VINHO COM OUTRO SABOR

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Maria Teresa Freire. 


A festa do casamento estava sendo preparada nos mínimos detalhes. Dessa vez a festa era minha. O casamento era meu. Eu acompanhava a organização que minha mãe decidiu liderar. Mas ela sabia preparar uma festa requintada. E Alexander estava animado e aprovando tudo que ela propunha. Dessa vez ele se casava apaixonado, com o entusiasmo de um garoto de 20 anos, como ele mesmo costumava dizer. A cerimônia civil e a religiosa seriam na Fazenda. O salão de festas do Hotel Fazenda era propício para a ocasião. Todo decorado com flores brancas (PESQUISAR QUAIS) estava pronto para receber os 300 convidados no total, da minha parte e dele. Os convidados meus que vieram do Rio de Janeiro ficaram hospedados no Hotel as expensas do proprietário, ou seja, do Alexander. Durante uma semana o Hotel foi reservado para os festejos do casamento. Os outros espaços em que haveria a festa estavam decorados como tendas árabes. Afinal, foi numa festa assim que nos conhecemos. 

Realmente, eu estava me sentindo uma princesa, com um vestido de renda, com um decote que deixava os ombros a mostra, uma saia ampla, bordada com pequeninos cristais (o vestido azul da festa em que eu conheci Alexander foi inspirador). Ao me movimentar, o vestido brilhava com nuances diferentes. Quando eu apontei na entrada do salão, de braço dado com meu pai, Alexander me fitou com olhos abertos extasiados, aquele olhar intenso que lhe era peculiar, como se estivesse vendo a princesa das Arábias. Bem, eu até que estava me sentindo assim. A cerimônia foi linda e emocionante. A festa animadíssima, com uma banda excelente. Buffet perfeitamente saboroso, vinhos à vontade (o que não poderia deixar de ser). Como eu soube dos comentários, posteriormente, foi um casamento inesquecível. 

Nossa lua de mel foi na França. A Vinícola de Alexander (Alexander Faultier) participava de um Concurso de Vinhos em Bordeaux e ele teria que estar lá. Aproveitaríamos para conhecer outras cidades a caminho de Paris, onde realmente desfrutaríamos de nossa lua de mel. Realmente, foi uma viagem perfeita.  A Vinícola foi premiada, o que nos deixou radiantes. E o resto da viagem...  era lua de mel de um casal muito apaixonado. A paixão voluptuosa das noites ardentes. Os abraços durante os passeios. Os beijos espontâneos por estarem felizes. Os olhares maliciosos a demonstrarem o desejo de amar. Preciso descrever mais? 

Nossos maravilhosos dias parisienses chegaram ao final e voltamos ao Brasil. O voo internacional nos deixou no Rio de Janeiro, onde visitamos minha família. Permanecemos dois dias e seguimos para a Fazenda. Alexander precisava retornar para tomar providências em relação aos compromissos assumidos na França. Uma importadora francesa fechou contrato com a Vinícola de Alexander para a importação de dois vinhos: um espumante e um tinto seco, que haviam sido premiados no concurso. Para tanto, era necessário planejar a produção e verificar os trâmites legais para a exportação em maior escala anualmente. Seguimos para o Rio Grande do Sul. Ao chegarmos a Porto Alegre o gerente do Hotel estava nos aguardando.

Na Fazenda, todos os funcionários estavam esperando para nos recepcionar. Alguns amigos e vizinhos também vieram nos dar as boas vindas. Brindes ao nosso retorno. Depois de contar as novidades sobre o concurso e as cidades que conhecemos, o pessoal foi se despedindo, os funcionários voltando aos seus afazeres. Fomos para casa para descansar. No dia seguinte começaria nossa rotina de vida de casados.  Fizemos nossa despedida da lua de mel em grande estilo. Grande? Não! No mais ardoroso estilo!  

Eu havia estudado Comunicação Social e estava fazendo especialização em Fotografia quando conheci meu marido. Uau!!  Essa palavra (marido) tem um significado especial. Retomando o assunto da minha especialização. Consegui terminar o curso um pouco antes do nosso casamento. E queria atuar como fotógrafa. Alexander sabia disso e me deu total apoio. Eu pensei que poderia realizar alguma atividade unindo a minha profissão ao interesse da Vinícola. Passei a fotografar o vinhedo e os produtos. Enviei para revelar em Porto Alegre, mas isso sairia muito caro, se eu quisesse fotografar como atividade constante. Alexander me propôs montarmos um pequeno laboratório de revelação na casa. Tínhamos vários quartos, daria para todos os filhos que teríamos (ele sempre brincava com isso, apesar de aparecer uma pontinha de tristeza nos seus olhos) e um poderia ser o laboratório. Assim foi feito. Revelei as fotos do vinhedo, das uvas, das parreiras, todas artísticas, utilizando várias técnicas. Alexander e mais cinco pessoas foram meus primeiros avaliadores. Aprovaram todas com aplausos. Eu pretendia montar uma exposição no Hotel, realizando um evento para comemorar os prêmios ganhos pela Vinícola. Para a exposição as pessoas  seriam convidadas, para o jantar que se seguisse seria por adesão. 

O evento foi um sucesso. Várias fotos (posters) foram vendidas e a maioria dos convidados participou do jantar. Alguns jornalistas amigos também estiveram presentes. Recebi um convite para publicar em uma Revista especializada. Gostariam de fazer uma reportagem com a Vinícola, entrevista comigo e com Alexander. Seria um excelente Marketing. 

Comemoramos tanto, que dois meses depois a surpresa apareceu. Eu comecei a me sentir mal. Tonturas e por fim um desmaio. O médico (amigo da família) foi chamado. Ao me examinar, sorria. Eu perguntei: “por que o sorriso, doutor?  Eu passo mal e você acha graça?”  Ele deu uma boa risada e respondeu:  “Você está grávida!”  Alexander me olhou com o sorriso mais largo que eu tinha visto no rosto dele. Mandou trazer o melhor espumante para brindarmos. Alvoroço entre os funcionários do Hotel, da Vinícola e do Restaurante. Todos queriam nos dar os parabéns. Alguns funcionários mais antigos tinham conhecimento da história passada de Alexander. Então, foi uma alegria genuína. 

A gravidez foi a contento, apesar de serem gêmeos e eu estar parecendo uma ‘barcaça’. Alexander ficava bravo quando eu falava assim. Dizia que eu estava linda mais cheinha (bondade dele na minha opinião) e com um rosto feliz (claro, bochechudo) e os olhos brilhantes em dobro. Eu fui para Porto Alegre, para uma boa maternidade. O médico que me acompanhou desde o início fez o parto. Uma cesariana, pois eram dois bebês, um menino grande e uma menina pouco menor. Os dois tiveram um desenvolvimento diferenciado. Gabriel crescia forte e Tayane era mais fraquinha. Tinha um problema no coração que tratamos com os melhores especialistas. Mas ela não apresentava melhoras. Qualquer esforço lhe prejudicava a saúde. Tomávamos um cuidado extremo com ela. Estávamos atentos vinte e quatro horas. 

Ao completarem quatro anos, a festinha foi bem restrita. Dois meses depois muito enfraquecida pela doença, Tayane falece. Foi um golpe duro para nós dois. Um desespero para Alexander. Ficamos arrasados. Ao invés de nos apoiarmos, nos distanciamos. Ele ficou taciturno, só trabalhava. Dava pouca atenção ao filho Gabriel que sentia falta do pai brincalhão e carinhoso. 

Resolvi ir para a casa dos meus pais no Rio de Janeiro e de lá fomos para a casa de minha tia, em Cabo Frio. Gabriel precisava sair daquele clima doméstico pesado. Precisava brincar como qualquer criança. Ele só tinha quatro anos. Sentia falta da irmã, mas não com a mesma intensidade e tristeza que nós dois. Depois de uma semana, Alexander fez contato, querendo saber como estava Gabriel. Foi uma conversa fria entre nós dois. Dez dias depois, ele ligou já diferente. Conversando mais, perguntando de mim, do Gabriel, mais falante, mais carinhoso mesmo na conversa. 

Quinze dias depois ele aparece em Cabo Frio! Sem avisar, foi uma surpresa e tanto!  Gabriel correu para abraçá-lo. Estava mais magro, abatido, mas tão bonito com aquele olhar tristonho, meio perdido. Só tive vontade de beijá-lo muito, muito! E foi o que ele fez depois de acarinhar o filho. Beijou-me com sofreguidão. Entre um beijo e outro ele me disse: “não consigo ficar longe de você Mayra! Estava ficando doido de saudades!  Não sei viver sem você, meu amor!” E continuou a beijar-me com gosto de saudade, de amor saudoso. E foi muito, muito bom. Do jeito que eu queria beijá-lo. 

Consegui convencê-lo a ficar uns dias em Cabo Frio. Ele precisava relaxar. Namoramos, passeamos, fomos à praia, passeamos de barco, conversamos e retomamos nosso amor, envolto em muita paixão. Foi o nosso momento de reconhecer que podemos enfrentar as situações juntos e não sofrermos separados. Quase perdemos nosso casamento. 

Voltamos à Fazenda e retomamos nossa vida com o ânimo anterior. A nossa filhinha querida nunca seria esquecida, mas precisávamos pensar nela como um anjo em nossa vida. E por ela voltar a viver como uma família. Retomei minhas fotografias e dessa vez fotografei pessoas: crianças, incluindo fotos do meu filho e da minha filhinha, nossos trabalhadores do parreiral, do Hotel, do Restaurante, amigos, eu e Alexander, enfim fotos que mostravam sorrisos, seriedade, surpresa, ar brincalhão, olhar amoroso, tantos jeitos! 

Com todo o amor de volta entre nós, outra gravidez foi o resultado. Fiquei apreensiva em ter gêmeos novamente. Dessa vez foi uma menina linda e saudável! Manuela foi um bálsamo para nossos corações. Uma bebe meiga, alegre e risonha. Alexander ficava com ela no colo todo o tempo. Quando eu tinha algum afazer, ele a levava para o escritório para cuidar dele. Creio que nem trabalhava direito, pois eu o ouvia brincando com ela. Gabriel queria saber quando ela brincaria com ele. Os nossos funcionários sempre queriam fazer um agrado na pequenina. Ela reinava absoluta!  

Para celebrar seu aniversário de um ano fiz a exposição, incluindo fotos dela. Trabalhei muito lidando com as fotos, pois queria expressões de impacto. Foi um novo sucesso!  A exposição é divulgada e as fotos vão para sites internacionais especializados. Uma Revista francesa me convida a publicar e a participar do Concurso que eles promovem anualmente. Concordei em participar, escolhi as fotos para o concurso (algumas recentes não publicadas) e enviei. Meses depois recebo a notícia que havia ganhado o concurso. Fiquei surpresa e feliz. Haveria uma festa em Paris para divulgação do resultado do concurso. Eu fiquei animada com a notícia. 

Alexander também se animou. Como ele dizia para todos: “tenho uma esposa fotógrafa famosa internacionalmente!” Como ele precisava voltar à França por causa dos negócios de importação de vinhos e havia adiado por causa de Manuela, agora seria uma ocasião perfeita. Ele fez os contatos para organizar os encontros na França, planejamos nossa ida. Deixaríamos as crianças com meus pais no RJ. Eles pularam de alegria ao saber dessa decisão. E lá fomos nós. Pretendíamos realizar nossa segunda lua de mel. Assim foi como na primeira. Visitamos as vinícolas parceiras e seguimos para Paris, a fim de participar da festa da minha premiação. Com certeza, um evento bonito e muito elegante. O toque parisiense deixa qualquer acontecimento muito chic. “O casal brasileiro fez sucesso também, com sua elegância, beleza e simpatia”, diziam os comentários pós-evento. 

Voltamos para o Rio Grande do Sul, animados, com muitos planos para os negócios e para as futuras fotos. Dois meses depois, mais uma notícia feliz, mas que me deixava apreensiva. Outra gravidez. Todavia, o período de gestação foi o melhor de todos, eu me sentia disposta, nem parecia grávida e “uma barcaça” como Alexander gostava de me relembrar, rindo de mim. Fomos presenteados com outro menino. Gabriel estava ansioso para Artur crescer e jogar bola com ele, pois “Manuela não sabe jogar direito, ela é menina!” Ele comentava sempre. Crianças têm uma inocência que nos acalenta.

A família se expandia, a casa era grande para acolher a todos. Alexander mencionava para mim: “eu não disse a você que a casa tinha quartos suficientes para os filhos todos? Lembra-se disso? Foi o que eu disse na primeira vez que você esteve aqui e ficou encabulada com a minha declaração (risos). Eu estava certíssimo, meu amor”!

Agradecemos diariamente pelas bênçãos recebidas. A perda, que ajudou a fortalecer nosso amor e nosso casamento, não era mais uma lembrança dolorida, mas a certeza de que um anjo esteve conosco para nos unir mais ainda. Tínhamos grandes tarefas à frente: criar nossos filhos em um ambiente harmonioso e pleno de amor. Ao acompanhar os três crescendo e fazendo a algazarra típica das crianças, só podíamos confirmar que a beleza da vida é impar!

Por: Maria Teresa Freire - Jornalista, Escritora, Poeta, 
Presidente da AJEB – Coordenadoria do Paraná.



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