CRIADA DORMINHOCA

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José Vieira Passos Filho.


Meu avô Neco Leite não ouvia bem. Quando eu me entendi de gente, com 8 anos de idade, em 1954, já falávamos com ele gritando, mesmo assim ele ainda trocava as palavras. Foi piorando com o passar do tempo. Nunca colocou aparelho para melhorar a audição. Faleceu em 1982, aos 95 anos de idade. Sua maior alegria era encher a casa grande do Bananal com os filhos, netos e bisnetos. Gostava de contar piadas e fazer brincadeiras com os parentes.

Tio Dija, filho caçula de meu avô é “cagado e cuspido” o pai. Loquaz, sempre que acontece algo interessante com ele, passa a divulgar o fato para todos da família que chega a Bananal, onde ele reside.

Meus tios que moram em Bananal, todos com mais de 80 anos, estão realmente na melhor idade. Fazem uma rotina de aposentados. Levantam-se muito cedo. Após o café ficam conversando na área da casa grande. Tia Ilca fazendo tricô; tia Hilda, crítica por natureza, reparando e censurando as meninotas que passam em frente á casa com seus vestidos curtos e barrigas de fora; tio Dija, sempre contando histórias e casos. Almoçam, descansam até às três da tarde e, novamente reunião na varanda. Tio Dija, deixa o sol esfriar e, lá para às 4 horas, vai para sua fazenda Santa Inês, pescar. Volta à noitinha. Se pescou algum peixe, passa com ele escondido para não dar a ninguém. Depois do café o local da reunião é em frente da casa grande, na calçada. Às 7 horas da noite tocam o sino chamando para o terço, na igrejinha do povoado, que fica ao lado da casa grande. O comando dos fiéis é disputado por Dinalva, Maria Ilza e Selma, todas têm seu seguidores, disputa acirrada, que será tema da minha próxima crônica.

-De quem é o terço hoje? Pergunto quando estou em Bananal, na sexta-feira à noite.

-É de Dona Dinalva, está rezando um terço pela recuperação de Fulano, que está muito doente e internado em Maceió, respondem.

Assim é o dia a dia no Bananal, vida de interior mesmo, onde muitos ainda não acreditam que o homem já foi a Lua e chamam remédios em comprimidos, num envelope, de cachette.

Uma rotina dos meus tios é jogar buraco. Invariavelmente, todas as noites reúnem-se na sala da casa grande para jogar. Tio Dija, Tia Hilda, Tia Ilca e um quarto parceiro, que pode ser Maria Ilza; Edna (minha esposa); Dinalva. Jogam até muito tarde, às vezes após meia-noite.

Certo dia a turma estava jogando na casa de tia Ilca. Quando terminou o carteado, Tia Hilda pediu a tio Dija que fosse levá-la em casa, pois a “criada” (ela ainda chama assim), uma meninota de 13 anos, tinha sono pesado e podia demorar em abrir a porta. Saíram os dois, a casa fica pertinho, 100 metros.

-Dija, fique aí no portão, não vá embora ainda não, que a menina pode demorar para abrir a porta, disse tia Hilda.

-Ou Dande, Dande, abra a porta que eu cheguei, é Hilda.

Tia Hilda falava e batia na porta. Isso demorou e se repetiu por mais de 20 minutos.

-Eita menina dorminhoca, vou terminar arranjando outra, além de dorminhoca, acorda-se tarde – Dizia tia Hilda, comentando com o irmão Dija.

Num dado momento tia Hilda parou de bater na porta e veio em direção ao irmão, sorrindo pra valer, dizendo:

-Dija, esse tempo todo eu batendo na porta, esculachando a pobrezinha da Dande e, olhe onde está a chave, na minha mão esquerda. Vá embora, mas não diga a ninguém o que aconteceu, a ninguém mesmo, se não pensam que eu estou gagá.

Comentando com pessoas da família sobre esses esquecimentos dos mais velhos eu dizia:

-Tempos atrás eram os nossos avós e tios avós; hoje são nossos pais e tios; amanhã seremos nós, que esqueceremos. Teremos esse mal da idade. Se tivermos sorte de completarmos 80 anos, passaremos por isso também.

Por: José Vieira Passos Filho - Pres. da Academia Alagoana de Cultura, Sócio Efetivo do Instituto 
Histórico e Geográfico de Alagoas, Sócio Efetivo da Academia 
Maceioense de Letras, Sócio Honorário do SOBRAMES (AL), 
Sócio Efetivo da Comissão Alagoana de Folclore.


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