em combustível, e que inviabilizam o interesse econômico da atividade. Estas construções trouxeram conforto e lazer a habitantes privilegiados da zona Sul, mas trouxeram dor, expulsões para parte da população local, e piora de condições de vida para os que ficaram. A questão do acompanhamento do desenvolvimento econômico com sustentabilidade para populações mais pobres fica de lado. Por exemplo, pessoas foram expulsas apesar de morarem e pagarem contas, mas como não têm recursos para pagar o título de propriedade, ficam desprotegidos. Anos atrás, com D. Helder Câmara, este trabalho foi feito.Agora, se a igreja se afastou do trabalho social pelos direitos do pobre, não seria ao serviço social das prefeituras de substitui-lo? Uma exclusão injusta pela baixa renda, ainda mais revoltante quando sabemos dos privilégios fiscais, ou juros exorbitantes pagos aos ricos, com dinheiro público. A velha imprensa burguesa tende a calar as consequências nefastas para parte da população de projetos que priorizam interesses econômicos. 

Acacio e Lina, a força que faz voar projetos e sonhos

Acacio foi um jovem esportivo de talento no skate, no basquete destinado a uma carreira profissional. Quando traumatismos o impediram de continuar, aprendeu serigrafia.

Depois de trabalhar como executiva em grandes empresas em Paris, em S. Paulo, Lina deu uma virada na sua vida durante pausa na sua carreira, se apaixonando pelo trabalho benévolo na Livroteca do Pina. Foi ela que convidou Acácio a vir apresentar e ensinar seu projeto de serigrafia popular na periferia de grandes cidades francesas. Ele constata diferenças e semelhanças entre as populações periféricas francesa e brasileira. “Eles aqui têm um teto, e têm o que comer, o que há em comum é o sofrimento da marginalização e o risco de perder sua moradia para a especulação.”Chega dinheiro para projeto para a favela, mas quem pega o edital são pessoas que tiveram acesso à educação, ao computador. O elevador social bloqueia.

Por: Drª Virginia Pignot - Cronista e Psiquiatra.
É Pedopsiquiatra em Toulouse, França.
Se apaixonou por política e pelo jornalismo nos últimos anos. 
Natural de Surubim-PE.
Correspondente da França.


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