HISTÓRIA DA INFÂNCIA NO BRASIL

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Arlinda Lamêgo.


A colonização do Brasil por Portugal trazia na tripulação homens, algumas mulheres e certa quantidade de crianças, adultas em corpos infantis².Poucas sobreviviam¹. Eram marcadas por abandono moral, violência sexual, escravização por navios piratas, entregues à prostituição ou exaustão² por trabalhos forçados. 

No final do século XVI, os missionários jesuítas da Companhia de Jesus enfrentaram desafios cultural e comunicação. Dedicaram-se à instrução e evangelização da infância indígena, crianças e adolescentes mestiços autóctones e filhos de portugueses. Os indígenas eram “tábua rasa” ou papel em branco, para alcançar o gentio. 

Foi o início do conceito de infância no Brasil por influências do Velho Mundo. Na Modernidade, o núcleo familiar dava afeto, proteção, cuidado, educação moral, pedagógica e social. Criança transformou-se em brinquedo ou animal de estimação. Ariès chamou isso de “paparicação”. A criança não mais se vestia como adulto. 

Elites agrárias, profissionais liberais e funcionários públicos formavam a sociedade. A educação dava prestígio para as classes médias e emergentes. As crianças da elite tinham educação como os europeus, com francês e inglês. No lar, recebiam princípios morais e instrução caberia à escola. A educação era diferente para menino e menina. Os meninos iam para a escola aos sete anos e terminavam a instrução, dentro ou fora do Brasil, com diploma de doutor. Às meninas, habilidades manuais.  Surgiu literatura pedagógica para crianças, adolescentes, pais e educadores. Educação seguia crenças, raças e classes sociais, indígenas, mestiços e origem econômica.

No Brasil colonial, filhos de escravos não tinham direito, vendiam-se e traficavam-se como mercadoria. Cresciam nos arredores da casa grande e depois trabalhavam em serviços domésticos, lavouras e minas, em condições precárias de vida em serviços pesados e violência. No século XIX, a ideia de infância não era difundida em famílias humildes.  No século XX, para Ariès, os problemas de crianças e adolescentes pobres no Brasil eram os mesmos do século XII. O pensamento europeu sobre a infância não evoluiu no Brasil. Ariès diz que a infância é destinada às camadas nobres da sociedade, “Ser criança não significa ter infância”.  

Em 1726, o sistema europeu de rodas nas Santas Casa de Misericórdia recebia recém-nascidos por famílias de cor branca na honra das filhas grávidas fora do casamento, anonimato, condenação moral, amores extramatrimoniais, pecaminosos ou proibidos, filhos de clérigos, adultérios, relações desiguais de solteiras ou viúvas, legitimidade da criança, honra da mulher, falta de recursos e controle de natalidade. Expressões como “exposto”, para os deixados na rua, e “enjeitado”, para “abandono civilizado” quando feito em hospitais ou residências. Até três anos era cuidada por ama de leite, até sete anos de idade ficava com uma ama-seca e depois entregue ao juiz dos órfãos.  O sistema vigorou até a década de 1950 um éculo e meio. No fim do século XIX já se pensava no desvalido: o menor abandonado e delinquente.

No século XVIII, Rousseau iniciou o “sentimento de infância”.  Tratou o paradigma da escola nova: “crianças devem ser crianças antes de serem adultas, com cuidados e não de modelagem”. Influenciou Maria Montessori, Alexander Neill e Jean Piaget. Estimulou o aleitamento materno para diminuir a mortalidade infantil. Para John Locke a criança era racional desde o nascimento, Rousseau defendia que era cultivada. 

No século XX, a infância foi abordada por muitos autores. O historiador Gilberto Freyre, em Casa Grande e Senzala, retratou a família patriarcal no Brasil colonial.  Mary Del Priore em “História das Crianças no Brasil” a estrutura familiar era religiosa, elitizada, hierárquica, sem afeto. Freud valoriza experiencias infantis no desenvolvimento psíquico. O psicólogo russo Lev Semionovitch Vygotsky defendia a importância social no desenvolvimento infantil. Phillipe Ariès em “História social da criança e da família” baseou-se em documentos e pinturas medievais. Outros autores: Ana Maria Mauad, Mariana Muaze, Manolo Florentino, Ilmar Mattos, Maria Luzia Marcilio, Renato Pinto Venâncio, Andréa Rodrigues, Sheila de Castro Faria, Irene Rizzini, Góes.

A emigração rural de ex-escravos aumentava a população urbana, um problema social para a ideologia modernizante. Os mais pobres eram empurrados para a periferia na reorganização do espaço público. O Rio de Janeiro, capital do Brasil, teve luta pelos direitos aos “desvalidos”. Resultou no primeiro Código de Menores, em 1927.

No governo Vargas, surgiram as primeiras políticas públicas de saúde, educação e direitos infantis. Por volta 1942, criaram-se casas de correção assistencialistas e filantrópicos para crianças e adolescentes infratores. No Governo Militar de 1964, foi abolido em 1970. Após a II Guerra Mundial, o capitalismo viveu “seus anos de ouro”. Em torno de 1973, ideias neoliberais ganharam força. A Constituição de 1988 reconheceu os direitos à infância e adolescentes. Em 1980, criou-se o Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA. Em 2000, o documentário de Liliana Sulzbach “A Invenção da Infância” compara o conceito de infância às grandes descobertas.  

As infotelecomunicações globalizavam a cultura com “imagens de felicidade”, persuasão e controle invisíveis em nova visão de mundo e falsa autonomia e liberdade de escolha. Avanços midiáticos adultizam a infância, impulsiona o consumismo pelas crianças que respondem com obesidade, erotização, consumo de tabaco e álcool, estresse familiar, agressividade e violência. Trocam o tempo de brincar, aprender e socializar por celulares, TV e I-pad. Urge apontar e analisar tais mudanças, do âmbito legal e de construção da infância nas primeiras décadas do século XXI.

Por: Arlinda Lamêgo - Recifense, Médica, Escritora e Poeta.


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