NATUREZA ENVOLVENTE

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Maria Teresa Freire.


A manhã ensolarada me convida a sair da cama. Um clima de verão em que o ar outonal se imiscui, refrescando o ar e permitindo, ainda, que o sol brilhe forte. O cenário é um chamamento para a vida ao ar livre. Não posso recusar esse convite. Portanto, vou ao encontro da vida pujante.  

Estou passando uns dias na fazenda dos meus avós maternos. Gosto muito de estar na fazenda, pois cursando veterinária me interesso pelos animais, obviamente. Coleciono os pequenos e cuido dos grandes. Todo bicho ferido, doente ou frágil é a minha fraqueza. Adoto todos que posso e na fazenda dos avós eu tenho espaço para abrigá-los. Os dois ficam doidos com tantos bichos que arranjo para cuidar. Mas, me apoiam e até reformaram um velho galpão para ser o teto dos animais. Vovô diz que parece um hospital e vovó me ajuda com a alimentação, os medicamentos e os cuidados com todos.

Contaram-me que o dono da fazenda vizinha é veterinário, caso eu precise de um auxílio especializado. Um rapaz novo, que coloca em prática várias técnicas inovadoras para manter seu gado saudável e produtivo (gado leiteiro e de corte). Também cria cavalos em outra área adquirida que anexou à sua fazenda, bem separada do rebanho.  “O jovem veterinário foi convidado a dar aulas na Universidade”, comenta vovô. “Creio que seja onde você estuda, Beatriz!”, complementa. Fico a matutar.

Uns dias depois, em minha caminhada diária, um cavaleiro montando um baio puro-sangue castanho se aproxima e para, cumprimentando-me. Apeia e se apresenta como o vizinho da fazenda limítrofe com a nossa e pergunta se eu sou a neta dos Teixeira. Conversamos um pouco, ele segue caminho e eu também. 

As férias terminam e eu retorno para casa e para os estudos. Na primeira semana, o Curso prepara algumas palestras e quem eu encontro em uma delas? O Vizinho! Ele explanará sobre novas técnicas de aproveitamento de pasto. Fiquei surpresa! Ele parecia bem jovem. Entretanto, já é doutor em Veterinária. Ao terminar a palestra, os alunos começaram a sair do auditório e ele me chamou. Voltei-me e ele falou: “poderíamos conversar um pouco, Beatriz?” Eu respondi: “claro, professor!”, visto que não teria como me negar. Todavia, a conversa foi agradável, pois ele era inteligente e abordava vário assuntos, não somente veterinária ou animais. Como eu tinha outras aulas, tive que deixá-lo. 

Algumas festas foram organizadas por alunos e pelo centro acadêmico em que ele foi convidado. O Curso preparou um coquetel de boas-vindas aos novos professores e de agradecimento aos palestrantes. Ele estava nos dois grupos pois ficaria como professor também. As alunas e algumas professoras volteavam em torno dele para atrair atenção. Solteiro, bonito e fazendeiro a mulherada desimpedida estava doida para conquistá-lo. Fiquei observando-o de longe muito simpático e sedutor, principalmente com uma das professoras mais jovens (com um gênio terrível camuflado de cordeirinha). Aquilo não me agradou muito, mas eu não tinha nenhum relacionamento sério com ele, portanto que se derretesse com as garotas ‘oferecidas’. 

Ele e a tal professora começaram a sair juntos. Contudo, ele voltou a me procurar e soube que eu cuidava de animais feridos, com doenças, defeitos físicos ou abandonados. Eu abrigava alguns desses animais na minha casa e muitos na fazenda dos meus avós. Em um dos nossos contatos, pediu-me para eu contar sobre o meu trabalho e encantou-se. A minha sensibilidade para lidar com animais fragilizados era um aspecto diferenciado no meu comportamento. Impressionado, ele pediu: “Beatriz, eu poderia conhecer os locais em que você abriga esses animais todos?” Então, eu o levei à minha casa e à fazenda. Ele ficou surpreendido com o comportamento alegre dos bichos quando me viram chegar. Não havia somente cães e gatos, mas vários outros: ouriço, furão, hamster, pássaros, coelhos entre outros. Na fazenda, muitos mais, até um burro. Minha mãe, cúmplice e cocuidadora (a palavra passou a existir), ajudou a explicar nossa rotina com os bichos.  Também tínhamos um empregado que ajudava com tudo. Meu pai, como ele dizia, precisava trabalhar demais para sustentar todo o aparato. Entretanto, da fazenda vinham as frutas, legumes, verduras e leite. O veterinário (outro) era nosso amigo, engajado na campanha de proteção aos animais e também ajudava. Assim, seguíamos em frente, abrigando animais que morreriam sem a nossa atenção.   

Depois da primeira visita, Rafael (não era mais o professor universitário) passou a frequentar nossa casa e a fazenda mais ainda; era fácil, era vizinho. Levava rações variadas e ajudava nos cuidados com os animais que se acostumavam com ele. Nas folgas e nos feriados eu ia para a fazenda e ele também, uma vez que precisava cuidar da dele. Conheceu meu pequeno ‘zoológico’ e meus avós. Lá tínhamos dois empregados que ajudavam a cuidar dos bichos, pois eu não estava sempre presente, por conta da Universidade. 

As visitas de Rafael, não eram somente por interesse aos animais. Por interesse à mim, eu comecei a perceber. Também saíamos para outros passeios: cinema, concertos, shows, almoços, jantares. Na Universidade tomávamos café juntos, durante os intervalos. O pessoal já comentava se namorávamos. Eu não dizia nada. Nem ele. 

Até que um dia, convidou-me para jantar e durante a conversa desviou para falar sobre nós dois. Disse-me muito sério: “Beatriz, eu não quero ser simplesmente seu amigo e companheiro de passeios. Eu quero namorá-la. Com intenção de ser seu companheiro de vida. O que você quer de mim?”  Eu o olhei igualmente séria e respondi: “eu também quero a mesma coisa.” Ele completou: “diga-me claramente o que você quer, Beatriz”. Eu declarei: “namorá-lo com intenção de ser sua companheira de vida”. 

Como namorados, compartilhávamos nossos interesses, que certamente, eram principalmente os animais. Ele não me recriminava quando eu arranjava um novo animal que precisava de cuidados. Na realidade, ele se impressionava com a minha capacidade de relacionamento com os bichos. Atendiam minhas ordens que eram dadas com firmeza, sem agressividade. E quando precisavam, eu os acarinhava e acalentava. Bichos também precisam de carinhos. 

Em um almoço em casa, meu pai descaradamente perguntou: “vocês estão namorando há algum tempo. Quando vão se casar? Eu preciso me livrar desses animais todos aqui de casa. Leve-os para a fazenda do seu futuro marido!” Eu muito envergonhada falei: “pai, o que é isso? Você nunca reclamou dos bichos”. Rapidamente meu pai replicou: “eu não tinha para quem”. Minha mãe não deu atenção. Rafael rindo respondeu: “sogro, o senhor tem razão. Primeiro vamos providenciar o casamento. Depois, que nos instalarmos, vamos pensar em remover os bichos. Mas pretendo deixar alguns aqui para vocês não perderem o hábito de cuidar deles”. Eu muito surpresa fiquei a olhar os dois, meu pai e meu namorado (futuro marido, conforme meu pai) rindo muito. Rafael finalizou me dando um beijo estrondoso na frente dos dois! O casamento viria logo.

Por: Maria Teresa Freire - Jornalista, Escritora, Poeta, 
Presidente da AJEB – Coordenadoria do Paraná.



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