O SABOR DE UM VINHO ESPECIAL

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Maria Teresa Freire.


Seria uma noite diferente. Estavam todos aguardando por isso. Um casal amigo resolvera comemorar seu aniversário de casamento em grande estilo. Escolheram um tema para a festa: ‘Uma noite de sonho’ (‘Uma noite com um sheik’). A decoração, a comida, a música, a dança e as vestimentas seriam inspiradas na cultura árabe. Eu sabia disso, em primeira mão, pois a anfitriã, muito minha amiga me contara. Aliás, éramos algumas amigas que estavam acompanhando a organização. Ajudávamos com os contatos específicos. Por conta disso, reuníamo-nos constantemente para debater ideias, indicar profissionais e planejar os detalhes. 

Eu, assim como as outras, idealizava meu vestido. Fui atrás do meu ideal de vestimenta. Quem sabe encontraria meu sheik? Como se fora a vestimenta a responsável por alguém se apaixonar por outra pessoa. Poderia atrair, chamar a atenção. Entretanto, não passaria disso. De qualquer forma, quem sabe eu encontraria o meu sonho masculino de consumo? Vestido de sheik! O pensamento me fazia sorrir, como se estivesse guardando um segredo muito prazeroso. 

O dia da festa finalmente chega. A excitação era quase incontrolável, pois sabia que me esperava um evento bonito, repleto de detalhes exóticos que o tornariam uma noite inesquecível. Vestir-me, maquiar-me, enfeitar-me com os acessórios foi memorável. O vestido, de seda azul cobalto, revestido de pedrarias no corpete, tinha uma saia ampla, longa, com várias camadas de tule, salpicada com bordados de pequenos cristais. Quando eu me mexia eles brilhavam com nuances variadas, refletindo o tom de azul. Eu parecia uma princesa ocidental, envolta em um vestido especial que chamaria atenção em um mundo árabe, pois era uma combinação do estilo ocidental com o estilo árabe. Eu me sentia um pouco dos dois. 

Eu e as amigas havíamos combinado de chegar à festa um pouco antes para ajudar a anfitriã na verificação dos últimos detalhes e na recepção aos convidados. Meus pais se encantaram quando me viram. Não me pouparam elogios. Aliás, como filha única e mimada eles não agiriam diferente. Mas, eu bem que merecia. O vestido estava deslumbrante. Eu estava impressionante (pouco convencida eu!). Eu fui antes dos meus pais, assim como as outras amigas. Chegamos praticamente juntas. Todas estavam lindas, com vestidos de ricos bordados. Cá entre nós, nenhum deles causava o mesmo impacto que o meu. Até elas disseram isso. O misto de estilos foi uma escolha acertada para causar um diferencial. 

Ao chegarmos, causamos um tumulto nas famílias do casal que estavam presentes. Moças bonitas, elegantes, exalando animação. Circulávamos entre os convidados, que foram chegando sequencialmente, cumprimentando, conversando, trocando elogios pessoais e comentando sobre a festa. O salão estava decorado como se fosse uma grande tenda árabe. A iluminação, imitando archotes, clareava o ambiente com suavidade. Os músicos tocavam melodiosamente, para compor o ambiente com sol agradável. Flores por todos os cantos. 

Neste ambiente de sonho, eu deslizava muito feliz. Percebi, ao longe, um grupo de homens que nos olhavam com insistência. Havia um par de olhos escuros que me seguiam o tempo todo. Para onde eu olhasse, eu os encontrava. Por um tempo, esses olhos intensos me perscrutaram a distância. De repente, eu os vi chegando perto, até que estavam a quase um palmo dos meus olhos castanhos dourados.  A cor dos olhos em frente aos meus era castanho escuro, mas ficavam tão intensos que a cor mudava para quase negra, como uma noite sem luar. Olhar firme sem desviar. Perto, tão perto que eu percebi que os olhos brilhavam como se fossem minúsculos cristais. Ou era reflexo do meu vestido?

Dancei com aqueles olhos, ou melhor, com o dono daqueles olhos. Como era um homem alto, magro e também de cabelos escuros, eu tinha que levantar minha cabeça para olha-los. Como era agradável olhá-lo! Na realidade, os olhos me atraiam tanto que não consegui deixar de fixá-los. Entretanto, dançamos a maior parte do tempo. Conversamos. Apresentamo-nos. Ele era primo do marido da minha amiga, os anfitriões. Nunca o tinha visto nos eventos que o casal organizava. Eu ia a todos. Alexander (como se chamava o dono do olhar intenso) tinha uma vinícola no Rio Grande do Sul. Por isso, pouco vinha ao Rio de Janeiro. A administração da vinícola ocupava todo o seu tempo. Em paralelo à vinícola ele também tinha outros negócios, como um hotel fazenda no terreno da vinícola, com restaurante. Também estava importando vinho o que não lhe permitia quase nenhum tempo para lazer. Todavia, como o primo era muito amigo dele e foi insistente no convite, ele veio. “Ainda bem que vim” disse ele. “Assim conheci você!” (Vixi!  Aquele homem era intenso demais, se é que intenso não já não é demais!” eu pensei). Paramos para tomar o vinho espumante que estava sendo servido. Sentados na varanda ele perguntou: “gostou do espumante?”  “Sim”, eu respondi, “delicioso!” Ele completou: “foi meu presente para eles. Todo o espumante que está sendo servido é fabricação da minha vinícola”. Eu só olhei para ele surpresa, pois o vinho era servido a vontade. “Que super presente”, pensei com meus botões! 

A festa estava terminando, as pessoas indo embora e nós dois conversando. Sabe quando tem um imã que atrai e não deixa ir embora? Estava sendo assim entre nós. Então ele pergunta: “vamos almoçar juntos amanhã?” “Certamente”, foi a minha resposta. Nem poderia ser diferente. Dispensou a companhia que me levaria para casa, pois meus pais já tinham ido, e disse que me levaria. Ao se despedir com uma boa noite sussurrada, beijou minha mão demoradamente. Naquela noite, sonhei com meu sheik vestido de smoking, elegante e bonito.

O almoço do dia seguinte foi o start para encontros diários, às vezes dois por dia. Almoço, jantar, ou um café, uma caminhada, um sorvete na beirada do mar, um cinema, teatro, show. Ou simplesmente uma conversa. Aquele homem intenso, gentil, agradável e extremamente sensual foi me conquistando. Até que um dia quis conversar sério comigo: “Mayra, quero falar para você como me sinto em relação a nós dois: estou me apaixonando por você. Tenho que voltar ao RS em alguns dias. Gostaria de saber sobre seus sentimentos por mim, antes de continuarmos com essa conversa”. Ficou esperando minha resposta. Eu, um pouco sem jeito, falei: também estou me apaixonando por você!” Ele sorriu, um sorriso largo, de felicidade, me abraçou e me beijou. Em pleno restaurante! Dessa vez foi um beijo de brilhar estrelas!  

Ele queria conversar comigo vários detalhes da vida dele e que eu fosse ao RS. Combinamos que eu passaria um período na fazenda para convivermos mais ainda.  No dia da partida de Alexander fui levá-lo ao aeroporto. Foi uma despedida amorosa. Ao sair do seu abraço e guardar o sabor do seu beijo já sentia saudade. Assim que chegou, me ligou para saber se estava firme na minha ida. Eu ri da ansiedade dele e respondi: “vou providenciar a passagem o quanto antes”. Ele perguntou se eu conhecia Porto Alegre e disse que havia estado na cidade há muito tempo”. Ele replicou: “então faremos o seguinte: eu encontro você em Porto Alegre e assim revê a cidade e conhece meu apartamento onde ficará hospedada. Depois seguimos para a fazenda. Que tal? Eu concordei, obviamente. 

Os próximos dias foram bem movimentados com as providências para a viagem. Embarquei para Porto Alegre. Voo curto. Ao desembarcar, peguei minha bagagem e logo avistei Alexander. Ele parecia mais bonito ainda. Quando me viu, veio rápido em minha direção, abraçou-me e beijou-me (pra valer!) em pleno aeroporto. Eu não regateei. Correspondi com a mesma intensidade.

Fomos para o apartamento dele. Enorme, bem decorado, de bom gosto. Confirmou que ele era rico, apesar de não ter contado grandeza. Falou da fazenda e dos negócios de forma muito simples. Mas de simplicidade a vida dele não tinha nada. E muito menos o jeito de amar. A saudade inspirou um amor ardente, apaixonado, marcado pela saudade, saboreado pelo reencontro. Saciados da paixão latente, saímos para jantar. Mostrou-me um pouco da capital gaúcha à noite. Durante o jantar ele comentou que gostaria de conversar várias questões importantes comigo, portanto não iríamos muito tarde para casa. Após um pequeno passeio retornamos ao apartamento. Alexander abriu um vinho e nos sentamos confortavelmente na sala grande, mas ainda assim, aconchegante. 

“Mayra, eu preciso lhe contar sobre a minha vida. Eu já fui casado. Perdi mulher e filho recém-nascido há cinco anos. Os médicos não conseguiram salvá-la com as complicações que surgiram inesperadamente. O bebê faleceu dias depois, pois tinha má-formação dos órgãos. Eu fiquei arrasado, você pode imaginar. Passei esses anos absorvido com o trabalho para não cair em profunda e irremediável depressão. Há um ano, comecei a me recuperar e a sentir falta de alguém na minha vida. Mas não queria ter aventuras para distração. Não é do meu feitio. Queria sim alguém para amar e fazer parte da minha vida. Aceitei alguns convites de eventos e festas patrocinadas por produtores, compradores, enfim empresários dessa área. Conheci algumas mulheres, bonitas sim, inteligentes mas nenhuma chamou a minha atenção. Parecia-me que faltava algo nelas. O algo que eu encontrei em você. Uma beleza cativante, natural. Você é entusiasmada pela vida. Seus olhos estão sempre brilhantes e risonhos.  Eu a observei por um tempo de longe e toda vez que você sorria eu me apaixonava mais m pouquinho. Você me cativou desde o primeiro momento que a vi. Por isso quis que você viesse conhecer minha vida de perto. Para nós nos conhecermos mais profundamente. Se você achar que se encaixa na minha vida e que eu e tudo que vem comigo pode se encaixar na sua vida vamos pensar em nosso relacionamento seriamente para um futuro casamento. Não muito futuro, pode ser?”

Eu ri da ultima pergunta dele. E respondi a ele: “percebi que você me seguia com o olhar durante a festa. Estava esperando você vir falar comigo. E quando veio com esse seu olhar intenso, aliás, com toda a sua figura intensa, um meio sorriso com um quê sensual, fui conquistada. E quando conversamos e você abriu um sorriso largo foi a conquista final. Vamos aproveitar esse período para nos conhecermos bem e ver como nos ‘encaixamos’ um na vida do outro. Vixi, teremos muito que contar e combinar!” 

Ainda ficamos três dias em Porto Alegre passeando, curtindo a cidade que ele tão bem conhecia, visitando locais turísticos, jantando em restaurantes  exóticos, intimistas, simples ou refinados. Eram as férias que ele não tinha em anos. Eu adorei cada segundo. Ele era uma companhia agradável e forte ao meu lado. Bastava estar perto dele para eu me sentir protegida, assim como desejada. Em seguida, fomos para a fazenda. Ao nos aproximarmos, ele explicou que tudo que eu via, até perder de vista, fazia parte da fazenda. Nossa, era terra demais. Toda plantada. Parreiras por todos os lados. Entramos pelo portão principal cuja alameda, ladeada por um arvoredo frondoso, levava ao Hotel. Olhei a construção e só podia dizer: impressionante!  Em estilo colonial, ele tinha varandas envidraçadas, o que lhe dava uma aparência mais moderna. Uma mistura de dois estilos que criava uma imagem impactante. Fiquei encantada. A recepção não poderia ter sido melhor. Todos aguardavam o ‘patrão’ com uma convidada especial. Eu pensei que ficaria hospedada no Hotel, mas Alexander tinha sua casa, na parte mais alta do terreno, com uma vista para toda a fazenda. Dali, das grandes janelas envidraçadas (o estilo da casa era semelhante ao do Hotel) ele podia ver todo o seu vinhedo.    

Fomos para a casa dele para nos acomodarmos. Lá, estava tudo pronto esperando por nós, inclusive um jantar, que parecia apetitoso.  Ele mostrou a casa toda. Semelhante ao apartamento, era bem decorada, chique, mas aconchegante. E o ‘nosso quarto’. Cama imensa e tudo muito bem arrumado e bonito. Jantamos e fomos para a varanda com as taças de vinho. Sempre um bom vinho (da vinícola dele, claro) acompanhando as nossas conversas. Subitamente, ele me pergunta: “você poderia viver aqui? Como a senhora da casa e a esposa do patrão?” Fiquei aturdida, pois era um pedido de casamento! Fiquei em silêncio e ele me perguntou: “assustei você com a pergunta?” Eu refleti por um tempo e respondi: “não foi susto. Eu achei que você faria essa pergunta, mas não tão cedo”. Ele segurou o meu rosto com as duas mãos, olhou atentamente nos meus olhos e disse: “eu encontrei quem eu procurava desde sempre; o meu primeiro casamento não foi por amor; nem sei mais porque foi; você eu amo, quero viver ao seu lado, quero você na minha vida e não quero perdê-la. Esse tempo aqui será para você me ver como eu sou e aí decidir. Pode ser assim?”

Que mais eu poderia fazer? Dessa vez eu o beijei com toda a intensidade do meu amor que desabrochava forte. Abraçados, brindamos com o vinho que tinha um sabor especial, pois brindava ao amor! 

(Em breve este conto continuará...)  


Por: Maria Teresa Freire - Jornalista, Escritora, Poeta, 

Presidente da AJEB – Coordenadoria do Paraná.





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