A IMPRENSA E A VERDADE 'TERCEIRA PARTE'

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Virginia Pignot cronista e psiquiatra.


 I Introdução

Procuramos mostrar neste artigo como a imprensa dos grandes grupos de comunicação não escolheu o lado da democracia e da transparência nas últimas décadas no Brasil. Ela enganou a população em relação à política e à economia, praticando o jornalismo de guerra no qual todo golpe é permitido contra os adversários tratados como inimigos. Produziu efeitos de ódio, de discriminação, de divisão da sociedade, catastróficos para a jovem democracia brasileira. Vamos partir da premissa que houve um golpe, e diremos por quê.

Veremos quais os objetivos e métodos do golpe.

Faremos uma revisão de como a mídia se comportou em relação à cobertura política dos governos, e como esse comportamento influenciou os rumos do país. Qual o impacto do comportamento da mídia na economia brasileira? Veremos como o sistema financeiro brasileiro virou agiotagem que extorque a população e enfraquece o Estado, com apoio da mídia. 

Para exigir que seus direitos sejam respeitados o povo tem que ter acesso à informação. Caso contrário, podemos nos transformar em “bobos da corte”, acreditando em mamadeiras de piroca e outros absurdos inventados para nos dividir, nos enganar e melhor nos dominar. 

Este é o objetivo das minhas leituras e do que procuro transmitir. 

II Objetivos e Métodos do golpe

Vimos como os grupos de mídia se endividaram em 1999, se tornando mais dependentes de bancos de investimento. “A consequência dessa dependência se manifesta no alinhamento editorial dos veículos aos interesses destes grupos privados, nacionais e internacionais.”(1)  

Sabemos que com a descoberta do pré-sal os americanos que já fizeram guerras pelo mundo afora, como a do Iraque, para ter o controle do petróleo deles, procuraram fazer aqui uma guerra jurídica, com o objetivo de enfraquecer a Petrobras e ter domínio sobre ela. Contaram com a cumplicidade culpada da imprensa, de parte do judiciário, e do Departamento de Justiça americano.(2). 

1 Os objetivos do golpe 

A proteção do capital dos grandes ricos.

Segundo o Professor de economia da PUC Ladislau Dowbor (3), Dilma foi impedida de governar a partir do momento que ela baixou as taxas de juros SELIG, na Caixa Econômica e no Banco do Brasil. Essa medida produz a redução do endividamento das famílias e empresas e dinamiza a economia. O sistema financeiro nacional e internacional improdutivo, que mama nas tetas do Estado e das famílias com taxas de juros exorbitantes não apreciou. 

Entre as artimanhas da imprensa para defender os interesses do mercado financeiro, dos bancos e bilionários, por exemplo, fizeram carnaval quando um ministro de Dilma comprou uma tapioca com o cartão corporativo, não “deram um pio” quando o governo Bolsonaro vendeu uma carteira de crédito do Banco do Brasil, dinheiro publico, por dez por cento do seu valor. Também não reclamam da privatização da Eletrobras, que pode produzir aumento de tarifas, aumenta o risco de apagões, como recentemente aconteceu com a companhia elétrica privada no Amapá.

2 Os métodos do golpe, uma narrativa distorcida, omissa.

Um exemplo de omissão: o impedimento de Dilma e a prisão de Lula, foram duas ações de um golpe de Estado de um novo tipo. Essa é a versão de boa parte da população brasileira e da imprensa internacional, e de toda a imprensa livre progressista nacional. Nesta narrativa, esse golpe politico, midiático e judiciário, apesar de ter sido realizado sem tanques nem tiros, exerceu uma grande violência institucional e desacatou princípios constitucionais. Mas durante o processo de impedimento de Dilma ou durante os processos de Lula na Lava Jato, não encontrávamos nem uma linha sobre o assunto na imprensa que está nas mãos de meia dúzia de empresários.

III Como a mídia interfere na politica e ataca a democracia

Vamos ver como a mídia agiu nestes últimos trinta anos como um quarto poder, escondendo, distorcendo informações, provocando fatos políticos.

1 O caso Collor

Em 1989, no debate entre Collor e Lula, a Rede Globo armou uma falcatrua. Deixou com Collor um suposto relatório contendo acusações contra Lula. Boni, ex diretor da Globo contou anos depois, já aposentado, numa emissão de televisão, que aquilo era um blef, um relatório vazio. Essa falcatrua da Globo deixou no ar um clima de suspense e de suspeita, que deve ter ajudado os jornalistas a dizer, no dia seguinte, que os dois candidatos, tinham “empatado” no debate, apesar do jovem Collor ter se mostrado bem menos preparado nas suas argumentações e propostas de governo que o ex metalúrgico. Collor ganhou as eleições. A globo agia (ou ainda age), como os antigos coronéis do Nordeste, que faziam sua própria lei.

De “Caçador de Marajás”, da narrativa de herói do combate à corrupção construído durante a campanha pela imprensa, Collor se tornou rapidamente alvo de críticas e de protestos populares quando confiscou a poupança dos brasileiros. Ele tratou funcionários públicos da Caixa como se fossem marajás, demitindo-os sem justa causa(4). Mas o seu impedimento foi provocado quando Collor contrariou Roberto Marinho.

A aproximação de Collor com Leonel Brizola, defensor da justiça social e ferrenho inimigo de Roberto Marinho, marcou a quebra da lua de Mel e deu origem ao divórcio feroz entre a Globo e o seu ex garoto de ouro(5). A Globo, na época através de Roberto Marinho, se afasta da função constitucional da imprensa de informar, para cuidar de interesses pessoais, descartando desafetos políticos com a mesma facilidade como criara, antes, a falsa imagem de “caçador de marajás”.

2 O caso FHC

Com FHC a má gestão de recursos públicos e baixos investimentos em infraestrutura provocaram apagões, desemprego. No escândalo de corrupção do Banestado milhões foram desviados ilegalmente para o exterior. Mas o juiz era Moro, amigo do PSDB, e só prendeu intermediários, “laranjas”.

FHC era o queridinho da mídia, favorecia boas negociatas para os milionários, como a privatização da Vale do Rio Doce, apesar de ter deixado, ele sim, o país quebrado. Depois dos dois mandatos FHC, o PSDB perdeu quatro eleições presidenciais consecutivas contra o PT. Progressivamente, os tucanos se afastaram do debate democrático, onde perdiam, para entrar no jogo sujo de calúnias, insultos, baixarias, com o apoio da mídia. Quando Aécio perdeu a eleição para Dilma, FHC e o PSDB entraram completamente no jogo antidemocrático junto com a imprensa, com políticos corruptos, com Moro e com a Operação Lava Jato.

Nas conversas apreendidas da Lava Jato pelo hacker Walter Delgatti e pela Operação Spoofing da P.F. Dallagnol diz a Moro que doações empresariais tinham sido feitas ao Instituto FHC, como ao Instituto Lula. Moro responde: “Não vamos melindrar amigos”. Na Justiça do Espetáculo da Lava Jato neste caso, não houve denúncia nem condenação contra FHC.

3 O caso Lula

Quando Lula era candidato e quando ele ganhou as eleições, a imprensa inventou muitas histórias: que os milionários deixariam o Brasil, que o país ia quebrar, que as FARCS iam invadir o Brasil, etc.(6) Os ataques da imprensa se intensificaram quando Lula começou a ter sucesso lá onde o seu predecessor do PSDB fracassara. Ele reduziu a mortalidade infantil, elevou o nível educacional da população, investiu em Ciência e tecnologia, em infraestruturas. Ele também ouviu os protestos e parou o processo de privatização da Petrobras que tinha sido iniciado por FHC. Ele deixou o poder depois de oito anos de governo com mais de oitenta por cento de aprovação da sociedade. Mas sofreu ataques praticamente desde o início do seu governo. Depois da tentativa fracassada de derrubá-lo do poder pelo “Mensalão Mentirão”(7) vamos ver com um exemplo como Lula só podia ser condenado no conluio da Globo com a Lava Jato, ao contrário de FHC:

Na Lava Jato a lei não era a mesma para petistas e tucanos. Um exemplo inequívoco, entre tantos outros se deu na condenação de Lula na questão do Instituto Lula. Este foi condenado apesar das  doações serem legais, com origem identificada, e sem qualquer contrapartida. Na época das doações Lula não era agente publico. FHC e o Instituto do mesmo nome se encontravam sabidamente na mesma situação jurídica mas não foram nem denunciados.(8)

4 O caso Dilma.

Como Dilma foi afastada do poder, ela que alcançou em dezembro 2014 o mais baixo nível de desemprego da nossa história, que nunca teve contas com dinheiro de corrupção no Brasil ou no exterior, que nunca aceitou pagar ou cobrir políticos corruptos como Eduardo Cunha para obter seu apoio no governo? Ela que também não foi condenada pela justiça nem perdeu sua elegibilidade após o impeachment, porque não havia cometido crime! 

As pedaladas foram consideradas “crime de responsabilidade” unicamente durante o processo de impeachment de Dilma, tendo sido praticadas antes e depois deste processo por outros dirigentes sem criminalização dos envolvidos.

Vamos abordar três ângulos de ataque ao governo ou a pessoa Dilma que mostram a contribuição da imprensa, às vezes sorrateira, outras vezes escancarada, ao andamento do golpe de 2016.


a) A sintaxe do golpe


Vamos falar da linguagem. Estudos foram realizados sobre os termos usados pelos jornais ou pelas  redes sociais para falar de Dilma, ou do candidato que foi seu opositor. Essa escolha de termos desvalorizantes para ela, valorizantes para ele faz, de modo subliminar, propaganda negativa para ela, e vice-versa. Se trata do que Dilma chama “a sintaxe do golpe”: 

“Eu acusava. Ele observava.

Eu era agressiva. Ele era uma pessoa muito calma e gentil.

Eu era dura e frágil                       Ele era firme e sensível

Eu era obsessiva pelo trabalho.   Ele era trabalhador, criativo e ativo.
Disseram também que eu era burra, louca, prostituta”(9). 
Eu acrescentaria que a imprensa escondeu notícias comprometedoras para o candidato tucano, por exemplo, quando ocultou seu problema de dependência química grave o suficiente para provocar hospitalização por abuso de droga em pleno exercício do mandato de governador de Minas. 

b) A questão da censura


Durante a campanha presidencial prenderam um jornalista mineiro que tinha informações contra Aécio. 
O dono do Novojornal Marco Aurélio Caronne, ficou preso 9 meses em 2014 para ser impedido de denunciar os esquemas de corrupção de Aécio Neves(10). Solto após a derrota de Aécio, ele foi absolvido pela justiça. Neste caso a censura foi exercida de modo brutal, autoritário e ferindo o Estado de Direito.

c) A questão econômica


O governo FHC criou um ralo, um escoadouro de dinheiro publico, como aquele criado falsamente pela Globo no JN para incriminar Lula. Esse ralo deveras existe, mas são os banqueiros e donos grandes fortunas que recuperam o dinheiro publico e aumentam a dívida.
FHC criou desde 1996 o ganho sobre aplicação financeira, na época de 25% ao ano; na Europa na mesma época, esse ganho era de 2 à 3% ao ano. Assim o dinheiro publico, dos impostos pagos, dos salários e das aposentadorias depositados no banco passaram a render lucros a banqueiros. Por causa disto, o governo fica debilitado, com menos recursos para investimentos em saúde, educação, segurança, infraestruturas, etc.
Enquanto cresce o desemprego, o Brasil volta ao mapa da fome da ONU e o PIB diminui, os negociantes bilionários estão babando de felicidade com os bons negócios com bens públicos. 
A mídia apoia a privatização de empresas públicas lucrativas e essenciais. Crime de lesa-pátria?

IV Participação da imprensa na crise econômica brasileira.


No Brasil se gasta mais pagando juros a banqueiros que no combate à pandemia. O governo diz não ter dinheiro para o auxílio emergencial durante a pandemia, mas tem dinheiro para banqueiros, bilionários e rentistas. Segundo o Professor de economia da PUC Ladislau Dowbor  “Se trata de chupar dinheiro da população e do Estado, mamar nas tetas”(1).
O déficit publico era de 2% no governo Dilma, aumentou para 6% agora. No entanto a mídia dizia que precisava tirar a Dilma para melhorar a economia.
 

1 A mídia ficou do lado do capital improdutivo


A pandemia expôs as falhas do sistema capitalista financeirizado, que fica investindo dinheiro em aplicações financeiras sem produzir nada. Não investe na indústria, na fabricação de insumos para vacinas, na fabricação de oxigênio… Grandes potências capitalistas do mundo, como os Estados Unidos e a Inglaterra agora estão investindo “pesado” no sistema publico de saúde, numa melhor distribuição de renda para a população economicamente mais fragilizada, estão reconhecendo que ter bancos públicos é fundamental, na contramão das propostas de Guedes.
 

2 Dilma tentou mudar esse esquema fraudulento 


A decisão de Dilma de parar com o desvio do dinheiro público para bancos, é uma das razões do golpe escondidas pela mídia. Ela tentou tirar do Banco Central o americano-brasileiro (ex banqueiro do Banco de Boston) Meirelles, que defende os interesses dos banqueiros, para substitui-lo por um funcionário que tinha feito sua carreira no Banco do Brasil. Mas “a mão invisível do mercado”, mostrou as suas garras. Com o seu impedimento fraudulento tivemos nas “rédeas” da economia a volta do próprio Meirelles, no governo Temer, e agora, o Ministro Paulo Guedes, aquele que diz que o Brasil precisa “vender tudo para consertar a economia”. Tudo com o apoio da mídia, decididamente antidemocrática.

3 Como o dinheiro publico vai para o ralo. 
A evasão fiscal é um destes “ralos”.


O Ministro da Economia Paulo Guedes, é um dos Fundadores do BTG Pactual. Esse estabelecimento tem a particularidade de se ocupar da gestão de fortunas, da “Optimização fiscal”. Nome bonito, para não dizer evasão fiscal, que pode ser crime. Para fazer esta evasão ou optimização, eles têm 38 filiais em paraísos fiscais. Assim, enquanto o cidadão comum tem que quebrar a cabeça para fazer declaração e pagar impostos, grandes milionários ou bilionários simplesmente, mandam seu dinheiro para paraísos fiscais, e escapam ao fisco. Num próximo artigo tentarei resumir as lições Professor Ladislau Dowbor, que, ao contrário dos “experts” em economia da imprensa empresarial, não te enrola, não fala como se diz em francês, “une langue de bois”.

V Conclusão


Nesta série de três artigos sobre “A imprensa e a verdade” vimos que a imprensa que age como um partido politico, esmagando sem ética nem respeito “adversários”, participa e contribui às crises que tanto têm afligido nosso país. A imprensa  influenciou, caluniou, chantageou personalidades politicas, ministros do STF, desinformou o povo.
Parafraseando a frase: “O povo unido, jamais será vencido”, diria “O povo esclarecido jamais será enganado.” 
Na massa de informações acessíveis, precisamos aprender a diferenciar o joio do trigo, enxergar as cortinas de fumaça lançadas pela mídia para nos vender falsos mitos, falsas “reformas”, falsos processos que envergonham a nossa justiça e que são agora anulados pelo STF. 
O grande jornalista Luis Nassif diz que houve falta de limites e avacalhação da imprensa brasileira, desde os anos noventa. Como resistir nesse contexto de guerra econômica e midiática? Teremos que nos debruçar sobre os meios de regulação da mídia, um deles sendo a proposta de desenvolver televisão e rádio públicas de qualidade. 
La Boétie, humanista e jurista frances (1530 – 1563) propõe que é possível resistir à opressão sem recorrer à violência. Ele diz que a tirania se destrói sozinha quando os indivíduos se recusam a consentir com sua própria escravidão.(11) 
Aos leitores e amigos que me acompanharam nesse percurso, meu muito obrigada pela atenção e até a próxima.

Por: Virginia Pignot cronista e psiquiatra  – Toulouse França 06/2021

Bibliografia

1 A Imprensa e a Verdade Primeira Parte, Virginia Pignot, Blog da Maluma, 4-5-21
2 A Imprensa e a Verdade Segunda Parte, Virginia Pignot, Blog da Maluma, 1-6-21 
3 Programa Entre Vistas com o economista Ladislau Dowbor, You Tube-Rede TVT, 19-07-2019. 
4 “Não Toque em meu Companheiro” Filme documentário de Maria Augusta Ramos, 2020.
5 “A crise do jornalismo brasileiro” Luis Nassif. TV GGN Especial. Aula inaugural de 2021 do  
 Curso de Jornalismo na Escola de Comunicação e Artes da USP, 16-4-2021.
6 Uma Comissão da Verdade para o jornalismo, Luis Nassif, jornal GGN 20hs 2-4-2021.
7 “O Mensalão, Mentirão, a privatização da verdade.” Rede TVT, You Tube  Eugênio Aragão, Henrique Pizzolato, Andrea Haas, convidados por Jailson Andrade ao Debate Petroleiro. 3-5-2021.
8 “Instituto é indiciado por doações legais”, institutolula.org 26-12-2019.
9 Programa Entre Vistas com Dilma Roussef, TVT, Google,You tube, 9-8-2019.
10 Dono de jornal mineiro e testemunha que denunciavam PSDB foram soltos. Patricia Faermann, Jornal GGN, 5-11-2014.
11 Discurso da Servidão voluntária, Etienne de La Boétie, Ed. Martin Claret, tradução de Casemiro Linard.



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2 comentários:

  1. Obrigada. O professor Vladimir Safatle diz que a classe intelectual se furtou de levar à população lá onde ela não pode chegar sozinha, a um horizonte mais distante que o presente. Abraço

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