NO TEMPO DOS MEUS AVÓS

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José Vieira Passos Filho.


No tempo dos meus avós, no antigo Engenho Bananal, final da década de 1950, eu costumava visitar os moradores da região, que moravam em locais afastados da sede da fazenda: “Como vai seu Francisco? Vou bem miorado, sinhorzinho, quer sentar aqui no banco, para um prosiado?”. Era conversa para a tarde inteira. 

Sentado no tamborete, em frente à casa de pau a pique, eu ouvia mais que falava. Francisco, um caboclo forte, na casa dos 50 anos, com seu cigarro de palha – eu gostava do cheiro – apertava-o, na ponta, sem tirá-lo da boca, para ativar a chama; dava uma, duas baforadas, e puxava conversa. Falava do seu roçado, da falta de chuva, e contava mirabolantes histórias de pescarias e caçadas. Elogiava o patrão, meu avô Neco Leite. 

Enquanto conversávamos, os filhos brincavam no terreiro da casa. Vários filhos. Contou-me, noutra ocasião, que já tivera, com Josefa, sua mulher, 15 filhos, porém, 5 haviam morrido da doença dos sete dias (tétano, por falta de higiene, ao cortar o umbigo), outros três, de uma única vez, afogaram-se no açude. Dizia que sobraram os mais novos, que só davam trabalho, pois ainda não estavam ajudando na roça. A mulher estava grávida. Eram 4 homens e três mulheres. As meninas vestiam apenas uma calcinha, os meninos andavam nus. - Sinhozinho, Celso, as meninas precisam se cobrir, mas os homens, só usam roupa quando levo para falar com o patrão ou para ir à igreja. Não temos dinheiro. Para plantar na terra, pagamos a “condução” (dois dias, por semana, pelo arrendamento – umas 5 tarefas).  

Quando me formei em Engenharia Civil, resolvi investir na área social do Bananal dos meus avós, cheguei a empregar 30 pessoas. Construí uma granja de frangos de corte (ainda tenho, está arrendada), criação de minhocas para produção de húmus e confinamento de bovinos. Nunca tive lucro nessas atividades. Hoje, nos 45 hectares que preservo dos meus pais, avós, bisavós, trisavós, estou plantando as mais variadas fruteiras. Nada para vender, quero somente ver se repovoo com os pássaros de minha infância/juventude (canários da terra, galo de campina, sanhaçus), de saguins, e outros animais silvestres. Vou manter a terra para os descendentes meus e dos meus irmãos. 

No Bananal, como em qualquer outra região rural, os costumes estão mudados - para melhor. É uma comunidade boa de viver. Todos são amigos, independente da classe social do lugar. As casas são de tijolos, bem cuidadas, com as comodidades da vida moderna. A criançada e os jovens estudam, existe assistência médica (criancinhas não morrem mais de tétano) para todos. Transporte, água encanada, energia já temos há bastante tempo. Tem internet, igreja, posto de saúde, acesso pavimentado. 

Francisco era um dos moradores da região que eu gostava de ouvir suas histórias. Morreu jovem – barriga d’água – a famigerada esquistossomose. Sua esposa e alguns de seus filhos também sucumbiram do mesmo mal. No Bananal, ainda residem vários de seus descendentes.   

Por: José Vieira Passos Filho - Pres. da Academia Alagoana de Cultura, Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, Sócio Efetivo da Academia Maceioense de Letras, Sócio Honorário do SOBRAMES (AL), Sócio Efetivo da Comissão Alagoana de Folclore.




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