A VELHICE

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José Vieira Passos Filho.


Essa semana eu ti vi, estavas sentada numa cadeira de balanço, sozinha; olhar distante. Os outros passavam por ti, nem se dignavam cumprimentar-te. Nem ligavas. Era como se tu as estivesse vendo, sem ver. Teu olhar mostrava pensamentos vagos, fisionomia de quem está procurando algo, sem saber o que. E eu a te olhar, ali sozinho, sentado no banco da praça. Levantastes e caminhastes em minha direção, fiquei esperando por uma indagação tua, cheguei a esboçar uma conversa para quando chegastes mais perto; meia volta e tomastes outra direção. Passos lentos, olhavas para os lados, como a reconhecer o cenário por onde passavas. Aqueles que estavam às portas balbuciavam palavras, abanavas a mão direita, não falavas, apenas gesticulavas. E lá vai tu, como perdida no tempo. Eu fiquei acompanhando teu vulto até entrares no teu abrigo. Subi um pouco o olhar para vislumbrar o entardecer. O dia que havia começado ensolarado e quente estava perdendo vigor para dar lugar a uma noite fria e com poucas luzes. Comparei o dia à tua trajetória, que muito bem conhecia. Lancei o olhar para a cruz da igrejinha que estava no alto, à minha frente; estanquei o choro, fechei os olhos, comecei a recordar um tempo que ainda está bem presente em minha memória.

Conheço tua história, amiga, desde o comecinho, porque ela me foi contada com detalhes por tu e por ele, teu marido, nas muitas vezes em que vocês vinham nos visitar, e, depois, quando já moravam na cidade. Foram tantas as noites nos finais de semana que passamos juntos naquela mesma calçada da casa que te vi há instantes; recordávamos nossos antepassados e nossas próprias histórias. Vocês, eram de um vigor e entusiasmo contagiante. Varávamos a noite conversando naquele friozinho gostoso do nosso lugarejo. Tinhas um incontável repertório de anedotas, de histórias engraçadas. O cancioneiro da música popular também era insuperável. E os poemas matutos declamados pelo teu esposo, que maestria! Quanta saudade! Tudo está gravado em minha memória. Quanto aprendi com os dois! Quanto agradeço por ter tido a oportunidade de conviver com vocês!

Ah, a velhice! Cheia de limitações. Felizmente que a medicina tem avançado muito e pelo avanço ou pela própria pessoa, existem velhos que dão vida aos anos e que encontram flores na sua caminhada, usufruem as flores e ainda distribuem aos que estão ao seu redor.

Hoje, parceira, não vamos mais àquela calçada para conversarmos. Nem mais podemos ouvir os poema declamados por teu esposo. Ficam as lembranças que estamos transmitindo aos nossos filhos e netos. Para que eles também possam informar aos seus netos, de forma que fiquem perpetuadas na memória daqueles que passaram pelo nosso lugarejo. Ah, amiga, espero que fique conosco por muitos anos ainda.

Por: José Vieira Passos Filho - Pres. da Academia Alagoana de Cultura, Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, Sócio Efetivo da Academia Maceioense de Letras, 
Sócio Honorário do SOBRAMES (AL), Sócio Efetivo da Comissão Alagoana 
de Folclore. Presidente da ALB de Alagoas.


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