ENTREVISTA COM ANA LUIZA ALMEIDA FERRO

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Ana Luiza Almeida Ferro (Foto de Clayton Monteles).


Minicurrículo: Promotora de Justiça, escritora premiada, historiógrafa, poeta e conferencista. Membro da Academia Brasileira de Filosofia e da Academia Maranhense de Letras, autora de 20 livros.

1- Qual a função social das Academias de Letras e dos Institutos Geográficos? 

Essas instituições são como o deus bifronte Janus: têm um olhar para o passado, para a contínua evocação das tradições culturais, da literatura e da história de uma sociedade, para o resgate de escritores emblemáticos já esquecidos ou jamais devidamente reconhecidos; e um olhar para o futuro, para o desenvolvimento da cultura, o fomento à produção literária, a edificação de uma história cada vez mais rica e diversa. Nesse duplo olhar, as Academias de Letras e os Institutos Históricos e Geográficos nos lembram continuamente quem ou o que nós fomos, quem ou o que nós somos e quem ou o que nós podemos ser. São baluartes da memória, da cultura e da história, cultivando, difundindo e fomentando o conhecimento, de forma a manter sempre acesa a chama do que une uma sociedade, do que lhe dá identidade.

2- Qual o espaço da mulher na literatura maranhense no cenário brasileiro?

Temos grandes escritoras na literatura maranhense, algumas de envergadura nacional, outras com potencialidade para tal reconhecimento. Em geral, são nacionalmente pouco divulgadas e conhecidas, hoje talvez com uma exceção, Maria Firmina dos Reis, cada vez mais reconhecida como a primeira romancista brasileira. Lucy Teixeira é outro caso à parte: participou, em Minas, de um grupo que reunia Otto Lara Resende e Fernando Sabino, conquistou vários prêmios em concursos literários de alcance nacional, mas andava esquecida. Foi cronista, contista, poeta, jornalista, crítica, teatróloga, poliglota, até pintora aplaudida pela crítica por exposição em Mônaco. Ceres Costa Fernandes, ela própria uma excelente cronista, recentemente resgatou a vida e obra dessa escritora excepcional, com o livro O essencial de Lucy Teixeira. Respeitada por gente como Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira, Lucy foi “um dos nomes mais importantes da literatura brasileira”, segundo Arlete Nogueira da Cruz, outra grande escritora maranhense, romancista e poeta, inclusive premiada pela Academia Brasileira de Letras. Atualmente, no cenário brasileiro, o Maranhão tem grandes nomes femininos, em qualquer seara literária, poetas como Laura Amélia, Sonia Almeida e Aurora Almeida, contistas, cronistas, ensaístas, teatrólogas, o que falta é mais divulgação, mais penetração no mercado editorial nacional.

3- Qual a relação direito e literatura? 

O Direito é uma rica fonte de inspiração de temas para a literatura. Tenho alguns poemas que bebem dessa fonte. E a literatura é um valioso laboratório de concretização das possibilidades do Direito no cotidiano humano, além de um espaço de redimensionamento da ciência jurídica pela arte das palavras. Ademais, o que é justo é belo... Muitos textos literários logram captar a beleza da justiça...

4- 2023 foi o Bicentenário de Gonçalves Dias, você fez diversas palestras pelo Brasil. O que observou nos diferentes lugares a respeito do conhecimento do escritor e poeta maranhense? 

Gonçalves Dias continua a ser reverenciado pela crítica, pelos acadêmicos, pesquisadores e professores como você, e pelos poetas, em particular, como observou Josué Montello, na condição de gigante das letras pátrias e um dos fundadores da literatura nacional. Salvo honrosas exceções, a mídia brasileira, entretanto, embora não chegue a deixá-lo no esquecimento, não lhe dá o merecido destaque como personalidade nacional e internacional e não lhe dedica a merecida reverência pelo seu oceânico papel na edificação da literatura brasileira. O público o conhece mais de forma indireta, mais pela obra do que pelo nome. A “Canção do exílio” permanece na memória das gerações mais antigas e continua a seduzir as mais jovens, por ser o poema mais conhecido da literatura brasileira, e Y-Juca-Pirama ainda é imbatível como poema indianista icônico, sempre lembrado pela frase: “Meninos, eu vi!”. Todavia, Gonçalves Dias, para o público em geral, é um gigante de pedra, parece mais distante do que, por exemplo, Carlos Drummond de Andrade ou Castro Alves. Está no Hino Nacional, mas passa despercebido pela maioria. Por outro lado, Gonçalves Dias continua a ser redescoberto, o que é prova de sua vitalidade, conforme evidencia o resgate do conto “Meditação” como o “primeiro grito abolicionista da poesia brasileira”, na expressão de Manuel Bandeira... E ele permanece despertando o interesse do universo acadêmico, como prova o Concurso Literário José Bonifácio de Andrada e Silva 2023, de ensaios, da Academia Luso-Brasileira de Letras, com o tema “Gonçalves Dias, um poeta multifacetado”, de que tive a honra de ser vencedora.

5- Como vê o Brasil leitor? 

O resultado do PISA apresentou só 2 % dos brasileiros sabem ler e interpretar um texto devidamente. Certamente é um resultado deplorável, mas que não surpreende, infelizmente, pois reflete uma perversa tradição de insuficiente cultivo do bom e velho hábito da leitura na população e serve de indicador das imensas vulnerabilidades do nosso sistema educacional. E as livrarias vão rareando nas cidades... Como bem dizia Monteiro Lobato, um “país se faz com homens e livros”, e eu acrescentaria também com mulheres e livros, e certamente este é um dos motivos de o Brasil não conseguir alçar voo duradouro entre as nações com maior desenvolvimento social e tecnológico. Além de ler pouco, o brasileiro lê mal. A leitura deve ser continuamente incentivada, ao longo de todo o caminhar educacional, das primeiras letras ao mundo universitário, da infância à velhice, com a devida adequação da complexidade do texto ao nível do leitor.

Por: Renata Barcellos (BarcellArtes) - Professora, Poetisa, Escritora e Membro Correspondente do Instituto Geográfico de Maranhão, Apresentadora do programa Pauta Nossa da Mundial News RJ.


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