A PERGUNTA RESPONDIDA “Parte II”

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Maria Teresa Freire.


Normalmente, eu sempre respondi às perguntas feitas a mim. À pergunta de Henrique eu deixara sem resposta por duas vezes. Eu simplesmente fugira da resposta e dele. A terceira eu teria que responder. Se não o fizesse iria contra os meus princípios. Sobretudo, contra o meu sentimento mais entesourado. O mais verdadeiro e profundo. O meu amor por Henrique. 

Minha resposta ao mais bonito e intenso pedido de casamento foi um sonoro sim! Assim ele perguntou: “você quer passar o resto da sua vida ao meu lado? Ficar comigo, acreditar em mim, confiar em mim e me amar como eu a amo?” Corri para os seus abraços abertos, para o beijo que me esperava e respondi o mais alto que pude: “SIM!!!!” Enquanto nós vivermos, eu correrei para aqueles braços  que sempre me aconchegam e para os beijos que sempre me deliciam.

Casamo-nos no Hotel em que eu e minha tia éramos hóspedes. Um hotel muito charmoso, com os resquícios do bom gosto inglês. A Índia havia sido dominada pelos britânicos desde meados do século XIX até meados do século XX. Durante esse período, a Índia foi palco de uma dominação controversa. Apesar da imposição inglesa na administração, na política e no que tange à exploração e desrespeito à soberania de um povo, houve um legado cultural e de modernização no país. A influência também trouxe ao país indiano os requintes da vida inglesa. E o Hotel em que estávamos ainda guardava essa característica. 

Foi uma cerimônia simples, com os poucos amigos que eu e minha tia havíamos feito ao longo da nossa estada e o sócio de Henrique que trouxe sua família. Todavia, foi um momento mágico para nós dois. Nós convivemos desde pequenos, numa conexão forte que, geralmente não há entre crianças. Era uma cumplicidade, uma busca instintiva pela companhia um do outro. 

A notícia do casamento não foi bem recebida quando chegou à família dele. Os pais de Henrique gostariam que ele se casasse com uma moça da família rica, ou bem situada socialmente. A mãe dele dava muita importância à opinião da sociedade. Como se essa mesma sociedade fizesse algo de bom por eles, a não ser criticar o mínimo deslize. Henrique nunca se incomodou com a opinião de ninguém. As garotas se esforçavam para conquistá-lo. O jeito dele era sempre educado, às vezes gentil com as garotas, mas não as incentivava e desviava do assunto de namoro. Eu entendia todo aquele cuidado e interesse em mim como uma sincera amizade. E como a mãe dele não gostava de mim, o que era fato notório, eu me mantinha à distância, mas perto dele. E assim foi por anos. Durante nossa infância e adolescência. Durante o início da nossa vida adulta. 

Agora continuaríamos nossa vida adulta, casados! E muito amados. Por isso, o casamento era para nós dois, um momento mágico. Gostar e amar alguém a vida toda é para bem poucos. Somos privilegiados.   

Enquanto eu e minha tia providenciávamos os detalhes da cerimônia e da festa de casamento, Henrique buscava uma casa para nós com o auxílio de seu sócio. Passamos nossa noite de núpcias com privacidade total, na nossa casa, decorada ao estilo indiano, mas com jeito brasileiro. Uma mistura bem elegante, ao meu ver. 

A nossa vida na Índia iniciou-se. Henrique trabalhava o dia todo na empresa, que estava desenvolvendo-se muito bem. Kabir, o sócio de Henrique, era bem relacionado, conhecia muito bem o mercado indiano e foi determinante no crescimento da empresa. Também por causa de Kabir e sua família fizemos boas amizades e tínhamos um círculo de amigos que nos mantinha  socialmente ocupados. Pouco tempo depois eu fiquei grávida. Henrique ficou tão feliz com a notícia que parecia um bobo. Abraçou-me e beijou-me com tamanha doçura que eu me apaixonei mais ainda por ele. Como se isso fosse possível! Ele avisou a todo mundo que conhecíamos inclusive os melhores clientes. A notícia virou motivo de festejo quase diariamente. E mais uma quantidade enorme de presentes. Pelo jeito não precisaríamos comprar quase nada. O berço sim.

Foi uma gravidez tranquila e muito paparicada. Como os amigos sabiam que eu tinha somente a minha tia perto de mim, situação oposta às famílias indianas, as mulheres se desdobraram em cuidados comigo. Principalmente, em me fazer companhia para ocupar meu tempo, para fazer prazerosas caminhadas, para conversar sobre educação de filhos e assim por diante. O nosso menino chegou. Berrando forte, saudável e a cara do pai, assim todos diziam. Demos o nome de Manuel, cuja origem de nome é hebraica, significando Deus está conosco. Também quisemos fazer a relação com o nome indiano Manu, que significa o pai de todos os homens e também pensamento sábio. 

O envolvimento com o crescimento de Manuel foi intenso. Henrique participava de tudo. Ele sempre foi um homem cuidadoso com a família e amigos. Mas agora, eu observava um homem extremamente amoroso com a ‘sua’ família. Uma noite, sentados na varanda que dava para um bonito jardim, eu perguntei a ele por que era tão amoroso comigo e com o filho. Ele respondeu: “porque eu os amo muito. E porque eu realizei o que mais queria na minha vida: viver com você. Você me deu esse filho lindo, é uma mulher como eu sabia que seria: companheira, carinhosa, engraçada, inteligente, extremamente observadora e que me ajuda em tomadas de decisão inclusive no trabalho. Dedicada à nós e à nossa vida, que é exatamente a que sempre almejei. Respondi satisfatoriamente?” Em lágrimas, eu não tinha o que comentar. Levantei-me, abracei-o e beijei-o com todo o amor por ele que eu carregava no meu coração, na minha alma e no meu corpo.

Algum tempo depois, uma nova gravidez. Todos diziam que eram os frutos do nosso amor. O que era a pura verdade. Novamente, uma gravidez tranquila, com mais atividades que envolviam Manuel. Dessa vez, uma menina: Ana Beatriz. Seria a nossa Anushka, nome indiano derivado de Ana que significa cheia de graça. Um bebê risonho, parecia sempre feliz. Diziam que era um pouco parecida comigo. Um pouco, pois na realidade também parecia com o pai. Eu desculpava, pois Henrique era bonito e os filhos também seriam. Ah! Eu também tinha a minha beleza. Os filhos seriam extremamente bonitos! Um pouquinho de convencimento faz mal?

Em meio a essa felicidade, chegou-nos um longo e-mail do cunhado de Henrique, contando sobre a situação da família. Seu pai estava muito doente. Explicava que sua mãe e irmãos preferiram não informar, pois sabiam que Henrique havia partido por causa dos aborrecimentos com eles, principalmente em relação à mim. Detalhava também a situação financeira que estava se agravando por falta da competência administrativa do irmão. Henrique mostrou-me o e-mail e disse que decidiríamos juntos que atitude tomar. Aconselhei-o a telefonar para sua mãe e irmão para tomar conhecimento de todos os fatos. Confirmou-se o que seu cunhado havia relatado ainda que resumidamente. A mãe pediu que ele fosse estar com eles para avaliar a situação. Ele respondeu: “ eu e Kátia resolveremos sobre a viagem, caso possamos ir seremos nós quatro. Terei que organizar meu trabalho aqui e ver a disponibilidade de Katia. Manteremos contato. Abraços  em todos”. Assim foi a resposta de Henrique. Ele perdera o entusiasmo por sua família. Ele escolhera a mim. Ele escolhera formar sua própria família comigo. 

Entretanto, eu sabia que a família de Henrique precisava dele principalmente naquele momento. Por isso apoiei a viagem. Chegamos no Rio de Janeiro (RJ) em um dia ensolarado e quente combinando com o clima da cidade onde morávamos. As crianças, Manuel com cinco anos e Ana Beatriz (Anushka) com dois estranharam a longa viagem para um país diferente. Até então havíamos viajado pela Índia, onde há tantos recantos para se conhecer e explorar. 

Ao tomarmos conhecimento da situação familiar, constamos que era pior do que esperávamos. Com o pai doente há algum tempo e atualmente em estágio terminal, o controle da empresa ficou à deriva, assim como os cuidados com as propriedade. A incapacidade administrativa do irmão de Henrique estava levando a empresa à falência. Se ele não tomasse a frente nos negócios eles ficariam na miséria. 

Antes de tomar qualquer decisão Henrique conversou comigo. Apesar de saber que sua mãe não me aprovava como nora, a situação era totalmente diversa. Ele não faria nada sem que eu estivesse de acordo. Eu não desejava que a família ficasse em situação deplorável. Portanto, ficamos.

Henrique se inteirou de todos os problemas e tomou a iniciativas para resolvê-los. Ainda não estavam em um caos total. Foi preciso avisar Kabir (o sócio indiano) que seria necessário ficarmos mais tempo. Aos poucos foi solucionando as falhas menores para depois resolver as problemáticas. 

As crianças estavam usufruindo as “férias”, como diziam. Tanto a família de Henrique como a minha paparicavam as crianças. Pouco a pouco adaptaram-se ao lugar, às pessoas, à nova casa. Às vezes perguntavam da outra casa mais colorida e com ‘tias e tios’ diferentes.

Enquanto estávamos lá, o pai de Henrique faleceu. Foi um momento triste, mas não inesperado. Aí todos se voltaram para ele. Esperavam que Henrique com sua segurança, firmeza, força e capacidade de liderança cuidasse de tudo. Realmente, ele tomou providências para tudo, família e negócios. Contratou bons diretores para a empresa, capataz competente para a fazenda e caseiro de confiança para casa da praia. Estávamos prontos para voltar à nossa vida indiana. Assim fizemos. Foi uma sensação prazerosa estar na minha casa. 

Entretanto, logo começaram os contatos relatando problemas, tanto dos diretores como da família. Dessa forma, Henrique perderia o pessoal competente que administrativa a empresa por conta das interferências inadequadas da família. Começamos a perceber que sem Henrique a frente dos negócios tudo descambaria. Então, fomos amadurecendo a ideia de voltarmos definitivamente. Kabir foi um ótimo conselheiro mostrando-nos a importância que tínhamos para as duas famílias. Conversamos com a mãe de Henrique impondo condições: sem interferências na nossa vida particular e na gestão da empresa. Ou seria do nosso jeito ou não seria. Como foi do nosso jeito, retornamos ao Rio de Janeiro em definitivo.  

Três anos depois, bem estabelecidos, tínhamos nossa vida organizada, nossa casa meio indiana, as crianças felizes. Nós ganhamos mais um presente maravilhoso: nosso terceiro filho. Fizemos uma ‘fusão cultural’ com dois filhos nascidos na Índia e o ultimo no Brasil. Que amor arrebatador foi o nosso que nos levou de um lado ao outro do mundo! Assim pode ser o amor. Assim foi o nosso. 

Por: Maria Teresa Freire - Jornalista, Escritora, Poeta, 

Presidente da AJEB – Coordenadoria do Paraná.




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