O LUGAR DAS TELAS E DAS REDES SOCIAIS NA FAMÍLIA

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Virginia Pignot.


I Introdução

Atualmente filhos - de toda idade – podem estar conectados a aparelhos múltiplos: DS, TV, computador, tablete, telefone, Play Station…

A utilização de internet pode servir de ponto de apoio, de abertura e enriquecimento pessoal para muitos adolescentes, permitindo a criação de laços sociais de valor, de encontro amoroso, de aprendizagem, de trabalho, de lazer. As redes podem exercer uma função estruturante na formação do indivíduo. Adolescentes podem se servir de Google para buscar conhecimentos que podem não querer abordar com os pais, por exemplo questões envolvendo a sexualidade, métodos anticoncepcionais...

Por outro lado, as redes podem ser fonte de um traumatismo quando um ex namorado, por exemplo, publica fotos da intimidade do casal em grupo da escola, podendo fazer má reputação para a jovem cuja confiança foi traída; quando existe caso de insultos, de agressão verbal, ou quando uma criança ou adolescente se depara com uma foto ou cena chocante nas redes... 

No consultório pais relatam dificuldades ou sofrimento na relação, ou na falta de relação com os filhos. Conflitos educativos envolvendo o tempo de exposição às telas, questões dos pais sobre que conduta educativa adotar, o medo de uma adição dos filhos são evocados.

Os pais estão também frequentemente “ligados” aos seus telefones, computador, jogos. Eles se queixam da exposição dos filhos a um aparelho que eles próprios lhes ofereceram.

Para explorar a questão do lugar que as telas ocupam na família ou além dela, minhas fontes serão casos da minha prática clínica de Psiquiatra Infanto-Juvenil, e um capítulo do livro “Ser pais no Século XXI” (1) que traz uma entrevista com a psicanalista Caroline Leduc sobre o potencial criativo e/ou de adição dos aparelhos de consumo, do uso das redes sociais. Boa leitura!


II As redes sociais do lado dos pais, do lado dos filhos


A) Os pais

Digo “os pais” mas é como na vida, pode ser só um dos dois que criam os filhos, alguns estão presentes mas não cuidam, filhos podem ser criados por avos…

Aqueles que cuidam de crianças ou adolescentes podem não saber como lidar com o adolescente que prefere conversar com os amigos por uma rede social do que contar aos pais na mesa como foi o dia na escola. Ou talvez os pais deram o mau costume de ligar a televisão durante as refeições, perdendo um pouco a oportunidade de troca, de laço social, que pode existir nas famílias que se organizam para comer e conversar juntos toda vez que isso é possível. Uma indicação possível para não perder o contato com o filho ou filha que passa muito tempo nas redes, é de se interessar por algo daí que pode ser compartilhado, que pode se tornar um interesse comum.

(1) O adulto não tem só “lição a dar” aos filhos, ele pode e deve aceitar aprender com o outro. Claro que respeitando, na medida do possível, o espaço de privacidade que o adolescente precisa construir nesta passagem delicada entre a infância e a idade adulta.

B) Os filhos

As coisas não são tão fáceis para crianças e adolescentes. Mesmo se não são criados numa família desunida, que briga muito, vítimas de violência, com carências alimentares ou de atenção, mesmo se não têm problema grave de saúde, todo ser tem que se virar com uma realidade que nunca é perfeita, que traz sempre suas frustrações e dores. A criança pode ser tão amada, protegida e ser sempre o centro de atenções que ela pode se sentir presa quando vai crescendo, ou apresentar sintomas fóbicos, de inibição ou de medo do exterior… e por ai vai. 

Quando uma criança é forte em um jogo, talvez haja aí algo a ser valorizado, uma construção de autoestima que pode lhe ser benéfica, se ela consegue a partir deste ponto ganhar mais confiança nas suas capacidades em outras áreas, como na aprendizagem escolar, por exemplo. E cabe aos pais permitir a criança de ter tempo livre para estudar, e para brincar, jogar.

Quando um adolescente estabelece uma amizade ou uma relação amorosa por internet, ele pode estar evitando um encontro físico que ainda lhe angustia. O laço social por internet pode permitir um preâmbulo a uma relação não virtual futura, talvez ao encontro da sua ‘cara metade’.

III Incidência dos jogos, dos telefones na prática clínica

A) Quando a adição aos jogos por internet levam à desescolarização

Recebi um menino de seis anos que estava sem assistir às aulas. O pai saia cedo para trabalhar e a mãe não estava conseguindo deixá-lo na escola. Ele empurrava a mãe, e já a tinha derrubado para pegar o telefone dela, se debatia e não a obedecia. Com o pai ele era mais obediente, mas este só estava em casa à noite ou nos fins de semana. Os pais eram do Marrocos, não tinham familiares por perto, a mãe tinha um nível de escolarização baixo, ela estava desamparada diante da situação. Antes da introdução dos jogos na família, ele era escolarizado normalmente no pré escolar. Quando os jogos entraram na vida das crianças o irmão mais velho já tinha 8-9 anos, ele não teve nenhum problema, continuou a ser um aluno sério e responsável. Os pais fizeram a hipótese que o mais novo, que tinha 4-5 anos, não soube fazer a diferença entre a realidade e os jogos, os jogos passaram a se tornar sua vida. Com o menino questionei como um campeão  nos jogos, estava ficando atrasado em relação aos colegas da escola. Depois de algumas consultas com os pais, com a criança, ele me fez um apelo à autoridade paterna, no dia que o pai o acompanhou à consulta: “acho que papai vai ter que me ajudar a voltar à escola”; e mostrou em seguida que se responsabilizou pelo seu sintoma, conseguiu associar o seu interesse pelos jogos com a posição de aluno.  

B) Quando telefone e internet contribuem com a clínica

Recebo uma jovem de 14 anos que já não vai à escola. Não recusa de estudar, fazer deveres em casa e mandá-los para correção na escola, etc, mas a mãe diz que desistiu de insistir, de levá-la à força, diante dos sinais de sofrimento da filha. Ela deixa a mãe falar. A mãe me explica que ela própria passou por um episódio depressivo grave, com tentativa de suicídio e necessidade de hospitalização. Durante este período, a prole foi acolhida pelo pai, que mora em outra cidade depois da separação do casal.

A jovem não queria vir consultar e quase não fala, na presencia e na ausência da mãe. Na sala de espera, esta sempre “ligada” ao seu telefone. Um dia, me interesso pelo que lhe interessa na Internet. Essa jovem tão quieta, tão silenciosa, passa seu tempo olhando danças dinâmicas, pequenas coreografias no seu telefone.  Ela está interessada  em jovens que dançam, que estão em movimento na vida, e que têm prazer com isso. Assisto com ela, e tento reproduzir a dança, ela ri.

A partir deste momento ela me fala. Ela pôde evocar o traumatismo que precedeu a sua desescolarização, quando foi rejeitada pelas amigas. Foi ainda mais doloroso porque isso ocorreu quando ela estava fragilizada pelos problemas familiares. Com as amigas, entre conversas e risos, ela tinha um ponto de apoio, era uma adolescente “normal”, podendo “esquecer” um pouco a então  dolorosa realidade familiar… Com essa abertura, ela aceitou em seguida um programa organizado pela assistente social, família e escola para uma volta gradual às aulas… Ela retomou o contato com alguns amigos e o caminho para um retorno possível às aulas. O fato de ter dado lugar e atenção na consulta ao interesse da jovem por seu telefone acabou abrindo portas.

IV Conclusão

Os adolescentes podem consultar Google para buscar respostas às questões que os intrigam, que podem ser enigmas para eles, questões que podem estar ligadas ao amor, ao desejo, ao ser e ao famoso “Quem sou eu?”

Os pais podem “perder o pé”, o prumo, na relação com filhos ligados aos objetos de consumo e às redes sociais, perdendo a familiaridade, a flexibilidade com este filho ou filha que podem ter dificuldade a reconhecer. Talvez valha a pena apostar que algo do que interessa aos jovens nas redes ou fora delas pode ser compartilhado, sendo fonte de um interesse comum, reatando laços.

1 Etre Parents au XXIème siècle. Des parents rencontrent des psychanalystes. Edt. Michèle, 2017, France


Por: DRª Virginia Pignot - Cronista e Psiquiatra.
É Pedopsiquiatra em Toulouse, França.
Se apaixonou por política e pelo jornalismo nos últimos anos. 
Natural de Surubim-PE.


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