AS PARTEIRAS LEIGAS DO SERTÃO DE ANTIGAMENTE

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No Distrito de Aracatiaçu, Município de Sobral, localizado no Norte do Estado do Ceará, vivia a Dona Chiquinha Aparadeira, que era a única aparadeira (Parteira) existente naquela vasta região sertaneja e que, devido a ausência na referida vila de médicos e de outras parteiras, tinha aparado praticamente, todos os nenéns que nasceram nos últimos 30 anos naquela região do sertão seco, quente e pobre do Ceará. 

Para aplacar as dores do parto, Dona Chiquinha Aparadeira, procurava acalmar a parturiente, para melhor suportar as dores das contrações uterinas e para que tudo desse certo. Dona Chiquinha pedia as mulheres presentes que rezassem as orações dos dois santos protetores de parto, São Raimundo Nonato e  Nossa Senhora do Bom Parto. São Raimundo Nonato era também protetor dos vaqueiros.                   

Além das orações, Dona Chiquinha recomendava que a gestante  soprasse na boca de uma garrafa vazia, cheirasse cebola vermelha cortada, para espirrar e assim provocar a parição, que mascasse fumo de rolo e fumasse cachimbo. Era crença na região que o tabaco ajudava a dilatar a pélvis, daí o nome de cachimbeira, dado as parteiras que indicavam o uso de cachimbo (tabaco) para suas clientes durante o trabalho de parto.

Nos partos mais difíceis, quando o bebê vinha laçado no pescoço com o cordão umbilical, ou quando existia risco de morte da parturiente ao dar a luz, quase sempre, os familiares iam até a Fazenda Aracati pedir a minha avó paterna, Antônia Valdemar Mendes, que também era uma parteira prática (parteira tradicional), porém mais qualificada, para ajudar a aparar o bebê. Quando isto ocorria, minha avó preparava sua “bolsa de parto”, contendo tesoura para cortar o umbigo, linha zero para amarrar o umbigo, luvas e álcool para desinfetar a tesoura, a linha zero, as luvas e as mãos. Pendurava o leve “banquinho de parir”, feito de madeira de mulungu, na parte de trás da sela do animal e, sem demora, sentava de lado no silhão de sua égua de estimação, de nome “Lua”, e ia atender ao socorro solicitado. Minha avó não cobrava nada pelo seu trabalho, pois fazia parto com o único objetivo de servir ao próximo. A presença da minha avó no quarto de parto dava confiança aos familiares, à puérpera e à própria cachimbeira Chiquinha Aparadeira.

Se por ocasião do parto, o bebê viesse com o cordão umbilical enrolado no pescoço, o que tornava o parto de alto risco, era tradição no sertão dar o nome de José ou de Josefa, conforme fosse o sexo do neonato. Quando o recém-nascido saía da barriga da mãe, a placenta era retirada e enterrada no quintal. Depois do parto, a mãe bebia cerveja preta e água inglesa, para ajudar a desocupar os restos de placenta. O bebê recebia uma leve palmadinha para chorar, e assim começar a respirar o ar do ambiente externo, e era banhado com água morna, dentro de uma grande cuia de cabaça. Após o banho, a parteira espremia uma gota de suco de limão em cada olho do recém-nascido. A etapa seguinte era mostrar, para a mãe e para o pai, o pimpolho sadio e perfeito, sem defeitos físicos de nascença. Depois o rebento era colocado sobre a mãe para mamar.

Para avisar aos amigos das fazendas vizinhas que o menino tinha nascido, o pai dava um tiro para cima de bacamarte ou mesmo de espingarda bate-bucha, com muita pólvora, que era ouvido a longa distância. 

Durante o resguardo de 40 dias da mãe, era recomendado uma dieta apropriada, para produzir leite, a base de carne de galinha, de angu, de mingaus de araruta (farinha de banana verde seca ao sol e moída), de maisena (a base de farinha de milho) e de outros cereais, sem o uso de alimentos reimosos, como carne de porco, carne de pato, carne de tatu-peba e de outras caças, bem como o consumo de ata (fruta também conhecida por pinha). 

Usava-se também rapadura e cuscuz de milho para estimular a produção de leite da mãe. Por o ocasião dos 40 dias de resguardo, a mãe praticamente não saía da camarinha, pois só se levantava da rede ou da cama para ir ao banheiro e para ir à sala de jantar para fazer as refeições.

Era costume no sertão, a mulher, depois que descansava (depois de parir), receber visitas dos parentes e amigos, quando era servido, em pequenos cálices de vidro, licor de mutamba ou licor de jenipapo, que eram chamados de “mijo do menino”. Naquela época só se sabia o sexo do neném após o nascimento, o que obrigava a mãe a preparar o primeiro enxoval com batinhas e cueiros de algodãozinho branco, que podiam  ser usados pelos bebês de ambos os sexos. Os visitantes presenteavam o neném com roupinhas, meias e toucas azuis, se fosse do sexo masculino, e meias, toucas, calcinhas e vestidinhos róseo, se fosse mulher.

A casa era aromatizada com incenso (fumaça e aroma de folhas da erva alfazema, também conhecida por lavanda, que eram  queimadas nas brasas colocadas dentro de uma lata vazia de doce (vasilhame de doce de banana ou de goiaba). Um outro tipo de incenso usado era a queima de galhinhos de hortelã-pimenta, que tem uma fragrância agradável e relaxante. O incenso servia para aromatizar o ambiente, proporcionando bem-estar aos presentes, e afastar as energias negativas.

Antigamente, não existia fraldas descartáveis e se usava somente cueiros de algodãozinho, que eram lavados com sabão de coco caseiro (sabão da terra), secos ao sol, pendurados em barbante (corda de secar roupas) e perfumados com fumaça de folhas de alfazema, que além de aromatizar as peças, também servia de repelente para mosquitos, moscas e muriçocas.

Os meninos e as meninas, via de regra, eram batizados com nomes dos santos e das santas mais veneráveis no sertão, como José, Pedro, João, Antônio, Francisco, Raimundo, Sebastião e outros, enquanto as mulheres eram batizadas com os nomes de Maria, Fátima, Graça, Rita, Lourdes, Francisca, Raimunda, Antônia e de muitos outros nomes de santas.

Por: Benedito Vasconcelos Mendes - Mossoró - RN.


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