O AMIGO SECRETO

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Virginia Pignot.

 

I Introdução

A cineasta brasiliense de 58 anos Maria Augusta Ramos é uma documentarista que se propõe a apresentar acontecimentos, fatos revelados, retratar as relações humanas, sociais, de poder, através do teatro da justiça, das audiências, e dos dramas que são vividos.(1)

Ela foi premiada várias vezes. Em 2013 ganhou o prêmio Helsinki pelos direitos Humanos, que recompensa sua obra e a maneira pela qual ela consegue mostrar a situação dos direitos humanos nos seus filmes. Em 2018, seu filme “O Processo”, que acompanha a destituição da Presidente Dilma, foi selecionado para a Berlinale e ganhou a recompensa do melhor longa-metragem no festival “Visions du Réel”(2). Seus filmes “Justiça”, “Juízo”, “Morro dos Prazeres”… disponíveis na Netflix, são usados por professores de direito como base de trabalho em aulas e seminários. Maria Helena é uma cineasta em busca da reflexão, nunca o sensacionalismo (3)

No seu último filme, “O Amigo Secreto”, que cobre essencialmente o período de 2017 a 2021, ela traz uma outra narrativa sobre a Operação Lava Jato, sobre suas consequências para o país que aquela que foi fornecida pela imprensa tradicional no auge da Operação. Ela destaca que seu documentário tem uma função de memória.

II Apresentação do filme

Realizado com o apoio do Grupo Prerrogativas, da TV holandesa, e da TV franco-alemã, o filme retoma o nome de um grupo de conversa de Procuradores e juiz da Lava jato, “Amigo Secreto”, revelado pela Vaza Lato.

O filme tem três tempos: olhando para o passado, documentando o presente, e apontando para um futuro, para as consequências do que se passou. (1) 

Ele começa pelo depoimento de Lula à Moro em 2017, quando Lula previne o juiz e o Ministério Publico: “Quando eu for inocentado, podem ter certeza que vocês serão alvos de todas as críticas”. Essa previsão se concretizou no julgamento de suspeição e de parcialidade do ex juiz no STF, que aparece no filme já em 2021, no qual o Ministro Gilmar Mendes lê trechos das Mensagens do grupo Amigo Secreto, revelando atos ilícitos cometidos por juiz e procuradores.

O filme mostra o trabalho de jornalistas do The Intercept Brasil, e do El Pais, em 2019, para revelar ao publico as conversas que revelam procedimentos incabíveis, combinações indevidas, investigações direcionadas entre procuradores e juízes. Os jornalistas acompanham o desdobramento do caso, enquanto o país mergulha em sequência de crises que ameaçam sua democracia. A endeusada operação, sofrera então, o primeiro e grande abalo da sua credibilidade.(3)

Como no seu filme anterior, O Processo, Maria Augusta termina “O Amigo Secreto”, com nuvens negras sobre a Amazônia, e sobre o país. Mas, se O Processo relata a destituição democraticamente suspeita da presidente Dilma, O Amigo Secreto, por sua vez, mostra o conserto, a restituição, a retomada da ordem jurídica, e da ética jornalística.  

Estes elementos essenciais para a democracia, são encorajadores, apesar da ausência de reconhecimento do erro e da ausência de pedido de desculpas, por parte de membros da Lava jato e da maior parte da Imprensa tradicional. Alguns deles já tiveram de prestar contas à justiça, “é a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar”.

III Pontos de Destaque no filme

Além de acompanhar o trabalho jornalístico de investigação na Vaza Jato, Maria Augusta Ramos recorre a imagens de arquivo. Muitas imagens já foram vistas na TV, mas no filme elas são recontextualisadas, e não se acompanham da infame vinheta acusatória Global do esgoto que jorra dinheiro enlameado(3), cada vez que falava de Lula, da Lava Jato.

a) O jornalismo ético faz sua autocritica

A Jornalista Carla Jimenez do então El Pais faz um exame de consciência sobre a terceirização da informação jornalística no tempo da Lava Jato, quando os jornais limitavam-se a publicar as informações recebidas do M.P. sem proceder à checagem das suas fontes, métodos de obtenção e veracidade: “Eu nunca mais vou olhar para um Procurador do mesmo jeito; quantas vezes eu publiquei notícias transmitidas por um Procurador, confiando, e a gente não fez nossa investigação paralela para checar”.

b) Delações premiadas praticamente sob tortura (pelo menos, tortura psicológica).

Um ex executivo da Odebrecht, Alexandrino Alencar, um senhor muito educado filho de diplomatas, foi uma das vítimas dos procedimentos arbitrários instituídos pela Lava Jato: prisão preventiva, injustificada, prolongada, direito de defesa negado. Ele foi muito corajoso, foi o único delator que aceitou dar seu testemunho ao filme. Ele conta a investigação dirigida para Lula e para seus familiares, a insistência dos investigadores quando ele declarou que não conhecia nenhum ilícito deles, e que não iria inventar. Por outro lado, delação acompanhada de provas de Caixa dois para a campanha de Aécio Neves era ignorada.

c) Petroleiros desmontam no filme o argumento econômico da Lava Jato

Petroleiros desmontam o argumento que a Lava Jato devolveu seis bilhões da corrupção da Petrobras aos cofres públicos, pois a operação fez sofrer prejuízos à empresa da ordem de trilhões, inclusive com arbitrariedades pagas ao governo americano, com a cooperação às margens da lei, sem passar pelo ministério da Justiça brasileiro, com o Departamento de justiça americano.

IV Lava Jato, Vaza Jato, Causas e Consequências
Lava Jato

A advogada Carol Proner,  explica no filme que um dos objetivos do lawfare, o processo de perseguição politica através de processos judiciais do qual Lula foi vítima, foi a dilapidação do patrimônio nacional. Maria Helena Ramos explica na sua entrevista à Estaçao Sabia (4), que o objetivo não era só tirar o PT, era tirar um modelo de governo, para implantar o modelo neo-liberal. O envolvimento de Procuradores brasileiros com os procuradores americanos, os interesses geopolíticos de remover a esquerda que não permitia a venda do patrimônio publico nacional, Eletrobras, Petrobras, Correios, Banco do Brasil... os interesses mundiais com o nosso petróleo, principalmente depois da descoberta do pré-sal, isso tudo faz parte do ataque à soberania nacional promovido pela Lava Jato. As consequências se vêem nas privatizações, na inflação, no preço do gás e da gasolina, na destruição ou ataque da justiça do trabalho, dos direitos humanos, no desmatamento da Amazônia, do pantanal…O presidente do grupo Prerrogativas, professor Marco Aurélio de Carvalho, fala de outra consequência da Lava Jato, do seu ponto de vista: “O Lavajatismo é pai e mãe do bolsonarismo”.(5)

Vaza Jato

Leandro Demori então jornalista do The Intercept Brasil testemunha : “A gente não sabia que o conteúdo das mensagens reveladas na Vaza Jato iam contribuir para o julgamento de suspeição de Moro no STF, e para a libertação do ex-presidente Lula. A gente estava trabalhando o dia inteiro nas matérias, checando as informações, fazendo nosso trabalho. Só fomos nos dar conta do enorme impacto social e politico muitos meses depois. Fui convidado para um evento na ABEI, fui pensando que seriamos um grupinho, cheguei la era um evento enorme, com tres mil pessoas”. E Carla Gimenez (então no El Pais): “Quando a gente estava fazendo a Vaza Jato o objetivo não era libertar o Presidente Lula, era mostrar uma incoerência jurídica do que já se revelava anteriormente, a gente tinha evidências mas não tinha provas, a Vaza Jato vem fechar essas lacunas.”(5)

V Conclusão

Na sua tese de mestrado sobre a Lava Jato defendida em fevereiro de 2019, antes das revelações da Vaza Jato, Maíra Fernandes já tinha revelado que a fixação da competência concentrada no juízo único de Curitiva desobedecia a regras jurídicas. A Petrobras não se encontra em Curitiba, as pessoas envolvidas não moravam em Curitiba...Se Moro Fosse um juiz imparcial, ele deveria ter reconhecido a incompetência do Juízo, reclamada justamente por quase todos os advogados de defesa, e recusada por Moro.(4) A fixação da competência perante um juízo único em Curitiba foi fabricada jurídica e mediaticamente. Se criou artificialmente a idéia de que Moro seria o único ou o melhor juiz para o combate à corrupção, quando na verdade sua atuação parcial, torcendo por um resultado, já assinalava por si só sua suspeição. Infelizmente para o país, nesta época o Supremo assinalou irregularidades, mas deixou passar.

Filmando a Lava Jato, a Vaza Jato e suas consequências para o país, com seu jeito calmo, atencioso e meticuloso de filmar, Maria Helena Ramos tenta entender e nos transmitir o que se passa no seu país.

O filme “O Amigo Secreto faz uma ampla contextualização da grande farsa construída entre 2017 e 2021. O filme é doloroso, mas estimulante e necessário.(5)”

Bibliografia

 1 Todo cinema é politico”, diz diretora de “Amigo Secreto”, You Tube, Carta Capital, entrevista com Maria Augusta Ramos. 15-06-2022

2 Rencontre avec Maria Augusta Ramos Pela Cinemateca de Toulouse, google, 07-12-2021

3 Maria Augusta Ramos e Carla Jimenez falam Sobre “Amigo Secreto”, filme sobre a Vaza Jato. You Tube Jornal GGN, 14-06-2022

4 Estação Sabia. Guta Ramos volta ao debate da Lava Jato. Regina Zeppa, Maria Helena Ramos, Maíra Fernandes. You tube, TV 247

5 Live do grupo Prerrogativas sobre o filme O Amigo Secreto, 18-06-2022

Por: Virginia Pignot - Cronista e Psiquiatra.

É Pedopsiquiatra em Toulouse, França.

Se apaixonou por política e pelo jornalismo nos últimos anos. 

Natural de Surubim-PE



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