ENTREVISTAS COM RAY BRANDÃO

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Ray Brandão.


Escritora, poeta, professora de Língua Portuguesa, servidora pública de São Luís, graduada em Letras pelo UNICEUMA e pós graduada em Língua Portuguesa e Literatura, pela FAMA. É coautora em várias antologias da editora Antologias Brasil e é Presidente do Coletivo de Escritores Maranhenses.

1. Como e quando surgiu seu interesse pelas Letras? 

Ray Brandão: Desde a infância a leitura e a escrita estiveram presentes na minha vida. Uma paixão que se aprofundou na adolescência, quando mergulhei nos clássicos da literatura. O contato com grandes nomes como Vinícius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles nortearam minhas emoções e minhas percepções e logo também passaram a influenciar minha escrita. Seguindo um percurso comum às jovens da minha época, cursei o Magistério, pois a educação era vista como um campo natural para as mulheres que gostavam de estudar. Entretanto, quando surgiu a oportunidade de cursar o ensino superior, o encontro com as Letras foi inevitável. A literatura sempre foi minha verdadeira paixão e a graduação veio apenas formalizar o que eu já fazia de forma amadora desde os 14 anos: escrever, ler e me aprofundar no universo das palavras. Com o desenvolvimento de minha trajetória como leitora e depois como letróloga, naturalmente meus horizontes se ampliaram e despertei para novas formas de expressão e escrita, fora e dentro de mim. Autores como Pablo Neruda, Emily Dickinson, Hilda Hilst, João Cabral de Melo Neto e Cora Coralina, com escritas intensas, reflexivas e políticas, ajudaram a moldar o que entendo atualmente como meu estilo próprio. Hoje, meu trabalho como escritora é o reflexo de tudo isso: eu escrevo para contar histórias, para registrar emoções, para dialogar com aqueles que, assim como eu, encontram na palavra um refúgio, uma ponte e uma forma de existência. 

2. Como surgiu o CEM? Quais são as propostas deste projeto e seu diferencial em relação a outros? 

Ray Brandão: O Coletivo de Escritores Maranhenses (CEM) surgiu em 2022, quando um pequeno grupo de poetas, motivados pelo desejo de compartilhar suas obras e experiências literárias, decidiu criar um espaço de encontro e troca. A iniciativa partiu dos poetas e cordelistas Maria José e Rômulo Reis, conhecidos como “o casal poético”, que concretizaram um sonho compartilhado por muitos escritores maranhenses que, até então, encontravam-se dispersos, sem visibilidade e sem perspectivas claras para a divulgação de seus trabalhos. Com o crescimento do Coletivo, estruturamos melhor nossos objetivos e hoje temos uma missão clara: dar visibilidade e reconhecimento aos escritores maranhenses, promovendo suas obras e ampliando seu alcance. O diferencial do CEM está no fato de que não somos apenas um grupo de escritores, mas também de leitores, divulgadores e promotores da literatura e cultura maranhenses. Participamos ativamente de eventos literários, promovemos encontros e incentivamos a valorização da produção literária regional, sempre carregando os nomes e obras dos nossos escritores como estandarte. 

3. Qual o espaço da mulher no meio literário? 

Ray Brandão: Atualmente, vejo o espaço da mulher no meio literário como um território de experimentação e resistência. Nós já estamos lá, ocupando prêmios, editoras, antologias, festivais. Mas, ao mesmo tempo, ainda estamos ensaiando essa presença, ainda testando os limites da acessibilidade e da legitimação. Não se trata mais de uma exclusão explícita, mas também não é uma conquista plena. Esse espaço não nos é negado, mas também não é entregue. As escritoras ainda enfrentam desafios para serem lidas sem a necessidade de legitimação masculina, para serem comprovadas criticamente sem que sua literatura seja reduzida à categoria de “literatura feminina” – como se fosse um subgênero, uma experiência menor. Ainda há uma tendência a aceitar a escrita da mulher desde que ela se mantenha em certos territórios seguros: o íntimo, o emocional, o pessoal. Mas quando as mulheres ousam extrapolar esses limites, trazendo a política, a violência, o erotismo sem pudores ou qualquer outro tema que historicamente pertença ao domínio masculino, encontram mais resistência. Ao mesmo tempo, nunca houve tantas escritoras se colocando, experimentando, reivindicando novas formas de narrativa e expandindo as possibilidades do que se pode contar. No nosso coletivo (CEM) por exemplo, é 80% composto por escritoras, que estão ativamente trabalhando para consolidar o espaço da mulher, sobretudo a mulher preta, no panorama da poesia maranhense. Nosso principal projeto é o Sarau das Pretas, que ocorre anualmente e este ano acontecerá em novembro. Nossas autoras estão em plataformas culturais, estão palestrando, seis delas já receberam o prêmio Mulher Evidência na Tribuna, e assim, ao nosso modo, vamos conquistando esse, que é um espaço em movimento, onde a presença da mulher já é inegável, mas sua voz ainda precisa se afirmar constantemente para não ser diluída. 

4. Como vê a abordagem da violência contra a mulher nos textos literários? 

Ray Brandão:  A abordagem da violência contra a mulher nos textos literários ainda é tímida, um campo de desafios e contrastes. Muitas mulheres ainda encontram dificuldades em romper a tradição de abraçar o viés romantizado, tão amplamente relacionado ao nosso gênero, e utilizar a literatura como um espaço de denúncia e resistência. Poucas escritoras rasgaram o verbo para expor suas dores físicas e psicológicas, para expor sua indignação e denunciar abusos, e aquelas que o fazem, seguem sendo pouco divulgadas, abafadas ou consideradas incômodas. Por outro lado, a literatura também tem sido um espaço de empoderamento, oferecendo narrativas que não apenas expõem a violência, mas também mostram caminhos de superação, justiça e transformação. Escritoras contemporâneas têm usado a literatura como um espaço de denúncia, resistência e ressignificação da experiência feminina. Obras como “Quarto de Despejo”, de Carolina Maria de Jesus, expõem as múltiplas violências enfrentadas por mulheres negras e periféricas. Escritores como Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo e Djamila Ribeiro usaram a literatura para revelar violências invisibilizadas e trazer reflexões urgentes sobre a realidade feminina. Jarid Arraes resgata histórias femininas no cordel, enquanto Natália Borges Polesso discute opressões de gênero e violência simbólica. Mesmo que muitas narrativas ainda enfrentem resistência, a literatura se fortalece como um espaço de transformação. Quanto mais mulheres escrevem, mais o silêncio se rompe, e a palavra se torna um ato de resistência e mudança. 

5. E está o ensino das Literaturas? 

Ray Brandão: Apesar de estar presente em diversos aspectos da vida cotidiana e ser uma ferramenta poderosa para a construção do pensamento crítico, a Literatura ainda está quase que exclusivamente atrelada ao contexto escolar. O ensino da Literatura em sala de aula muitas vezes se mostra descontextualizado, engessado e pouco estimulante, de modo que o prazer da leitura encontra concorrência direta com outras formas de entretenimento mais dinâmicas, como redes sociais, jogos e plataformas de streaming. A literatura no Brasil ainda não é vista como algo prazeroso. O ensino da literatura no Brasil precisa se renovar e se tornar mais atrativo, para que os jovens possam enxergar os livros não como uma obrigação, mas como uma porta para novos mundos, questionamentos e possibilidades. 

6 Mensagem aos jovens escritores: 

Ray Brandão:  Escrever é um ato de coragem. É atravessar o próprio mundo e tentar traduzi-lo em palavras, sabendo que, muitas vezes, elas serão imperfeitas, insuficientes, cheias de dúvidas. Mas é também um ato de resistência, porque quem escreve insiste em contar, em registrar, em dar forma àquilo que poderia se perder no tempo. Se você quer ser escritor, leia muito, leia de tudo, mas, acima de tudo, escreva. Não espere a inspiração perfeita, porque ela raramente chega antes do trabalho. Escreva quando estiver feliz, mas também quando doer. Experimente, erre, reescreva, descubra sua própria voz. Seu estilo não precisa nascer pronto – ele se constrói com cada linha rabiscada, cada texto abandonado, cada frase que você não gostou, mas que levou a outra melhor. E não caminhe sozinho. A literatura se alimenta de troca, de encontros, de olhos atentos que enxergam o que você ainda não viu no seu próprio texto. Participe de grupos, compartilhe sua escrita, ouça críticas e aprenda a filtrar o que realmente pode te ajudar. E, acima de tudo, não desista. O mundo sempre tentou calar as grandes histórias antes que elas fossem contadas. Mas a literatura é feita por aqueles que persistem. Escreva, resista, transforme. O mundo precisa das suas palavras.

Por: Renata Barcellos (BarcellArtes) - Professora, Poetisa, Escritora e Membro Correspondente do Instituto Geográfico de Maranhão, Apresentadora do programa Pauta Nossa da Mundial News RJ.


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