NEGÓCIO DE FUTURO

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Maria Teresa Freire.


Éramos uma família grande. Cinco filhos. Meus três irmãos mais velhos. Eu e minha irmã. Por sorte, meu pai era muito rico para sustentar a todos nós. Ele tinha um dom especial para os negócios e enriquecera com trabalho árduo. Apesar de não ser um homem requintado, era honesto e dedicado às suas atividades. Tinha vários sócios em vários negócios, expandidos em vários estados. Seus sócios o apreciavam e respeitavam a sua verve para negociar. Mas, não era muito apreciado na sociedade, pois lhe faltava refinamento. Esse tal refinamento, que eu não entendia bem até que ponto era verdadeiro ou uma falsidade para ‘atuar’ na sociedade que valorizava muito as aparências. 

Meu pai não se preocupava com isso, contanto que seus sócios agissem corretamente com ele. Minha mãe, entretanto, queria ser aceita socialmente. Sobretudo, convidada para as festas sobre as quais ficava sabendo. Ela queria que suas filhas Tania (eu) e Tais (minha irmã) conhecêssemos homens bem colocados social e profissionalmente. 

Quando meu pai anunciou que pretendia ampliar seus negócios para o exterior, fomos à loucura! Minha mãe logo perguntou: “para qual país?” Aguardamos a resposta ansiosas: “para o Estados Unidos da América (EUA) e um país da Europa. Depende dos sócios com os quais estou tratando”. E aí veio a primeira bomba... maravilhosa: “Por isso vamos passar uma temporada no Rio de Janeiro (RJ), onde residem meus sócios principais, pois assim tenho mais flexibilidade de realizar as tratativas. Ir e vir o tempo todo, mesmo de avião, me cansaria e perderia tempo nos traslados todos”. Cautelosa, eu perguntei: “vamos todos?” Ele respondeu: “vamos nós quatro, eu, sua mãe e vocês duas. Seus irmãos cuidam dos negócios aqui e irão quando for preciso. Assim sua mãe para de me atormentar que vocês precisam conhecer ‘bons partidos’ para casar. Além disso, ela precisará de companhia”. Eu olhei para minha irmã e nos entendemos pelo olhar. Ficamos quietas. Não iríamos agir como curiosas, aborrecer o pai e fazer com que modificasse sua decisão.

A viagem foi marcada para dali um mês. Tudo providenciado pelo secretário de meu pai, sem nenhuma nos consultar. Meu pai tinha essa mania. Esperava que a esposa e seus cinco filhos (três homens e nós duas) concordassem com suas decisões.  Ultimamente, os filhos, sobretudo eu, nos opúnhamos à algumas delas. Meus dois irmãos mais velhos defendiam certas posições suas em relação aos negócios e estavam corretos. No caso da viagem não iríamos argumentar pois era do nosso interesse. Então, tínhamos que arrumar as malas, somente. 

Chegamos ao RJ. Uma manhã ensolarada e quente. Como normal. Havia uma moderníssima van nos esperando, grande o suficiente para nós quatro e toda a bagagem. Muita bagagem. Só o básico. Faríamos compras no Rio. Meu pai se horrorizou com o extra que pagou para despachar a bagagem, no aeroporto. Coisas de mulheres. Aliás, de três mulheres. Que encontraram na quantidade de bagagem um modo de se rebelarem.

Fomos para um hotel cinco estrelas na Barra da Tijuca. Meu pai preferia que minha mãe resolvesse sobre a compra do nosso imóvel. Ela escolhendo não haveria reclamações futuras. Meu pai não se incomodava muito com a moradia, contanto que fosse muito espaçosa e confortável. No dia da chegada, acomodamo-nos, desfizemos as malas e almoçamos no hotel. Fomos avisadas que no dia seguinte haveria um jantar na casa do sócio principal de meu pai. Então, resolvemos que precisávamos de vestidos novos elegantes. À tarde fomos ao shopping à procura de lojas de grife. O jantar deveria ser refinado tal qual o anfitrião, como meu pai comentou. Tais e eu decidimos que chamaríamos atenção pela elegância, pois possivelmente estriam esperando duas mocinhas broncas.

Como eu tinha tez mais morena, cabelos castanhos escuros com olhos castanhos esverdeados (como minha avó paterna) eu escolhi um vestido verde água, de corte simples, mas que realçava minha silhueta longilínea e valorizava meus olhos. Tais, de tez mais clara e cabelos e olhos castanhos claros escolheu uma cor mais forte para destacar seu tipo mignon (como minha mãe).

Ao chegarmos, fomos recebidos no hall pela irmã do anfitrião que se apresentou junto com o marido. Ela chamou: “Marcos, a família Gonzaga chegou”. O tal Marcos se virou, estava conversando com amigos, olhou a todos nós, fixou o olhar em mim, observando-me da cabeça aos pés. Fiz o mesmo com ele, quase sem fôlego. O homem era novo, em torno de 30 anos e bonito como...sei lá o que...nem conseguia comparar. Mantive a fleuma inglesa (como dizem). Ele veio nos cumprimentar, muito educado e fino. Arrogante. Manteve o aperto de mão comigo bem mais longo do que com os outros, olhando fixamente nos meus olhos. Mantive o olhar e o aperto de mão. Acompanhou-nos para o interior do imenso apartamento com grandes janelões e varanda, proporcionando uma vista espetacular da Barra da Tijuca. E nos apresentou aos outros convidados.

Todos olhavam surpresos as filhas do Sr. Gonzaga, ainda que disfarçadamente, esperando duas moças sem graça. Sem inteligência, certamente. Deparam-se com duas mulheres bonitas, elegantes, educadas. Bem, eu não era tão educada, mas minha mãe me implorou para eu ter bons modos e causar boa impressão nos sócios de papai. Eram negócios com empresas do exterior e eles eram cruciais, pois intermediavam as negociações. 

Eu não esperava que o sócio principal, Marcos Almeida de Castro, fosse jovem, impressionantemente carismático e viril. Não deixei que percebesse a forte impressão que me causara. Mesmo assim, continuava achando-o arrogante. Os outros convidados começaram a conversar conosco, e passamos a falar sobre viagem, em especial a Europa, onde tínhamos estado algumas vezes. Marcos ficou de longe observando, enquanto se reunia com meu pai e outro amigo. Eu sentia seu olhar sobre mim, me acompanhando onde eu ia. No jantar, colocou-me sentada perto dele. Entabulou conversa comigo, monopolizando minha atenção por algum tempo. Perguntava minha opinião sobre vários assuntos. Percebi que gostava de mulheres com opiniões definidas. Apesar dos meus 23 anos eu tinha opinião formada sobre várias questões.

Um dos sócios de Marcos, solteiro, reparou a minha personalidade expansiva e tratou de me abordar de forma insinuante. Foi ele que apaziguou uma troca de farpas entre Marcos e eu sobre determinado assunto. Eu estava correta, mas Marcos não gostava que o contradissessem. Benjamim, o sócio insinuante, desviou a conversa e aliviou o clima tenso.  Meu pai e minha mãe ficaram furiosos, queriam que eu me desculpasse. Nem pensar!

Dias depois, meus pais resolveram retribuir a gentileza da recepção oferecendo um jantar no nosso recém adquirido apartamento, também na Barra da Tijuca. Eu teria que receber o arrogante e ainda ser educada como anfitriã. Ele chegou com a irmã e o cunhado (também sócio). Também vieram dois diretores com as esposas. O amigo sedutor e o outro casado com uma mulher linda e extremamente gentil. Ao redor da mesa a conversa fluiu espontaneamente.  Eu ria muito dos casos engraçados que Benjamim contava. Marcos estava quieto, às vezes me olhava muito sério, arqueando a sobrancelha. Ele desviou a conversa para esportes. Ao me perguntarem das minhas preferências esportivas, eu disse que gostava de vários, mas aproveitaria os esportes aquáticos no Rio. Marcos comentou irônico “pensei que gostasse da leitura de romances”. Ignorei a provocação e completei debochada: “ah! Também gosto das compras, é um esporte fascinante”. Ele olhou-me com ar de desdém. Deveria me achar perdulária e fútil. 

Uma manhã jogando vôlei de praia eu me machuquei ao cair para rebater uma bola. Contundi o braço e a perna esquerdos. Uma dor lancinante me estonteou. As parceiras ligaram para minha mãe que avisou meu pai. Ele veio rapidamente com quem? Com Marcos! Muito preocupado, ele foi solícito, chamou a ambulância e foi junto para o hospital. Nossa, nunca tinha visto o homem tão gentil. Após exames, o laudo foi uma luxação grave no braço esquerdo; a perna havia sofrido uma contusão muscular leve na coxa; a fisioterapia foi indicada pelo médico. Marcos, não mais mal humorado e rabugento, levou-me para a clínica de uma fisioterapeuta conhecida e solicitou o melhor personal trainer. Pasmem! O homem estava cuidando de mim com desvelo! 

Benjamim, o sedutor, também me visitava com frequência, fazendo-me companhia para eu me distrair, pois não podia praticar nenhum esporte. Marcos demonstrou irritação com isso. Estranhei, mas nada comentei. Os convites dele para sairmos se intensificaram e eu apreciava muito. Meu pai até comentou que ele se ausentava do escritório, permitindo que os diretores resolvessem os negócios. A companhia dele era estimulante. Nós dois conversávamos, discutíamos, discordávamos e voltávamos a conversar, numa boa.

Em uma tarde bem quente, Benjamim apareceu para me levar a passear. Iríamos para a serra, Friburgo, onde ele possuía uma propriedade, para fugir do calor. Imaginei que passaríamos somente o dia. Entretanto, a noite chegou e ele disse que seria melhor irmos no dia seguinte logo cedo. “Já avisei seus pais”, explicou-me ele. O dia seguinte chegou, ele levou-me para passear pela redondeza. Um lugar muito bonito e agradável. A noite chegou e novamente “vamos amanhã cedo”. Ele estava atencioso demais. Até meio carinhoso, eu me esquiando. Procurei meu celular e não encontrei. Começando ficar apreensiva, perguntei ao Benjamim. Também não o tinha visto. “Nem consigo usar o meu, pois estamos sem conexão”, explicou ele. “Podemos tomar um vinho e apreciar esta noite estrelada”, falou com aquela voz especialmente sedutora. Eu, hein! Reclamei da dor no braço e fui me deitar. Tranquei a porta. 

No terceiro dia eu estava ficando furiosa com a enrolação dele, quando chega um carro em velocidade. Freia bruscamente e quem era? Marcos!  Furioso, ele se dirige ao Benjamim: “você está louco? O que está fazendo? Todos preocupados com Tania e você bancando o raptor! Vamos nos entender depois. Tania pegue suas coisas e vamos embora”, exclamou Marcos maravilhosamente bravo. “Alguém fica ‘maravilhosamente bravo’? Sei lá... Ele ficou!”

De volta ao Rio, foi um tal de dar explicações, mas como Marcos tinha crédito total com meus pais o que ele disse foi aceito sem questionamentos. Carro quebrado, sem conexão com internet, estrada com deslizamento, enfim uma boa narrativa sem incluir tentativa de rapto, nesse caso, romântico. Tudo se acalmou. Ao se despedir, ele me pediu que o acompanhasse. “Tania, você está proibida de falar com Benjamim, sob qualquer pretexto!” Aí eu fiquei irritada!  “Desde quando você me proíbe de alguma coisa, sr. Marcos Almeida de Castro”! Ele raivoso responde “desde o momento em que você corra perigo, me deixe louco de preocupação e eu não tenha sossego enquanto não saiba que você está segura!”. Com isso, me deu um beijo agressivamente sensual, me largou estatelada na porta e saiu rápido. 

No dia seguinte esperei contato dele. Nada. À noite meu pai avisa que estão organizando a viagem à França, o país cujos contatos tinham se fortalecido durante a troca de informações e os negócios seriam concluídos lá. Marcos viria um pouco mais tarde para saber da minha saúde e consequente disposição para uma viagem longa, pois sabia que iriamos juntas (as três) com meu pai. Quando ele chegou, eu fiquei quieta e bem séria. Perguntou-me como estava meu braço e eu informei que estava recuperado. Parecíamos dois estranhos. Ele se dirige ao meu pai e pergunta: “posso conversar com sua filha em particular, sr. Gonzaga?” Meu pai aquiesce: “podem usar o escritório”. Levantei-me e ele me seguiu. Fechou a porta do escritório. 

Olhou-me carrancudo: “que diacho! Você não sai da minha cabeça! Penso em você noite e dia! Nunca me aconteceu isso! Tenho 33 anos, tive várias mulheres na minha vida e nenhuma se entranhou em mim desse jeito”. Eu fiquei totalmente espantada. Aquele arrogante lindo de morrer estava confessando o que, afinal? Repentinamente, ele pergunta: “você está bem para viajar? Eu posso atrasar a viagem, se for necessário. Mas, você tem que ir junto. Não conseguiria ficar longe de você mais de um dia”.  Com a verdade (mesmo que estivesse entrelinhas) se esclarecendo em minha mente perguntei: “Marcos, o que você quer dizer com tudo isso?” Nossa, o homem ficou quase colérico com a minha incerteza: “você é uma mulher inteligente, não se faça de desentendida. Eu a amo!” Aí espantei-me mais ainda. O homem me amava e ficava bravo? Com cautela perguntei: “você fica bravo porque me ama?” Ele me olhou, percebendo minha fisionomia aturdida e se acalmou (um pouco): “fico bravo, pois estou perdidamente apaixonado por você, que me dá trabalho, me inquieta com seu vai e vem, me desafia, me acalma, me faz falta, me completa e passou a ser a pessoa mais importante da minha vida. Chega isso? Ou precisa que eu explique mais?” Emocionei-me e caí nos braços dele.

Nosso dia da viagem à França chega.  À Paris, precisamente. Serão 10 dias em que os empresários se encontrarão para finalizar os acordos e assinar os contratos. Assim que chegamos, houve um jantar de recepção. Ao saberem que a família do M. (monsieur) Gonzaga estava junto, fomos prontamente incluídas no convite. O jantar foi refinado, acompanhado pelos melhores vinhos franceses e muito agradável. Eu e Tais falávamos francês (dava para uma conversação simples) e, portanto, nos comunicamos muito bem com os franceses, causando uma impressão diferenciada nos empresários. Enquanto as reuniões aconteciam durante o dia, eu, Tais e mamãe saímos a passear por Paris e, obviamente, a fazer algumas compras. À noite, saímos para jantar, assistir excelentes shows. Algumas noites, eu e Marcos sozinhos. Como não desfrutar do romantismo parisiense? 

Em uma tarde em que mamãe e Taís estavam um pouco cansadas, resolver caminhar pelos arredores do hotel. Todavia, fui caminhando distraidamente e acabei por perder a direção do hotel. Eu me lembrava do nome do hotel, mas não do endereço. Novidade? Havia deixado o celular no quarto. Estava escurecendo e fui ficando apreensiva. Perguntava para várias pessoas e não conheciam o hotel. As pessoas que transitavam não saberiam sobre hotéis cinco estrelas em Paris somente pelo nome, sem o endereço. Finalmente, encontrei um gendarme (guarda militar) que me levou até o hotel, que estava em polvorosa. 

Marcos estava louco, dando ordens a todos, mobilizando a todos para me encontrarem. Quando eu cheguei acompanhada do gendarme, ele ficou parado, estático me olhando por alguns segundos. Depois perguntou suavemente: “o que aconteceu?” Pensei que você tivesse sido sequestrada”; se eu não tive um ataque cardíaco dessa vez, não terei mais”. Abraçou-me, sentou-se comigo no sofá e disse ao meu pai: “Tomas, eu serei obrigado a amarrar sua filha em mim; uma corrente no braço dela e no meu; assim ela não me cria essas situações apavorantes que me deixam alarmado e desesperado”. Meu pai rindo respondeu: “agora entende o que eu passo; case-se com ela, assim poderá saber o que ela está fazendo a cada minuto”. Marcos respondeu muito compenetrado: “é o que eu farei agora mesmo, se for possível!” Eu, ao ouvir a conversa dos dois, falei: “ops, eu preciso concordar ou não com isso! Marcos virou-se para mim e com um olhar ansioso falou: “Tania, meu amor, não complique mais essa situação inquietante. Você quer casar comigo, por favor?” Eu, rindo, respondi: “por conta desse pedido numa situação inusitada, eu caso sim”. Ouvi Marcos replicar, ainda que baixo: “que alívio!”

Casamo-nos na volta para o RJ. E foi um super casamento. Marcos era muito conhecido. Família, amigos, empresários que se relacionavam com ele. E minha mãe deixaria por menos?  Ela também quis toda pompa e circunstância. Eu, impaciente com todo aquele reboliço de antes, durante e depois, ouvi do meu marido: “estaremos no foco das atenções sempre meu amor. Eu nunca me casei. Estão todos curiosíssimos para conhecerem a mulher que me ‘fisgou’, finalmente”. Eu completei: “fomos ‘fisgados’ os dois. Desde o primeiro olhar no primeiro jantar, no seu apartamento”. Marcos olhou-me atentamente: “eu sempre gostei de mulher que soubesse rir. Rir gostoso. Depois que eu ouvi sua risada, que me impressionou naquela noite, eu pensei: vou me casar com essa mulher. Aqui estamos, casados, por fim”!

Por: Maria Teresa Freire - Jornalista, Escritora, Poeta, 
Presidente da AJEB – Coordenadoria do Paraná.



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