A Imprensa e a verdade Segunda parte

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Virginia Pignot.


 I Introdução 

A imprensa deve contribuir para fortalecer e reforçar a democracia, através do exercício do dever de investigar e de informar. Mas ela se tornou nos últimos anos um instrumento de poder servindo aos interesses de poucos no Brasil.

Nesta série de artigos sobre a imprensa, falamos na primeira parte do jornalismo que se afastou do respeito à informação e aos fatos, se aliou a justiceiros inescrupulosos para servir ao interesse dos patrões das empresas de comunicação e seus financiadores.

Nesta segunda parte vamos dar exemplos de como a parcialidade da imprensa dos empresários  pode transmitir uma versão tão reduzida dos fatos que se torna mentirosa. Ela chantageou membros do judiciário e foi cúmplice das ilegalidades da Justiça do Espetáculo, especialmente na época do Mensalão e da Lava Jato. Agindo assim ela enganou a opinião pública, mudou a história e atacou a democracia brasileira. 

II A Imprensa Parcial e seu contraponto

Se o jornalismo só fala de uma versão dos fatos, quando informa sobre um evento ou situação, ele deixa de ser porta-voz de uma parte importante da população, e é, neste sentido, antidemocrático. Vamos falar de um exemplo recente deste tipo de cobertura jornalística, e do seu contraponto na mídia alternativa.

1) Operação policial em Jacarezinho

Com a cobertura jornalística feita por Alexandre Garcia na CNN(1) sobre a intervenção policial em Jacarezinho, no Rio de Janeiro, tivemos uma ilustração recente do discurso tão redutor que se torna falacioso. Ele falou de uma intervenção de combate ao tráfico que matou bandidos, só falou da versão dos policiais e do seu ponto de vista dos fatos.

Ele não falou das manifestações de protesto e da dor dos moradores inocentes agredidos e vitimizados pela intervenção. Não falou do traumatismo de uma criança de seis anos, que presenciou um assassinato no seu quarto, pois um policial arrastou um ferido para o local e o matou diante da criança. Não falou da ineficiência da operação: interviram para prender 21 traficantes, só prenderam três e três morreram. Mas 25 pessoas foram mortas, (dados no momento em que escrevo o artigo), e destas, uma maioria de inocentes. Não falou da ilegalidade da intervenção, pois durante a pandemia as intervenções armadas nas favelas estão proibidas, a não ser em circunstâncias excepcionais, que não estavam postas. No mesmo dia, 7-5-21, recorremos a esse contraponto na TVGGN.(2) Aqui se informa também que em várias comunidades do Rio o tráfico de drogas foi ocupado por milícias, com participação de alguns policiais da ativa e exonerados. Em Jacarezinho ainda é o Comando Vermelho que lidera o tráfico. Pode-se indagar se não se trataria de uma guerra de gangues, uma delas atuando em nome do Estado. 

Quando faz abstração da complexidade dos fatos, expondo uma visão estreita da realidade, Alexandre Garcia faz um jornalismo de baixa qualidade. Ele apoia assim uma intervenção que foi objeto de denúncias, que está sob investigação, e que talvez seja criminosa.

III Pressão e chantagem exercida pela mídia sobre membros do judiciário

Agora vamos ver como Ministros da Suprema Corte sofreram pressão, foram vítimas de chantagem, ou ficaram enebriados de vaidade ao virar estrelas da mídia e “pisaram na bola”, não julgaram pelos autos, condenando inocentes.

1) O Mensalão foi um Mentirão (3)

Na época do chamado mensalão do PT, o ministro do STF Ricardo Lewandowski conversa no telefone sentado à mesa de um restaurante, sem saber que havia uma jornalista na mesa do lado. Nessa conversa, ele confessa que condenaram José Dirceu, então Ministro da Casa Civil do governo Lula sem provas, por causa da pressão da mídia. Veremos aqui como Ministros do STF saíram da linha para se apadrinhar (ou se acovardar) com a mídia e condenar petistas. Deram ouvidos, sem investigações ou provas que valham, ao deputado depois preso por corrupção Roberto Jefferson.

a) Holofotes, pressão da mídia e distorção do judiciário

 Vários ministros do STF produziram votos incompreensíveis, incompatíveis com a jurisprudência no Mensalão. 

Joaquim Barbosa condenou José Dirceu e José Genoino presumindo que eles comandaram o esquema de compra de votos de uma parcela de deputados. Mas não havia prova testemunhal ou documental sobre isso. Como se deu esse deslize?

O ex Ministro da Justiça Eugênio Aragão(3) fornece uma pista psicológica: Barbosa sofreu e tinha sido vítima de atos e de comentários racistas mesmo por parte de colegas da Suprema Corte. Com a cobertura tendenciosa do noticiário da Globo, que o colocou na altura de um herói nacional, Barbosa teve a oportunidade de ter uma revanche, inclusive sobre colegas que antes o humilharam. Entrou no jogo da imprensa e não julgou pelos autos. Outros Ministros também pegaram essa onda.

b) O colapso do judiciário começou no mensalão.

Fizeram um carnaval no julgamento do mensalão, mas boa parte dos condenados de então, como José Genoino e José Dirceu foram absolvidos pelo mesmo STF, em 2014. Não havia provas do suposto crime de formaçao de quadrilha no julgamento politico do qual foram vítimas.(4)

O mensalão foi batizado agora de “Mentirão”, pois o dinheiro gasto em verbas publicitarias pela Visanet não era publico, não foi desviado pelo PT para pagar deputados, e existem provas destes fatos. 

Mas a montagem com objetivo politico de enfraquecer ou retirar o governo do PT do poder acabou funcionando, quando se intensificou o “tiroteio” de notícias mentirosas com ilegalidades na Lava Jato mais tarde.

“No Mensalão foram lançadas as bases para o método jurídico empregado pela Lava Jato. 

Sérgio Moro é o prolongamento de uma espiral descendente, iniciada quando a Suprema Corte preferiu deixar a Constituição cidadã de lado para interferir no campo politico e agradar a imprensa.” diz o jornalista Fábio de Oliveira Ribeiro (5)

 Aqui também tem histórias, um pano de fundo que merece ser conhecido. (2).

Gravações com revelação de um esquema de corrupção dos correios, comandado por Jefferson chegaram às mãos de José Dirceu e da Globo. A Globo noticiou e José Dirceu demitiu todo mundo.

Jefferson comandava esse esquema. Ele ficou furioso, foi à tribuna denunciar sem provas uma história que ele inventou neste momento; o suposto pagamento ilegal pelo PT a deputados para que eles aprovassem leis. Ao assumir o governo, o PT tinha justamente se negado a perpetuar essa prática.

 Mas essa mentira foi adotada naquele momento pela imprensa, pelo STF, e pelo deputado depois preso por corrupção Roberto Jefferson. Se o assunto lhes interessa, vale a pena ouvir o debate na TVT, disponível no google, youtube, “Mensalão, Mentirão”(3).  


2) Imprensa chantagista


a) Quando a imprensa pratica calunia e chantagem

O Ministro do STF Toffoli era conhecido por respeitar a lei, e não fazer interpretações confusas e esfumaçadas desta para servir interesses partidários ou pessoais.

Ele foi vítima em 2016 de um ataque de assassinato de reputação pela revista Veja que publica uma capa insinuando que ele poderia ter se aproveitado da empreiteira OAS para fazer obras na sua casa.  Na verdade, era uma denúncia vazia. 

Depois desse ataque, no entanto, o Ministro Toffoli se alinhou, então, por seus votos e medidas, ao projeto de poder da oposição, da mídia-Lava-Jato, de derrubar um governo progressista por golpe, para implantar o modelo neoliberal antidemocrático do Estado Mínimo que estamos vivendo agora: aumento do lucro para poucos, redução de direitos e oportunidades para a maioria.  

b) O método da Lava Jato

Mais tarde, com a Vaza Jato e com a Operação Spoofing, vimos que juiz e procuradores da Lava Jato faziam escutas ilegais e vazamentos seletivos para tentar pressionar membros de Cortes Superiores a aprovar os métodos ilegais usados nos processos da Operação. Exemplos desses métodos: pessoas eram presas antes do julgamento, com bloqueio de bens, ameaças de prender familiares, etc, até que elas delatassem o que os procuradores queriam que elas dissessem.

Nao é à toa que o Ministro Teori Zavascki, falecido relator da Lava Jato no STF disse, ao julgar pedido de “habeas corpus” de 9 pessoas presas abusivamente, que manter uma prisão preventiva com o objetivo de forçar uma eventual colaboração premiada “constituiria medida medievalesca que cobriria de vergonha qualquer sociedade civilizada.”(6) 

E a imprensa se associou a essa montagem, repassando informações vazadas por membros da Operação sem nenhuma verificação. Como diz Luis Nassif, “os jornalistas se tornaram ‘selas’ dos informantes membros da força tarefa, se deixando cavalgar por eles.”(7)

IV Promiscuidade e cumplicidade entre a mídia e a justiça do espetáculo

Em uma democracia, a imprensa deve cumprir o papel de mediador dos conflitos societais, informando os fatos, favorecendo o combate à corrupção, permitindo o diálogo. Não foi isso que aconteceu na “telenovela” que a Globo montou com a Lava Jato.

 Se associando à Lava Jato, que agora passa pela vergonha de ter seus processos repletos de ilegalidades invalidados, a imprensa contribuiu ao caos que se instalou no Brasil.

a) O caso da Lava Jato

Na cobertura dada pela mídia à Lava Jato, houve a corrida pela informação, a redução dos meios de investigação, e a restrição da liberdade dos jornalistas de se afastar da linha editorial da empresa de comunicação que o/a empregava. Essa desqualificação do jornalismo e da imprensa, teve um efeito catastrófico sobre a jovem democracia brasileira. Nossa Constituinte, elaborada no bojo da redemocratização de 88, ainda é jovem. A presidente Dilma disse recentemente numa entrevista ao grupo Prerrogativas (8): “Eu pensei que o Brasil tinha Instituições solidas. Me enganei redondamente”. 

“Na Lava Jato, a imprensa foi manipulada por funcionários do Estado para ajudar no massacre de pessoas, pouco importando o seu grau de culpabilidade.

Houve carreirismo, houve decisão editorial de defender uma prática indefensável”, por parte dos jornalistas, segundo Luis Nassif. (9)

b) Abandono do jornalismo investigativo

Para não ser mera “correia de transmissão” das fontes, o jornalista tem que investigar, verificar a veracidade, incerteza ou falsidade da informação. 

Mas essa prática essencial ao exercício da profissão tem sido abandonada, podendo transformar o jornalista em repassador de fake news.

Solano Nascimento (10), professora da UNB apresenta um trabalho em 2015, com uma análise de três revistas Veja, Época e Isto é, e 33 reportagens. Das 33 reportagens, publicadas entre março e abril 2015, só uma da revista Veja, contou com levantamento (trabalho investigativo) próprio. As outras 32 reportagens, com denúncias publicadas na esteira da Lava Jato, fizeram mero repasse de informação, sem nenhuma verificação da veracidade ou factualidade das informações.

IV Conclusão

Os Ministros do STF, envaidecidos, sob pressão ou chantageados pela imprensa, se afastaram da jurisprudência da Corte para condenar petistas no Mensalão, abolindo para a ocasião “duas premissas fundamentais do Código Penal Brasileiro, a presunção de inocência, e a necessidade da acusação provar a culpabilidade do réu.”(9) Depois veio a Lava Jato, que se corrompeu no combate à corrupção, e condenou ilegalmente o ex presidente Lula, acobertada pela mídia, que nunca dava espaço/tempo semelhante entre a acusação e a defesa dos acusados, calando as críticas à Lava Jato. 

Nos dois casos, a imprensa fragilizou Instituições, forçou a mudança de destino da nossa jovem democracia e contribuiu ao caos politico, econômico, social, e sanitário que se instalou no país. Agora, alguns ministros do Supremo, eleitores, membros do legislativo, jornalistas, estão fazendo uma mea-culpa, considerando terem cometido um erro. Reconhecer um erro é o primeiro passo para a reparação. E agora, José?

 Lula, perdeu e aceitou o resultado de três eleições antes de ser eleito presidente, em 2002. Foi julgado e condenado por um juiz incompetente e seus compadres e amigos do TRF-4, processos finalmente anulados agora pela Suprema Corte. Ele nunca deixou de denunciar um julgamento injusto. Foi para a prisão em 2018, com a intenção de provar sua inocência, como está conseguindo agora. 

Bolsonaro diz que só quem pode tirá-lo do poder é Deus. Se ele for derrubado pelo voto em 2022, ou por crime de responsabilidade antes disso, as Instituições do judiciário, do legislativo, a polícia, as manifestações do povo, e a imprensa, terão a grande responsabilidade de fazer cumprir as leis de uma sociedade democrática, doa à quem doer.

No próximo artigo fecharemos essa série tratando de detalhes da implicação da Imprensa desregulada no campo politico e econômico. Até a próxima.

Referências

1-Alexandre Garcia, declaração feita no quadro Liberdade de Opinião da CNN Brasil, 7-5-21

2- “A Semana do STF e o desafio do massacre de Jacarezinho.” Marcelo Auler, Eduardo Appio, Bruno Sales, Claudio Pereira, Luis Nassif. TVGGN Especial, 7-5-2021

3-“O Mensalão, Mentirão, a privatização da verdade”, com Eugênio Aragão, Henrique Pizzolato, Andrea Haas, convidados por Jailson Andrade ao Debate Petroleiro, TVT, 3-5-21 

4 -“STF absolve oito condenados do Mensalão…” Câmara Hoje, camara.leg.br, 27-02-2014

5-“Mensalão e Lava Jato, as irmas gêmeas que pavimentaram o caminho até o genocídio pandêmico”, Fabio de Oliveira Ribeiro, Jornal GGN, 20-4-21

 6- “Agência Lupa. Verificamos: Teori Zavascki…” MauricioMoraes, piaui.folha.uol.com.br

7-  “A Crise do Jornalismo Brasileiro. Luis Nassif. Aula inaugural de 2021 do Curso de Jornalismo na Escola de Comunicação e Artes da USP. TVGGN Especial 

8-“Inflexões rumo à democracia”, Grupo Prerrogativas entrevista Dilma Roussef

9-O Papel da Imprensa na Lava Jato, com Luis Nassif, Kennedy Alencar, Cristina Serra, Marcelo Auler, TVGGN, 9-2-21

Por: Virginia Pignot - Cronista e Psiquiatra.
É Pedopsiquiatra em Toulouse, França.
Se apaixonou por política e pelo jornalismo nos últimos anos.


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