DOM HÉLDER CÂMARA E A PERMANENTE LUTA NA MADRUGADA

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É muito conhecida a frase que se atribui a Leônidas, o rei dos 300 de Esparta. Quando o rei persa Xerxes enviou a ameaça “nossas flechas serão tantas que cobrirão o sol”, a respista de Leônidas foi: “Melhor, combatermos na sombra. 

Parafraseando Leônidas, quem combate as tiranias combate, metaforicamente, nas madrugadas, porque a madrugada anuncia o nascer do sol. Assim falavam Zaratustra e D. Hélder Câmara.  Aliás, Hélder só faz crescer a cada dia no conceito do mundo. É dos grandes, que a morte não apaga, pelo contrário. Acende um sol nascente, que ilumina permanentemente a sua memória. 

Dito isto, passo a palavra ao professor doutor Severino Vicente da Silva. O popular Biu Vicente. Amigo, colega, parceiro, compadre. Um registro para a memória: quando, em 1973, fui sequestrado pelos órgãos de repressão da ditadura, Biu Vicente estava lá em casa, por mera coincidência. Estávamos concluindo uma apostila de testes para os cursinhos nos quais ensinavam. Foi levado junto. Como era ligado à Dom Helder, foi torturado no DOI/CODI para admitir uma absurda ligação de Dom Helder com guerrilheiros revolucionários, que nem o próprio Biu conhecia. Saí do DOI/CODI após 37 dias, rumo ao DOPS. Ele ainda ficou no inferno mais um tempo. Foi libertado sem sequer ser processado. Um inocente purgando os pecados do mundo.

Pois Biu permaneceu e permanece fiel a Dom Helder. Por isso, para falar do irmão do povo e do papa, com as devidas vênia, passo a palavra a Biu. É dele o texto a seguir.

O beato Hélder Câmara 

Costumava dizer, ao seu modo poético, que a escuridão da madrugada trazia consigo a beleza da manhã e a claridade do dia. A madrugada, pois, seria sempre o anúncio e a certeza que a noite, seja qual for, nunca é permanente. Referia-se ao tempo que não parecia passar da ditadura civil-militar que tomou conta do Brasil desde abril de 1964. Assim ele pretendia animar uma geração atordoada pela violência física e moral pela qual passava a sociedade brasileira.

Por seu turno

Não era pequeno o número de jovens que, ao seu modo, anunciavam o alvorecer; alguns com uma luta nas cidades, nos campos ou nas florestas, transformando seus sonhos em sangue. Outros, jovens de classe média, colocavam seus sonhos em poesia e música, descobrindo a criatividade dos brasileiros explorados desde o tempo de dominação portuguesa, vivenciados em danças, rituais, festas das diferentes religiões que marcaram a vida, a resistência de um povo oprimido.

Dessa maneira

Foi sendo construída a manhã de um novo dia que parece ter chegado em meados dos anos oitenta. Contudo, sabemos que os dias são seguidos pelas noites e elas trazem em seu seio novas madrugadas.

Essas experiências são vividas desde a adolescência, embora nem sempre sejam compreendidas então. Voltemos ao tempo dos anos sessenta, quando os povos africanos emergiam e auxiliaram a destruição dos impérios coloniais europeus que se montaram desde o século XVI, destruindo nações, reinos, culturas, expropriando populações e as riquezas do continente matriz da humanidade.

A crise da geração pós Segunda Mundial

Se esboçava na derrota francesa no Vietnã, na Guerra da Argélia, que foram precedidas pela independência da Índia pela Revolução Chinesa, enquanto povos europeus eram submetidos ao poder soviético e a América Latina iniciava o processo de encontrar um caminho que lhe fosse próprio e superar o que acadêmicos chamavam de subdesenvolvimento, pois tinham com modelo o sucesso do capitalismo, notadamente o modelo estadunidense propagado pela Disney Corporation e similares.

Aqui

Tomemos como referência a experiência francesa que chegou aos jovens católicos através dos escritos do padre Michel Quoits, notadamente o Diário de Danny. Este livro, ao lado do Diário de Anne Frank, abriu as portas da manhã para uma parte da juventude, enquanto outros jovens lançavam seus olhares para Franz Fannon, Emanuel Mounier, Jean P Sartre, Eric Fromm e outros. Cada um, ao seu modo, anunciava a Aurora. E muitos jovens criaram o dia, pois se a madrugada geográfica vem independente da ação humana, a liberdade, dos homens e das nações, é criada pelas suas ações. E por elas é mantida.

O Brasil

Aprendeu isso nos últimos anos. Após ter vencido a noite trazida pelos generais e seus aliados de paletó e gravata em 1985, parece ter-Tchans, Burrinhas Pocotós, “poesias” de apelos sexuais e outros assemelhados. Parecia caminhar em direção à barbárie, cultivando a serpente e seus ovos. E a nação viu-se envolvida pela ignorância, pela negação ao conhecimento; e essa massa semisselvagem chegou ao poder e deu continuidade ao processo de destruição dos valores socioculturais que estão sendo criados desde que indígenas e africanos se encontraram, forçadamente pelos lusitanos, contribuidores, também, para o processo de formação nacional.

Mau exemplo

A presença de um grupo familiar, avesso ao trabalho físico e cultivador de relações com milicianos no Parlamento e de práticas lesivas aos interesses públicos, buscaram corroer as instituições garantidoras da democracia, tendo sucesso relativo nos parlamentos -municipal, estadual e federal, após o domínio do Poder Executivo, de onde caminharam para as Forças armadas. Tiveram seus intentos barrados no Supremo Tribunal Feral que, durante algum tempo, foi a sentinela vigilante da nação.

De modo geral

A sociedade civil ficou silenciosa, exceto os empresários que financiam eleições e tiram proveito dos resultados. Mas o crescimento da desfaçatez foi tal que a sociedade foi acordando. Primeiramente o segundo mandato ao presidente que negou assistência aos brasileiros na pandemia do Corona Virus e, quando a Câmara dos Deputados criou uma lei que lhes permitia a impunidade, outra parte do Parlamento e quis aplicar o instituto da anistia aos que, animados pelo presidente derrotado nas eleições, viu as ruas das principais cidades do Brasil ocupadas, não golpistas, tolerados por ele, mas por cidadãos que diziam não à prática da corrupção, barrou a tentativa de criação de um governo autocrata no Brasil. E o povo na rua anunciou a madrugada e criou a possibilidade de um novo dia de liberdade.



Por: José Nivaldo Junior - Publicitário, Consultor e Seguidor de Voltaire. Diretor de O Poder. Da Academia Pernambucana de Letras.


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