O DIREITO NO COTIDIANO

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Alex Fernando da Silva.


Caros leitores e seguidores, nesta edição, abordarei mais um tema que é muito falado e vivenciado em nosso dia-a-dia, e gera muitas dúvidas: A perturbação de sossego. Para falar sobre, convidei o Drº. Lucas Rocha do Nascimento, Bacharel em Direito, Advogado licenciado, Especialista em Direito Constitucional e Assessor de Magistrado no Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco – TJPE.

O que é perturbação de sossego? 

A vida em sociedade pressupõe o respeito a uma série de regras básicas de conduta, uma delas é o respeito ao sossego dos vizinhos, no entanto, não é raro se ver vizinhos que se desentendem por problemas relacionados ao barulho, especialmente por aparelhos sonoros.

A legislação penal trata como contravenção penal a conduta de “Perturbar alguém, o trabalho, ou o sossego alheio: I – com gritaria ou algazarra; II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais; III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos; IV – provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem a guarda”, de modo que o praticante do ato poderá em tese estar sujeito a pena de prisão simples, de 15 dias a 3 meses, ou multa.

A norma mencionada está no artigo 42 da Lei das Contravenções Penais, legislação de 03/10/1941, isto é, com mais de 81 anos de existência e com plena validade.

É importante esclarecer que em trecho algum da norma se faz referência a horários que se tolera a prática do ato, de maneira que se conclui que o parâmetro das 22 horas não passa de mera convenção social, não possuindo qualquer respaldo jurídico para afastar a responsabilização de quem, por exemplo, utiliza sons de carro em regiões residenciais ou comerciais, causando incomodo aos moradores, vendedores e transeuntes.

Existe “hora certa” para perturbar o sossego alheio?

É comum no imaginário popular a ideia de que não se pode utilizar instrumentos sonoros em volume alto ou mesmo fazer qualquer tipo de ruído alto que possa incomodar a terceiros após as 22 horas e, de certo modo, não está errada a compreensão. 

Ocorre que também não se pode fazer isso antes das 22 horas ou em qualquer horário do dia e é isso que o presente e breve artigo irá explicar.

Afinal, fazer barulho, seja qual for o horário, é crime?

Na lei brasileira existem duas formas de infração penal: (i) o crime, e a; (ii) contravenção penal.

Em resumo, o crime é uma conduta mais grave e punida de forma mais severa do que a contravenção penal, muito embora, na prática, os efeitos concretos no processo penal sejam bastante similares.

A depender da intensidade do barulho ou ruído e do caso concreto em si, a conduta pode ser enquadrada como contravenção penal ou como crime ambiental.

Mas, e quando o barulho pode ser considerado crime (mais grave)?

Há uma controvérsia sobre o tema, mas existem doutrinadores do Direito Penal Brasileiro que defendem que, a depender do ruído e do caso concreto, a conduta pode ser enquadrada como crime ambiental previsto no art. 54 da Lei nº 9.605/1998.

A conduta descrita na norma é “causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais, ou a destruição significativa da flora”, que prevê pena de reclusão de 1 a 4 anos e multa.

Mais uma vez, não há qualquer menção a horários, de modo que, mais uma vez, se conclui que as pessoas não estão autorizadas a “fazer zuada” durante o dia, por exemplo.

Então não se pode mais ouvir música em volume alto?

No final das contas é impossível delimitar um volume máximo para se ouvir música, devendo, portanto, prevalecer o bom senso.

Por mais que esteja em um dia de domingo a tarde é preciso reconhecer que nem todos os vizinhos do bairro gostam, por exemplo, das canções de Wesley Safadão ou qualquer outro artista que seja “hit de paredão”, de modo que se deve respeitar as normas de boa convivência nos locais de maior aglomeração de pessoas, evitando o uso demasiado de som alto, independentemente, do horário, até porque tal uso desmedido pode causar mal à própria saúde dos ouvidos (não pela música em si, mas pelos decibéis em excesso).

O que fazer em caso de barulho provocado por som ou qualquer outro instrumento sonoro?

Como já dito anteriormente, a depender do caso, o barulho que provoca incômodo a terceiros, independente de dia e horário, pode se enquadrar como crime ou contravenção penal, de modo que a pessoa incomodada poderá ligar para a Polícia Militar, relatar o ocorrido e pedir providências, caso não haja a possibilidade de resolver amigavelmente o problema.

Conclusão: não existe dia ou hora “permitida” para perturbar o vizinho.

Portanto, deixando claro que não existe essa história de “só pode fazer zuada até as 22 horas”, já que a previsão legal das infrações penais violadas não possui dia ou horário fixados em lei para acontecer.

Em verdade, essa “norma popular” é fruto do que a sociedade ao longo dos tempos foi convencionando como tolerável, mas não se sobrepõe às proibições legais à perturbação de sossego e de poluição sonora.

Por: Alex Fernando da Silva é Advogado, Especialista em Direito Público, Mestrando em Direito, Presidente do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente e Sustentabilidade de Surubim/PE (COMDEMAS), Assessor Jurídico dos Conselhos Municipal, Escritor e Palestrante.


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