O SEQUESTRO DE UMA ALMA

0 Comments

Sequestraram-me. A mim. Ao meu coração. À minha alma. E levaram junto meus sentimentos mais profundos. Afeto. Amor. Paixão.

Maria Teresa Freire.



Uma tarde agradável. Uma brisa suave. Um mar calmo, com ondas vagarosas. Ao caminhar chutava os pequenos pedregulhos que se alojavam bem na beirada do mar, na areia amarela. Um dia agradável, um convite ao passeio descompromissado, relaxado. Como já não era mais temporada, a praia estava vazia circundada por casas fechadas. Era o melhor período. Sossego total.  Uma ou outra pessoa também caminhando. Um ou outro homem pescando. Entretanto, uma casa chamou a atenção. Grande com uma garagem ampla para barcos, com uma pequena marina aberta, porém vazia. Parecia ter movimentação na casa, apesar das cortinas fechadas.  Luzes acesas. Por que isso se estava um sol lindo e a casa tinha janelões imensos? Muito estranho.

Continuei meu passeio. Com outras distrações. O dia passou e o episódio da casa caiu no esquecimento.

No dia seguinte, a caminhada rotineira. A mesma situação da casa. Reparei, estranhei, mas segui meu caminho. Entretanto, a curiosidade permanecia. Essa danada de curiosidade que, tantas vezes, nos coloca em situações complicadas.

No terceiro dia, como todo o cenário se repetia, resolvi chegar perto da casa e fui entrando. Tudo aberto.  A sala principal esta cheia de caixas de tamanhos variados. 

Algumas abertas vendo que havia mercadoria diferente. Um olhar mais atento, deu-me a impressão de ser contrabando, tamanha a quantidade. Comecei a remexer uma das caixas, quando alguém por trás me agarrou, e com o susto nem consegui ver a pessoa, pois imediatamente fui ‘apagada’ com clorofórmio, como mais tarde confirmei. Só deu tempo de passar, como um raio, pela minha cabeça que estava sendo sequestrada!

Acordei em uma cabine de um barco, com mãos e pés amarrados. Os homens próximos a mim falavam baixo, quase sussurrando e se moviam silenciosamente. Devem ter feito dessa forma ao entrar na casa, pois nem os percebi. Um deles saiu da cabine e gritou do lado de fora: “Capitão, a mulher acordou!”.

Fiquei bem quieta, aguardando o tal capitão. A porta se abriu e entrou um homem. Bonito, alto, muito espigado e jovem. Uma fisionomia séria, mas não assustadora. Cabelos e olhos castanhos. Todavia, os olhos eram bem escuros, brilhantes e perscrutadores. E me olhavam com muita atenção. Pareciam querer ler a minha mente e ver dentro de mim. Eu me encolhi e fiquei muda. Com medo? Não sei bem dizer. Não parecia uma situação ameaçadora, mas também não era agradável. Esperei que o tal capitão falasse. E falou! Uma voz sonora, ondulada, forte, mas não assustadora. 

Perguntou-me, autoritariamente: “Quem é você? Como se chama?” Informei meu nome (Laura) e a minha profissão (designer). Só.  Ele completou: “quero seu nome completo, informações familiares, endereço e local de trabalho”. Um pouco receosa questionei: “ E para que você quer minhas informações? Para pedir resgate? Eu não sou de família rica, portanto não haverá dinheiro para entregar. Vai me matar, sumir comigo, me oferecer no tráfico de mulheres? Ou seja lá o que de pior poderá fazer comigo!”  Indignado, ele respondeu: “Senhorita, não faremos nada disso! Não somos este tipo de homens! Preciso destas informações para verificar que tipo de pessoa você é. Ao confirmar sua identidade, poderá ser devolvida à sua família. Entretanto, como estamos em alto mar, poderei levar algum tempo para conferir todos os dados. Você estará em segurança e será bem tratada. Peço que tenha paciência”. Tendo dito essas palavras amenas, o que me surpreendeu, saiu da cabine, trancando a porta.

Este homem realmente mexeu comigo. Não só por ser bonito, mas o jeito dele, uma postura de confiança sem ser arrogância. Firme mas delicado. Enquanto fiquei no barco tratou-me com consideração e certa preocupação com o meu bem-estar. Ficava mais tempo comigo do que o esperado. E uma conversa mais íntima surgiu durante os poucos dias que fiquei em sua companhia. Havia uma atração natural entre nós dois que nos impulsionava para contar sobre nossas vidas. 

Todavia, as minhas informações chegaram e o barco zarpou em direção a um porto que fosse próximo à minha casa. O Capitão Miguel, como ele se apresentou, levou-me até em frente à minha casa e despediu-se dizendo: “realmente foi um grande prazer conhecê-la. Lamento muito que sigamos caminhos completamente diversos e que provavelmente seja a ultima vez que nos vejamos!” E com isso me deu um beijo que me deixou sem ar e sem saber como reagir, a não ser retribuir com todo o meu ardor. Foi-se embora e eu fiquei plantada na calçada, com cara de atordoada; o que realmente estava. 

Meses depois, estava na festa de uma amiga que comemorava sua promoção na carreira militar na Marinha do Brasil e quem entra?  O ‘marinheiro’ que havia sequestrado meu pensamento, meu sentimento, meu coração. Fiquei olhando fixo, sem reação!  Outra amiga com quem estava conversando chamou a minha atenção para a atitude estranha. Refiz-me e continuei a fingir que ouvia a conversa. Ele cumprimentou a anfitriã efusivamente e conclui que deveriam ser namorados. Também falou com os pais dela e algumas outras pessoas. Até que se aproximou de mim. E as minhas pernas bambearam. O homem estava ainda mais bonito todo elegante. Um casual muito chique!

Ouvi aquela voz profunda e sonora dizer: “como vai Laura?”  Eu me virei e fiquei meia gaga, mas consegui responder: “estou bem, e você?”  Ele replicou: “bem, mas gostaria de conversar com você; vamos até o jardim?” E para lá fomos. Então, finalmente explicou-me tudo. Ele é Capitão da Marinha e, à época, estava em missão especial para o Centro de Inteligência, investigando contrabando em grande escala em águas brasileiras. Agora que a situação havia sido resolvida poderia comentar comigo, mas antes estava impossibilitado.  

Entretanto, não havia me esquecido e gostaria de ter a oportunidade de me conhecer melhor, caso eu concordasse. (Quem, em sã consciência, diria não para um homem daqueles!). E passamos um bom tempo na festa juntos. As amigas, alvoroçadas queriam saber pormenores. Eu disse que depois contaria. E nunca contei. 

Encontramo-nos várias vezes. Até que confirmamos a forte conexão entre nós e a possibilidade de um relacionamento mais sério e comprometido. E fomos compartilhando nossas vidas, todos achando que havíamos nos conhecido naquela festa. Nem imaginariam em que circunstância havíamos nos encontrado. E nunca saberiam.

Nós sabíamos. Era o suficiente. Também sabíamos que havíamos sido sequestrados. De corpo e alma. De pensamento e sentimento. Por nós mesmos.  

Por: Maria Teresa Freire - Jornalista, Escritora, Poeta, 
Presidente da AJEB – Coordenadoria do Paraná.
Presidente da ALB - Paraná.



You may also like

Nenhum comentário: