POVOS INDÍGENAS, RAÍZES DO BRASIL

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“Por que está demorando tanto tempo para acreditar que se ferimos a natureza, ferimos à nos mesmos?” Davi Kopenawa Yanomani


Virginia Pignot.

I Introdução


Vamos ouvir Ailton Krenac no seu livro “O Mundo Parou” (1)
“O vírus parece ter se cansado da gente, ele parece querer ‘nos desligar’ tirando o nosso oxigênio. A nossa mãe Terra nos dá de graça o oxigênio, nos põe para dormir, nos desperta de manhã com o sol, deixa os pássaros cantar, as correntezas e as brisas se moverem.
A Terra está pedindo silêncio à humanidade, como uma mãe amorosa pede ao filho para se calar, por querer lhe ensinar alguma coa. Esse pode ser um sentido do recolhimento.”
A interpretação original e poética de Ailton Krenac pode ajudar nossos corações e mentes a refletir sobre escolhas politicas e de modelos de sociedade. A questão da preservação do meio ambiente se põe, em um momento no qual a ganância capitalista de grandes empresas por lucro, a exploração desenfreada de recursos naturais, chega a pôr em risco a sobrevivência da vida no nosso planeta.
Sinais e alertas da nossa marcha para o abismo não faltam, desmatamento, extinção de espécies animais e vegetais, mudanças climáticas, destruição de eco sistemas e da biodiversidade, poluição dos rios, oceanos, do ar que respiramos. Com a extinção de animais portadores sãos de vírus, pessoas humanas são infectadas, e novas pandemias surgem.
Os Povos indígenas, responsáveis pelo seu modo de vida que respeita a natureza, pela preservação de nossas florestas e rios, flora e fauna, manifestam em Brasília na ocasião da votação do Marco Temporal pelo STF. Neste artigo, vamos tentar entender do que se trata, quem é contra e à favor do marco temporal, dando vozes a quem é contra, pois têm menos espaço na mídia dos empresários. Voltaremos um pouco sobre a história recente dos povos originários, e vamos tentar aprender com a sabedoria ancestral das civilizações que aqui vivem há mais de dois mil anos.

II Direitos reconhecidos, direitos massacrados.


“Vão deixar o povo indígena levar spray de pimenta, defender sozinho a floresta? Cadê o movimento ambiental?” Ailton Krenac
A Constituição de 1988 estabeleceu novos marcos para as relações entre o Estado, a sociedade brasileira e os povos indígenas, diz o professor de Direito Marcos Proença.(2) Enquanto o Estatuto do Índio de 1973 previa que as populações deviam ser “integradas” ao restante da população brasileira, o Constituinte de 1988 entende que a população indígena deve ser protegida e ter reconhecida sua cultura, seu modo de vida, de produção, da vida social e sua maneira de ver o mundo. A população indígena hoje tem o direito de buscar a integração, ou de se manter intacta em sua cultura, aldeada, se assim entender que é a melhor forma de preservação, explica Proença. 
Sem perder o direito de todo brasileiro, à saúde, educação, informação…, a Constituição de 88 estabeleceu o direito dos índios sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Os índios têm a posse da terra, que são bens da União. 
Diferença de visão sobre a noção de terra entre uma líder indígena e um senador ruralista:
-Para a líder indígena o território é a alma, o território é a vida. 
-Para o senador ruralista a terra é um bem que nós temos, aqui, hoje, para gerar riquezas.(3)
Fixou-se o prazo de cinco anos para que todas as terras indígenas no Brasil fossem demarcadas, mas o prazo não foi cumprido. Para a especialista em direitos indígenas formada pela Universidade de Brasília Daiara Tukano, a lesão mais grave aos direitos indígenas se refere, justamente, à demarcação de terras(2). A União não cumpriu o prazo de demarcação de terras, e os índios são expulsos ou massacrados pela violência genocida de mineradoras, do agronegócio, de madeireiros ou garimpeiros ilegais, às vezes com a cumplicidade da imprensa, da justiça, e do Estado.

III A sabedoria que utiliza a natureza para viver, sem destruí-la


“Nós índios somos como plantas. Como podemos viver sem o nosso solo, sem a nossa terra?” 
Marta Guarani.
Os povos indígenas têm um inigualável conhecimento por meio da observação e da experimentação da flora e da fauna, dos processos naturais e das praticas de manejo adaptadas às florestas tropicais, de grande interesse para a ciência e para a sociedade.(4)
Eles desempenham um papel crucial na conservação da biodiversidade.
Eles vivem das florestas, através de uma mistura de caça, coleta e pesca; colhem e cultivam plantas que utilizam como alimento e como medicamento, e também usam a vegetação para construir casas e fazer objetos do quotidiano. Muito antes da sociedade dita civilizada ter comercializado o uso do guaraná, por exemplo, por sua virtude estimulante, que combate o cansaço e melhora a capacidade de atenção e concentração, os indígenas já torravam e trituravam as sementes, misturavam o pó com a água, e bebiam o produto antes de ir para a caça; assim não sentem fome e têm energia suficiente para realizar a caça.
De acordo com estudos científicos, as terras indígenas são atualmente a mais importante barreira contra o desmatamento na Amazônia.
O Marco temporal é uma tese defendida por aqueles que querem se apropriar das terras indígenas.
A discussão opõe ruralistas e governo Bolsonaro, favoráveis ao marco temporal, e os povos originários que manifestam contra em Brasília, assim como o grupo “juristas pela democracia”, que afirma a Inconstitucionalidade do Marco Temporal.(5)
Além deste processo que corre no STF, um projeto de lei (490) quer transformar o marco temporal em lei. O projeto propõe o arrendamento de terras indígenas para garimpo, mineração e grandes empreendimentos, e transferir para parlamentares o poder de decisão para o processo de demarcação.(6)
“Esse projeto vai acabar com os nossos territórios, com os nossos rios, com a nossa mãe natureza, e de certa forma com a vida de vocês também”(7), diz a Deputada Federal Joênia Wapichana (Rede-RR). 
Ela é a única deputada oriunda dos povos indígenas no Congresso, em contraste com os 240 deputados da bancada ruralista. No Brasil, 97 mil produtores rurais detêm 21,5% das terras brasileiras, enquanto 572 mil indígenas ocupam 13% das terras. Com esses dados, podemos dizer, parafraseando Bolsonaro: 
“Há muita terra para pouco produtor rural do agronegócio no Brasil.”

IV Aprendendo com a alta filosofia dos nossos indígenas


“Enquanto aumenta a lista das espécies em extinção, os humanos proliferam destruindo rios, florestas e animais. Somos piores que a COVID-19.” Ailton Krenac
Segundo o jornalista Eduardo Ribeiro, Ailton Krenac se destacou como um dos mais relevantes pensadores brasileiros durante seu memorável discurso na Assembléia Constituinte de 1987. (8)
Ele explica que seu povo Krenac, (Kre é cabeça, Nac é terra), “Cabeça da Terra”, foi identificado pelos seus antepassados como uma humanidade que não pode se conceber sem essa profunda comunhão com a terra.(9)
Ele chama a nossa atenção: “Se durante um tempo eram os povos indígenas que estavam ameaçados de extinção, hoje estamos todos diante da iminência de a Terra não suportar mais nossa demanda. Assistimos a tragédia de gente morrendo em diferentes lugares do planeta, a ponto de corpos serem transportados para a incineração em caminhões na Itália.” (1) 

V A humanidade atacada/ A solução politica como defesa?
“A humanidade precisa saber que sem a natureza não há vida na Terra. E que a luta é de todos nos.”

Ailton Krenac

Ativista sócio ambiental e defensor dos direitos indigenas, Ailton Krenac dizia estar preocupado com os “homens brancos”. “Nos já estamos acostumados a viver sem nada, mas vocês, não”.
Ailton Krenac mora numa reserva do Vale do Rio Doce, tristemente rebatizado de Vale do Aço, ao lado do rio contaminado por dejetos químicos depois da ruptura das barragens da empresa de mineração privatizada pelo governo FHC.

Caminhos da catástrofe


Os donos do poder econômico nos inundam de propaganda e de fake news disfarçadas em informação, manipulam nossas escolhas e opiniões, enquanto escondem os seus malfeitos. Mas contam com a cumplicidade culpada de alguns poderes da República. O rompimento das barragens, e o golpe que atacou nossa democracia desde a reeleição de Dilma podem servir de exemplo desta manipulação: 
-Os engenheiros haviam alertado seus superiores para falhas no muro de contenção da barragem de resíduos químicos da mineradora Vale do Rio Doce, mas os acionários entre eles um fundo de investimentos do Bradesco, preferiram não custear as obras de securitização. 
-Golpe disfarçado em Operação de combate à corrupção
Donos de grandes empresas da midia, nos venderam a falsa operação de “combate à corrupção”, que acabou facilitando o impeachment de Dilma, a prisão de Lula, e a eleição de Bolsonaro. 
Neste contexto, o respeito aos direitos das populações indígenas e à proteção do meio ambiente, como em tantos outros setores, foram atacados. Como a democracia é o governo do povo, devemos banir da politica aqueles que são especialistas em trair os interesses do povo. Basta ir ver quem votou, por exemplo, a favor do auxílio emergencial de 600R, enquanto a bancada bolsonarista propunha 200R., ou quem aprovou a lei do teto dos gastos, que já retirou tanto do orçamento do SUS, mesmo em tempo de pandemia. (Referendum revocatório desta e de outras maldades golpistas no programa de quem elegeremos em 2022?)
Talvez possamos aprender com a lição dos povos originários o caminho. E voltar a fazer parte de uma humanidade que reconhece sua fragilidade, sua dependência à natureza, que respeita os direitos e o trabalho dos seus pares, assim como da nossa mãe natureza. E que escolhe representantes dignos!

 
Bibliografia

1 O Amanha Parou. Companhia das Letras. Ailton Krenac.
2 Povos Indígenas: conheça os direitos previstos na Constituição. Cristiane de Oliveira, Agência Brasil, 19-04-2017  Google, agenciabrasil.ebc.com.br
3 O que é o marco temporal sobre terras indígenas: entenda o que está em jogo no julgamento do STF. G1,27-08-2021 g1.globo.com/politica/noticias
4 Povos Indígenas do Brasil. Situação recente. Wipipedia pt.mwipipedia.org/wipi/pov...
5 Brasil, Terra Indígena! A Insconstitucionalidade do Marco Temporal. Grupo Prerrogativas, 28-08-2021
6 Acampamento Luta pela Vida é a maior mobilização indígena pós 88. Brasil de Fato, Rede TVT
7 Terras Indígenas são estratégicas contra mudanças climáticas, defende a deputada Joenia Wapichana, por Ana Carolina Peliz, 02-09-2021 Carta Maior www.cartamaior.br2
8 “Envenenam a Terra por não acreditar que ela é um organismo vital”, por Eduardo Ribeiro, 20-07-2021 elastica.abril.com.br
9 Idéias para enfrentar o fim do mundo. Ailton Krenac, Edit. Companhia das Letras

Por: Virginia Pignot - Cronista e Psiquiatra.
É Pedopsiquiatra em Toulouse, França.
Se apaixonou por política e pelo jornalismo nos últimos anos. 
Natural de Surubim-PE


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