ASSASSINARAM O PIANISTA

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 Drª Virginia Pignot.

Uma carreira destruída

O filme de animação They Shot the Piano Player, Dispararon al Pianista em espanhol conta a história extraordinária e trágica do talvez maior pianista do Bossa Nova brasileiro, Francisco Tenório Júnior. O filme se passa essencialmente em três cidades: Rio, Buenos Aires e Nova York.

O desenho é magnífico

O pianista foi assassinado pela estupidez humana nos porões da ditadura militar argentina. Ele tinha deixado os estudos de Medicina para se dedicar à música. Nesta família harmoniosa e amorosa, seu pai, apesar de não aprovar muito a sua escolha, respeitou a paixão e o talento do filho, lhe ofereceu um piano. Compositor virtuoso, Tenório Jr. se tornou um dos ídolos da noite carioca, convidado da TV Cultura, acompanhando grandes nomes da MPB. Durante uma temporada musical na Argentina, acompanhando Vinícius de Moraes em Vila Del Mar, seu destino desabou.

Estupidez Humana

Inteiramente dedicado à música, ele não estava ligado à qualquer grupo político e muito menos revolucionário. Teve a má sorte de se encontrar na Argentina na época do golpe militar, de estar na época de barba e cabelos longos, e de ter saído do hotel depois do show para buscar algo para comer. Foi sequestrado assim, pela sua aparência de jovem barbudo. O serviço secreto da Argentina contactou o brasileiro, no qual nada constava de suspeição contra ele. Mas, como o tinham sequestrado arbitrariamente, e torturado um inocente, preferiram matá-lo com um tiro na cabeça e jogá-lo ao mar. Tudo isso só se desvendou anos depois, mesmo se houvesse suspeição da participação das forças armadas argentinas. Um oficial argentino arrependido que participara do seu “desaparecimento”, veio ao Brasil e deu entrevista à televisão brasileira, expondo os fatos, talvez à custa da própria vida.

Um filme sobre música, política e memória

Apaixonado por jazz, o realizador filmava no Brasil nos anos oitenta, e comprou muitos discos dos anos 60-70, época dourada da Bossa nova. Começou a pesquisar sobre a vida deste jovem pianista talentoso e descobriu seu desaparecimento misterioso. Em seguida fez um trabalho quase policial de investigação, visitando lugares que frequentou antes do seu desaparecimento, começou a entrevistar músicos que o conheceram, família... acabou encontrando o comerciante que foi testemunha do seu sequestro... Além das entrevistas, com Vinícius, João Donato, Gilberto Gil, a animação permite de recriar belas paisagens cariocas. A partir de fotos, gravações e filmagens, bares que foram pontos altos da noite da bossa-nova no Rio e que já não existem revivem, com excelentes encontros musicais. Em um destes momentos a grande cantora de jazz americana Ella Fitzgerald deixou o Copacabana Palace, onde estava hospedada, assim que terminou seu show para ir dançar e cantar, de pés descalços, em um destes bares.

Realizador e artista plástico, dois gigantes

Vamos falar um pouco da obra do realizador e artista gráfico à origem do projeto, Fernando Trueba e Javier Mariscal. Os dois já realizaram juntos um primeiro filme de animação, Chico e Rita. Fernando Trueba ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro em I994 com o filme Belle Epoque, além de muitos outros filmes para o cinema e televisão; escreve sobre cinema para o jornal El Pais; escreveu um dicionário do cinema e outro do jazz... Javier Mariscal é o produtor gráfico que realizou o belo filme de animação Josep, que ganhou o César do melhor filme de animação em 2021, conta a história real de Josep Bartoli, grande artista que viveu em Nova York, depois de combater o ditador espanhol Franco e ser exilado na França. Como diz F. Trueba com um artista como Javier (no desenho), estamos mais próximos de um Picasso, de um Matisse, de Kandinsky, que dos desenhos de Walt Disney.

A memória do músico vítima inocente 

Interrogado sobre a razão deste mergulho na MPB e nos “anos de chumbo”,Trueba diz que a nova geração não conhece a história. “Contamos aqui a história através de pedaços da memória das pessoas. A memória da música é importante, a memória histórica também, como a do pianista, vítima inocente completamente esquecida.”  Conhecer a nossa história, evitar erros do passado.

Por: Drª Virginia Pignot - Cronista e Psiquiatra.
É Pedopsiquiatra em Toulouse, França.
Se apaixonou por política e pelo jornalismo nos últimos anos. 
Natural de Surubim-PE.
Correspondente da França.


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