ALFENIM

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Malude Maciel.


Seu Né era a alcunha do meu avó materno, Manoel Joaquim de Sousa Guerra (falecido), residente no alto sertão de Pernambuco, mais precisamente na cidade de Calumbi.

Vovô Né, quase não nos visitava aqui em Caruaru, a não ser por alguma necessidade ou pela época de Natal, para rever as filhas, os netos, os genros e apreciar a bonita festa natalina que havia nesta cidade que recebia muitos visitantes de toda parte do mundo em todo final de ano.

Essa festa, que era denominada “Festa do Comércio” acontecia exatamente na área comercial, no centro caruaruense, sendo custeada pelo comércio local e, era conhecida em toda parte, pela grandeza característica do estilo agrestino. Além de ouvir falar, Seu Né também viu sua primeira filha, Louzinha, vir a Caruaru para a festa e ficar apaixonada; não somente pelas belezas alegóricas, mas principalmente por certo rapaz residente nesse rincão, o qual não tardou em pedi-la em casamento e fixar residência, justamente nessas aprazíveis plagas. O casório realizou-se na igrejinha de Calumbi, que ainda está historicamente intacta.

Nós, os mais novos, vibrávamos com a chegada de vovô Né; um velho branco, possivelmente descendente de portugueses que se fixaram lá pras bandas do Pajeú. Ficou viúvo, com quatro filhos: Agamenon, Louzinha, Agenor e Isabel (mamãe) e casou em segundas núpcias, com uma também viúva, trazendo pra casa, três filhas: Hilda, Tezinha e Aldiza. Enfim, sete filhos, que eles criaram com muita coragem e determinação. Um exemplo de vida honrada de muito trabalho.

Quando vovô chegava, algumas vezes vindo de trem ou na boleia de caminhão, porque os transportes eram precários à época, dirigia-se à casa de titia Louzinha e padrinho Eduardo que não ficava distante da nossa e era grande, bem localizada e, apesar dos seis filhos do casal, abrigava quem ali se hospedava com fidalguia e aconchego.

Depois de vencer o cansaço da viagem, vovô dedicava seu precioso tempo para a conversa descontraída, relatando os acontecimentos mais recentes. Depois vinha o melhor momento: os presentes, especialmente para nós, a criançada de então. Ele ficava admirado com sua prole e conhecia alguns pirralhos que nunca tinha visto, mesmo porque não havia possibilidades de fotos, como atualmente que de um lado a outro do planeta se pode conectar em segundos pela internet. Isto nem se imaginava de um dia existir.

No período natalino ele trazia uma caixa muito interessante, preenchida com palha e dentro dela uma iguaria que até hoje não encontrei igual. Era o alfenim feito nos engenhos de cana-de-açúcar.

Alfenim é uma massa alva e seca feita de açúcar, água, vinagre ou limão e também óleo de amêndoas doces. Não era a rapadura batida, que também é feita da cana, mas tem a cor escura, amarronzada; o alfenim era branquinho, delicado, um primor de gostosura. Ao invés de trazer brinquedos ou algo que já se encontre por aqui, o velho optava pelos alfenis, pois marcava sua presença e representava sua Região. Cada doce representava uma figura folclórica no feitio.

Meu avô era um homem simples, vivia da agricultura e do comércio. Para mim ele simbolizou o sertanejo em si: “antes de tudo um forte”, como bem definiu Euclides da Cunha.

Quando estive com ele a última vez, foi lá na terra dele; lembro que eu estava noiva. Nenhum dos meus filhos conheceu seus bisavós, e mesmo com alguns avós não tiveram muita aproximação, especialmente pelo lado paterno. Uma pena!

A convivência entre as gerações é muito significativa e enriquece os seres humanos; procuro primar nos contatos com as netas que tenho, porque sei que elas guardarão na lembrança nossos belos momentos.

O Natal, por natureza, é um tempo propício para as famílias se entrelaçarem com muito amor e carinho, uma época de confraternização e reflexões, quando se faz um balanço de todo o ano vivido e se tem a possibilidade de recomeçar uma vida melhor com a Graça de Deus, até que chegue o último Natal de cada um de nós.

Tudo passa! Tudo passa!

Por: Malude Maciel - Jornalista, Escritora e Membro da ACACCIL – Cadeira 15 – Profa. Sinhazinha.


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