E A DEMOCRACIA? O GATO COMEU...

0 Comments
Por Avaci Duda Xavier - Professor de História. Mestre em Educação.


Surubim, 29 de outubro de 2016.



Estamos vivendo em um contexto, no qual somos postos em situações que nos fazem refletir com preocupação sobre o futuro. O país passa por mudanças e como consequência, os estados e as cidades também passarão. Sabemos que as coisas têm sido difíceis para a maioria da população, principalmente para aquelas pessoas que necessitam recorrer a políticas públicas que deveriam amparar a maioria dessa massa que só é vista como maioria, as vésperas das eleições. 

O certo é que no nosso país apenas a massa não pode questionar. Seria a democracia deliberativa uma utopia? Hoje, com a ampliação do acesso à tecnologia e às redes sociais, uma parte da população tem se mobilizado contra medidas tomadas de forma vertical, para beneficiar poucos e com o intuito de fazer sangrar a muitos. O fato é: quem estuda em escolas públicas são os filhos dos pobres, quem usa o SUS são os menos favorecidos. Então, para que melhorar? A maioria da população sofre e luta muito para conseguir uma aposentadoria que lhes ofereça um salário mínimo ao final da jornada. O nosso mínimo, de tão mínimo, ficará congelado. Não podemos acreditar em tamanha asneira. O que dizer ao povo? Que a dívida externa é mais importante que a população? Para a maioria de nós as mudanças são aterrorizantes.

A mídia quer nos confortar fazendo comparações fantásticas do tipo: nos países desenvolvidos isso já acontece, EUA, Canadá e países da Europa (Inglaterra, França...) entre outros. Essa metáfora é fantástica, pois as condições de trabalho dos agricultores, dos professores, dos trabalhadores braçais do Brasil, de fato, são dignas de tamanha comparação?  A mídia (jornal, TV, rádio) ratifica esses preceitos e defende que o futuro assim será melhor. O que falar da entrevista do nosso presidente a Miriam Leitão? Ele se absteve de comentar a idade na qual se aposentou. Disse apenas “veja como estou bem? Poderia me aposentar agora”. Vendo esse relato fico pensando: até dá para comparar a vida de um político que vive de viagens e em salas climatizadas com a vida de um cidadão que sai de casa às cinco da manhã e chega às sete da noite. Aí entendo o que o Renato Russo quis dizer ao perguntar: “Que país é esse?”

A PEC está causando polêmicas. A juventude que dormia parece ter acordado. Os estudantes tomam as universidades, os institutos federais e as escolas. A mídia esconde... É preciso lutar, relutar, mas a população (sociedade no âmbito geral) cruza os braços. Seria medo ou acomodação? Quantos líderes de empresas e políticos vêm sendo presos por praticarem crimes políticos, algo que outrora não acontecia. Isso é avanço, não retrocesso. Sabemos que o crime sempre existiu, mas nem sempre esses podiam ser investigados. Fico pensando que a ignorância está nos discursos daqueles que vivem presos a um mundo de aparências. Muitas pessoas dizem: “isso é o fim dos tempos, quantos roubos” eu voz digo: isso é o que deveria ter acontecido sempre, uma investigação que chegue a todos, que pense no Brasil e não em partidos. O certo é que não existe crime se não houver investigação, se não houver autonomia para se investigar a todos.

Durante os vinte e um anos da ditadura militar as verdades não podiam ser ditas, dessa maneira não existiam crimes, pelo menos não se divulgavam os mesmos. Os artistas que viveram na ditadura tinham que usar de sua capacidade inventiva para falar por meio de metáforas, já que não podiam revelar o que pensavam dos fatos. Chico Buarque e Gilberto Gil tiveram que escrever um “Cálice” para nos falar de um “cale-se”. Elis Regina teve que deixar implícito seus sentimentos de indignação ao falar de uma obra arquitetônica mal construída que veio a baixo: O bêbado e o equilibrista fala disso meus caros: “caía a tarde feito um viaduto...”. Hoje com essa democracia representativa que vivemos, chegamos ao fundo do poço, pois infelizmente muitos dos que formam o legislativo no nosso país não legislam com e para o povo, mas sim para os seus próprios interesses.

Na ditadura, as escolas tiveram que acolher a disciplina Moral e Cívica para podar, doutrinar e adestrar uma juventude que tinha que chamar a revolução de “gloriosa revolução de 1964”. Hoje, o adestramento retorna com uma nova cara, talvez menos velada, com a imposição de mudanças que não foram pensadas e nem discutidas com a participação da população. É a lei da imposição voltando. É a democracia perdendo espaço. As pessoas não devem mais “pensar” por si, daí a sugestão é de retirar das escolas a disciplina Arte como forma de podar a subjetividade, a inventividade. O despertar para a saúde e o bem-estar por meio de atividades físicas serão diminuídos com a não obrigatoriedade da Educação Física. O questionamento e o debate tão presentes na Filosofia e na Sociologia já não serão necessários. Tudo isso tem um clímax, um ápice, tipo: a escola sem partido, a proibição de debater gênero entre outros. A escola não pode continuar sendo espaço de reflexões, muito menos a academia (universidades).

Em nosso país o novo lema é “ORDEM e progresso”. A pátria educadora passa a cortar a obrigatoriedade de um piso salarial para os seus professores por considerarem que eles já têm muitas regalias. No futuro não se realizará mais concursos públicos para não dar estabilidade ao povo e principalmente porque se gasta menos quando se tem funcionários terceirizados. Agora, basta ter “notório saber”. Por favor, nos poupem: fazemos graduação, especialização, mestrado, doutorado para sermos trocados por qualquer um que demonstre “notório saber”? O que vem a ser “notório saber”? No Brasil a definição é simples: pessoa que tenha uma indicação ou amizade política. Como responder aos questionamentos dos nossos alunos quando eles perguntarem: então não precisa mais estudar para ser professor? Infelizmente teremos que responder: sim, não é mais preciso. 

E a cultura para onde vai? Respondo-lhes simples assim caríssimos leitores: a cultura não vai, ela fica, fica ainda mais escondida e vista como algo sem grande importância, agora ainda mais. O futuro nos apresentará um novo cidadão, aquela pessoa que precisará ser, antes de tudo, um ser acrítico, sem opinião, bajulador e que não precisará ter intelectualidade, competência e compromisso. Esse novo cidadão deverá calar, aceitar, se dar bem com todos e principalmente com os seus SUPERIORES. O novo cidadão algumas vezes, terá que mudar de religião, caso o chefe não seja afeito a sua crença. E está permanentemente proibido de brilhar para não ofuscar seus superiores.

Neste século XXI meus amigos, a criticidade não poderá mais fazer parte da vida do cidadão brasileiro, foi-se o tempo em que estudar ia ser fundamental para a construção de competências. Os nossos chefes voltarão a ser aqueles que nos liderarão pelo sobrenome da família ou pela conta bancária que possuem. Isso é o que vamos confirmar em breve. Faremos parte de uma sociedade em que ouvir uma boa música, ler um bom livro, debater sobre arte ou filosofia não fará mais parte das nossas ações cotidianas. A preocupação atual é que os jovens leiam, mas não entendam, subtraiam, mais não somem, calculem, mas não sejam capazes de questionar o valor do salário que ganham. A cultura, a educação, a saúde e a moradia, que já eram pouco priorizadas, agora não terão mais investimentos. “E agora José a festa acabou?” chego ao final desse texto com a questão: Como será o nosso futuro? Na incerteza da resposta, ficamos com as evidências: possivelmente seremos obrigados a falar, a ouvir e a pensar apenas quando nos for permitido. Dessa maneira me reporto mais uma vez ao Chico Buarque na sua canção Roda Viva “Tem dias que a gente se sente / Como quem partiu ou morreu [...] A gente quer ter voz ativa / No nosso destino mandar / Mas eis que chega a roda viva / E carrega o destino, pra lá / Roda mundo, roda gigante / Roda moinho, roda pião / O tempo rodou num instante / Nas voltas do meu coração”. 


You may also like

Nenhum comentário: