A ANATOMIA FEMININA COMO REGULADOR DA DOMINAÇÃO

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Arlinda Lamêgo.


É imenso o desafio de revisitar o protagonismo feminino. Neste início do século XXI, encontra-se preservação de violência no contexto da tessitura do feminino como sujeito, seja psicológica ou física, em tom neoconservador. As transformações socioculturais, políticas e tecnológicas validam os rastros, silêncios e ausências dos direitos femininos. O panorama na visibilidade dos direitos sexuais e reprodutivos se repete na problemática de resistências e críticas contra igualdade de gênero, aplicabilidade e enfrentamento. 

A origem simbólica na representação clássica greco-romana para o sexo feminino está na representação do mito-símbolo de Pandora, narrado na obra de Hesíodo da criação da primeira mulher mortal. Afigura-se como um constructo na história da Humanidade como maléfico e não uma dádiva no futuro sociocultural dos seres humanos. Pandora é uma raça maldita, embora imprescindível, concomitantemente origem e fim, flagelo terrível para os mortais, um mal para os homens, sem nome e sem vida. Na figura arquetípica da mulher original começa a degradação da Humanidade. 

Zeus construiu Pandora como modelo de mulher, com um corpo semelhante às deusas e virgens, espelha Afrodite, Hera e Atena. 

Ao destampar a jarra trazida do Olimpo, que recebera como presente de núpcias, deixou sair todos os males e desgraças que atormentariam a vida humana. Apenas a ‘Elpis’, a Esperança ficou. Os homens viviam em harmonia com os deuses. A partir daí, o trabalho faria parte da existência, com vida difícil e precária. Pandora simboliza males e contradições da existência. Os homens passam a nascer das mulheres no paradoxo de ser a origem da condição humana. Corporiza sacrifício, trabalho agrícola e o casamento. Diferentemente de Eva, Pandora não foi criada para complementar o homem (Génesis, II, 2). É confrontação da mortalidade que nega a imortalidade. 

A Bíblia hebraica traz uma metáfora da criação da mulher com a costela de Adão.  O padrão ideal para as mulheres virtuosas é a submissão integral a seu marido, que deveria amá-la mesmo com a própria vida, se preciso. Deus criou o Éden para abrigar o homem e a mulher, onde o pecado não poderia habitar. O consenso ancestral culpabilizou as mulheres pela atitude de Eva na Bíblia. O empoderamento dos homens veio com a primazia de serem semente de fecundação das mulheres. 

Eva inaugurou o feminino. A mulher seria naturalmente má, indigna de confiança, moralmente inferior, amaldiçoada a uma culpa eterna. Culpabiliza-se Eva por seu próprio pecado, do pecado de Adão, do pecado original da humanidade e da morte do Filho de Deus. Se o inferno é aqui, é culpa da mulher.  Eva diz, em Gn. 3:13: “a serpente me enganou” e Adão culpabilizou Eva e o próprio Deus. (Gn. 3:12). Disse: “a mulher que me deste por esposa”. A restauração da humanidade viria por Jesus Cristo.

Deus criou Adão à sua imagem e semelhança no sexto dia da criação. Adão considera Eva como um bem que possui, não reconhece sua alteridade constitutiva, de ser o outro, não a trata como sujeito.  Tenta controlar o que lhe escapa. Pela perda, a relação humana é afetada.   Diante da parte que não tenho e que não sou, o outro traz o medo da diferença e insegurança. Lembra que não sou tudo. O outro é um mistério e cada um é um mistério para si mesmo. O outro traz o que não espero, mas espera do outro o que se quer. Há singularidade na diferença, originalidade, particularidade, peculiaridade.

Joseph Campbell especula hipótese subliminar  e implícita de uma Deusa-Mãe presente no relato de Gênesis. Fala dos povos antigos do Paleolítico e do Neolítico, culto à Mãe Terra, Mãe Cósmica ou Deusa Mãe. 

A filosofia moderna tem na alteridade a centralidade e relevância ontológicas de realidade não essencial.  Ser o outro é um exercício de se colocar no lugar do outro, de perceber o outro como uma pessoa singular e subjetiva. Respeitar esse fato é reconhecer, não só empatia, mas compreender  sentimentos.

Na divisão histórica, há uma intersecção na sociedade a que se pertence.  O significado é discriminatório, impreciso e confuso na teoria crítica pós moderna, sem relevância ou irrelevância. Na América Latina, o contexto histórico-político do mundo pós-colonial é plural. O gênero tem oposições binárias, diferenças, dissensões e contestações, mesmo que mais mulheres assumam lideranças de autoridade. Há violência doméstica e violência de gênero, tolerância social complexa, expressões e discursos midiatizados por classe, etnia, religião e gênero. 

Nas religiões, a matriz nas práticas afro e entre as ativistas indígenas constrói um cotidiano de corporeidade, gênero e sexualidade com mecanismos hermenêuticos na luta sócio-político-econômica. A domesticação de assimetria de poder, com abusos e estupros. Processos somatórios como idade misturam texto e imagem, fusão ou separação entre gêneros na rede socialmente construída na interpretação não homogênea e não unificada.

A domesticação intrínseca está no cotidiano de corporeidade. Gênero e sexualidade têm mecanismos de engenharia central. Estudos mostram que a mulher é interrompida ao falar mais de 130% que os homens. Presta-se mais atenção quando o homem fala em relação à mulher. É comum se dizer que a mulher está naquela reunião porque é bonita, encarar a mulher como seres inferiores, insuficiente para entender determinado assunto. Muitas das vezes ela tem mais domínio do assunto. São formas de calar a voz da mulher. 

Trabalha-se a   submissão feminina à vontade masculina. A aplicabilidade da interseccionalidade pós-colonial conclui uma ideologia de religião e sexualidade pelas intolerâncias, através de opiniões e atitudes opostas na igualdade de direitos dos gêneros. 

Por: Arlinda Lamêgo - Recifense, Médica, Escritora e Poeta.


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