O VÔO DA ASA BRANCA

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José Vieira Passos Filho.


Magali foi minha vizinha por quase 25 anos. Em 1980 comprei um terreno na antiga Rua Paraguaçu. Esse terreno havia pertencido ao Dr. Otávio, dentista dos mais conceituados de Maceió, esposo de Magali. 

Já estava para iniciar a construção da casa quando meu futuro vizinho me propôs vender mais outra área do terreno junto da sua casa. Negócio feito. Nesse novo terreno eu iria construir uma casa para minha mãe morar. Ao lado construiria minha casa.

Durante a construção das casas fui várias vezes a residência do Dr. Otávio. Iniciamos uma amizade. Dei algumas opiniões a respeito do projeto de reforma de sua casa. Uma das coisas que meu vizinho fazia questão era ter, em sua casa, uma área que proporcionasse visão para o vale do Reginaldo. Dizia-me: “Dali se embriagaria com a brisa do mar azul de Maceió. À noite, veria o céu estrelado. Nas noites de lua poderia contemplá-la em toda sua plenitude”. Senti nele um grande admirador da natureza. Dr. Otávio reformou a casa, porém desfrutou dela muito pouco. Faleceu logo depois que a casa estava pronta.

Demorei quase dois anos construindo minha residência. Todos os dias eu passava na construção para ver o andamento da obra. Sempre encontrava, debruçados no muro baixo que divide meu terreno com o vizinho, observando o movimento do  pessoal da construção e as duas crianças: o Tal (Otávio) e o Luquinhas, filhos de Magali e do Dr. Otávio.

Quando fui morar definitivamente em minha nova casa, meus quatro filhos, Lívia, Igor, Izabelle e o Henrique, tinham 6, 5, 4 e 2 anos, respectivamente. Os meninos logos fizeram uma sólida amizade com o Tal e o Luquinhas. Frequentava muito à casa deles e eles a minha casa. Minha esposa Edna e minha mãe Lourdes, tornaram-se grandes amigas de Magali.

O tempo foi passando. As crianças, ainda muito pequenas, brincavam de futebol no grande jardim gramado da casa de Magali. Quando eles cresceram, a casa da minha vizinha passou a ser ponto de encontro de todo o círculo de amizade dos meus filhos, do Tal e do Luquinhas (minha casa era um anexo desses encontros). Era difícil um final de semana para os jovens não se encontrarem. O som da música era naquelas alturas. Tinha churrasco e uma animada conversa. Magali era muito compreensiva e atendia todos com cordialidade.  

Os meninos pareciam irmãos. Quando, às vezes, altas horas da noite, Magali não via seus filhos chegar telefonava para mim, perguntando: 

-  Dr. Passos, Luquinhas está dormindo aí?

- Não, Magali, o Igor também não chegou, eles devem estar juntos.

No outro dia eu ia ao quarto do Igor. Não o encontrando, indagava a Magali:

-  Magali, o Igor dormiu aí?

- Ah, D. Passos chegaram de manhã cedo, vão dormir até tarde.

Magali era natural do município de Garanhuns, sertão de Pernambuco. As tradições e a música nordestina estavam no seu sangue. Esse sentimento das coisas do nordeste e de sua música, ela transferiu para os filhos. Nas festas em sua casa sempre predominavam as músicas sertanejas. Luiz Gonzaga era seu preferido. Menos de 60 dias antes de seu passamento, quando ela, depois de ter se hospitalizado, passado por uma melindrosa cirurgia e de ter sido desenganada pelos médicos, seus filhos fizeram em sua casa, o que podemos chamar de despedida dos prazeres desse mundo. Foi uma belíssima comemoração pelo “seu retorno ao lar”. Compareceram às festividades os grandes amigos de Magali e de seus filhos. A festa varou a madrugada. Magali estava radiante e feliz. Uma despedida á altura de um ser que nesta vida só fez amigos. 

Magali, fã incondicional de Luiz Gonzaga e de suas músicas, sabendo que seu fim estava próximo, comentou com o vizinho da frente de sua casa, o Sr. Edvaldo, que no seu funeral não queria choro, queria sim que tocassem músicas, pois ela iria para um lugar onde não havia tristeza e sim muita paz e alegria.

O acordo prévio foi cumprido. Todos nós, que estávamos no último dia 01.12.2003, no Parque das Flores, em Maceió, ouvimos tocados pelas mãos de Sr. Edvaldo, os acordes da canção símbolo do nordestino. Foi uma comovente despedida a Magali, minha vizinha por quase 25 anos. A letra diz assim: “ a Asa Banca, bateu asa do Sertão”.

Magali, agora travestida na ave símbolo do seu povo, aquela que só arriba de sua terra quando é obrigada pela sobrevivência, deixa uma mensagem, nessa letra do nosso cancioneiro, para seus vizinhos e amigos, em particular para os filhos OTÁVIO e LUCAS:

“Eu te asseguro, não chores não, viu, / Que eu voltarei, viu, meu coração”.

Tal e Luquinhas, vizinhos de longas datas, não só de minha família, também do Sr. Edvaldo e de toda Paraguaçu: estejam certos de que nossa amizade continuará. Eu, então, nem precisarei determinar, o Igor está aí para me representar no que for preciso.

Tal e Luquinhas, grandes vizinhos, fiquem certos que nossa ASA BRANCA, a querida MAGALI, já fez seu pouso. Sua presença poderá ser sentida, sempre, em todas as atividades de vocês, seus filhos. Ela estará observando-os, protegendo-os, incentivando-os, aplaudindo-os. 

Magali será sempre eterna nunca será esquecida.


Por: José Vieira Passos Filho - Pres. da Academia Alagoana de Cultura, 

Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, Sócio Efetivo da Academia 

Maceioense de Letras, Sócio Honorário do SOBRAMES (AL), 

Sócio Efetivo da Comissão Alagoana de Folclore.



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