CARNAVAL, CULTURA POPULAR E DEMOCRACIA

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Drª Virginia Pignot.


Visitas, descobertas, constatações

Em visita recente à minha terra surubinense, tive o prazer de encontrar uma massagista de mãos de fada, Geise, cujo contato profissional é 996447716, que é também programadora cultural, pertencendo à família que desenvolve um trabalho trans geracional com mamulengos gigantes na região, intitulado “Os Severinos do Memorial”. Logo depois da visita surubinense, seguimos um roteiro turístico bem elaborado, apesar de parcial, do carnaval Pernambucano. Nestas idas e vindas observei uma democratização do acesso a lugares turísticos, de passeios, pousadas e hotéis, demonstrando a elevação da renda e a entrada na classe média de um número importante de pessoas. Tive também o coração apertado de verificar a existência de pessoas famintas, sem abrigo, ou trabalhadores precários. Neste artigo vamos abordar a riqueza das nossas manifestações culturais, a pujança do nosso carnaval, mas com a questão de fundo, como continuar progredindo nas vias do desenvolvimento econômico e de uma repartição mais justa da riqueza?

Os empreendedores do carnaval

Na semana pré estivemos em Olinda, no Hotel Sete Colinas. A acolhida da equipe é excelente, dos donos aos funcionários. Os trabalhadores do local se ativavam como formiguinhas, limpando bacias que abrigam peixes, cuidando da decoração, retirando folhas caídas do belo bosque. Na quinta, assistimos de tardezinha à abertura oficial do carnaval de Olinda, com desfile de 900 passistas de todo tamanho de diferentes escolas ou associações de frevo de Olinda, e um número considerável de músicos acompanhando cada grupo. Maravilhoso. Ainda não estava muito cheio, achamos um lugar em frente da prefeitura para apreciar e participar de perto da festa. Depois de um descanso, voltamos à noite para os shows de Lenine e de Alceu Valença. Observei outras “formiguinhas”, lutando para ganhar o seu pão, alguns usavam camiseta padronizada de “empreendedor do carnaval” e estavam com um trailer bem situado em frente ao palco, do outro lado da rua, outros colocavam uma fantasia improvisada, como um mulato barbudo que estava com um roupão rosa choque e tamancos vendendo churrasco e bebidas, e com uma carroça servindo de suporte para colocar sua reserva de comida e assador, mas observei que colocava luvas para cortar e colocar nos espetos o salsichão, respeitando regras de higiene.

O carnaval e a fome.

Na sexta, passamos de tardezinha na Ponte Duarte Coelho, onde estava o belo e imponente Galo, muito lindo este ano, que representa o maior bloco carnavalesco do mundo. Depois fomos passeando pelo Santa Isabel até o Recife antigo. Paramos para lanchar em um terraço de restaurante ao lado da Praça do Arsenal, onde vimos passar alguns blocos de maracatu, de frevo. As crianças brincaram com bombas, meu cabelo ficou azul. Foi ai que o prato de cuscuz com carne no molho servido numa forma de isopor ficou inteiro, pois a criança preferiu o hambúrguer da sua acompanhante, que foi encomendado de novo, e que oferecemos o prato com um copo de suco a um reciclador recolhedor de garrafas. O rapaz bastante magro ficou muito satisfeito, depois contou que ainda não tinha almoçado naquele dia. São trabalhadores precarizados, que não ganham o suficiente para se alimentar.

Valentes Caboclos de Lança, eventualmente cortadores de cana

Fomos para a Pousada Rota do Pilão, em uma região cercada pela Mata Atlântica em Araçoiaba, na Zona da Mata, para o encontro de Maracatus Rurais na segunda. Maracatus, Bumba meu Boi, Caboclinhos, os Valentes Caboclos de Lança… Uma explosão de cores, de música, de fogos de artifício, de tradições transmitidas de geração em geração. Criancinhas Caboclos de Lança acompanhando os pais. Minha filha que ficou no Recife foi para o Galo, Olinda e Recife Antigo, onde se deparou com alegria na segunda com o Bloco Folguedos de Surubim.

Que a alegria do povo que se veste de rei ou de rainha durante o carnaval dure

Tenho publicado no jornal gratuito por whatsapp O Poder artigos sobre política, economia, procurando entender o caminho que devemos percorrer para evoluir como Nação. Queremos ficar vendendo nossos ativos, nossos tesouros para o setor privado, cedendo privilégios para quem já tem muito, e cortar cada vez mais dos mais necessitados? Ou queremos que os privilegiados do andar de cima contribuam também para o progresso da economia e da Nação?  Se for o caso, a população deve cobrar dos seus deputados e senadores para que votem a favor da proposta do governo de fazer aqueles que ganham mais de 50 mil reais por mês pagar mais impostos, e de isentar aqueles que ganham até 5 mil reais por mês, já. Que os militares de alta patente que têm privilégios bem acima da população em geral, se aposentando muito cedo e deixando pensões elevadíssimas para filhas solteiras, aceitem de contribuir com o esforço de economia e melhor distribuição de renda. Que empresas bilionárias como a Globo, alguns empresários do agronegócio, aqueles que vivem de rendas, paguem impostos sobre os lucros financeiros, e percam o direito de receber subsídios. Os subsídios foram dados em princípio para que patrões criassem empregos no governo Dilma. Não só não criaram empregos, e ainda fizeram campanha para o impeachment vergonhoso sem crime de responsabilidade, que levou o país a uma crise da qual ainda estamos lutando para recuperar. Precisamos pressionar nossos representantes para que aqueles plantadores de cana que se transformam em valorosos Caboclos de Lança durante o carnaval, possam guardar o orgulho desta festa no resto do ano. Que possam criar seus filhos sem a angústia de não ter como alimentá-los ou educá-los. 

Por: DRª Virginia Pignot - Cronista e Psiquiatra.
É Pedopsiquiatra em Toulouse, França.



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