DEPOIMENTO - O HOSPITAL SÃO LUIZ MOLDOU O MEU DESTINO

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Ora pois, 70 anos do Hospital São Luiz. Literalmente, 06/12.  Setenta anos, significa que já ultrapassei essa marca.  Minha vida e a dos meus irmãos tem muito a ver com isso. Vou registrar.  Como dizia o saudoso Pedro Alencar: “Escreve, Zé.  Para quem interessar possa”. Vamos lá. Para quem interessar possa. Aviso que vai ser longo. 

SONHOS DIVERGENTES

José Nivaldo Barbosa de Souza, matuto vira lata do Cedro, distrito de Limoeiro-PE, e Maria Neíse Monteiro Gondim, elite cearense, pedigree de 350 anos, se conheceram e se apaixonaram no curso de Medicina da atual UFPE. Minha mãe tinha grandes sonhos. Pós-graduação na Europa era o próximo passo. O meu pai, um cientista nato, também tinha grandes sonhos. Fazer medicina no interior sintetizava tudo. O que fazer? Negociar.

PROMESSA VAZIA

Meu pai enganou minha mãe.  “Queridinha, casamos, vamos para Surubim, eu ajudo o Monsenhor Ferreira a implantar um hospital naquelas brenhas, complemento minhas pesquisas (sobre doenças tropicais e carência alimentar) e vamos fazer pós graduação na Europa. Veja, três universidades da Alemanha já aprovaram meus projetos. É só um tempinho em Surubim”.

Casaram-se no dia 7 de setembro de 1950. A família de minha mãe, indignada com a escolha da princesa pelo plebeu, liso e feio, sequer enviou representante ao casório. Vieram para Surubim, onde meu pai já estava estabelecido desde a firmatura, em dezembro de 1949, no mesmo dia. Estão enterrados no cemitério local. 

O HOSPITAL

Nasci em 7 de julho de 1951. Exatos 10 meses após o casório. Como o hospital com a maternidade ainda não estava pronto, fui nascer no Recife. Sou surubinense nascido no Recife, disso não abro mão. Meu irmão Ricardo (Engenheiro Ricardo Barbosa), nasceu quando o hospital estava prestes a ser inaugurado. Apressado, chegou certa madrugada com menos de sete meses, nasceu em casa pela emergência. Sobreviveu de teimoso. Os outros, pela ordem, Lucinha (Psiquiatra Lúcia Figueiroa), Sérgio (Clínico Sérgio Gondim) Gina (Psiquiatra Virgínia Pignot) Paulo (Empresario Paulo Gondim) e Neisinha (Pediatra Neíse Montenegro) nasceram na maternidade Nossa Senhora do Bom Despacho, parte integrante do São Luiz.

O DIRETOR

O Hospital foi inaugurado em 06 de dezembro de 1953. 70 anos comemorados ao longo da semana em curso.  (Leia artigo de Maluma Marques). Não lembro da inauguração, evidente. Mas o Hospital São Luiz fez parte indissociável da minha infância. Filho do diretor, menino curioso (temeroso, no dizer castiço/matuto de Teté, nossa “governanta”) eu tinha acesso a tudo no hospital. Aprendi que gostava das histórias, das conversas nas consultas, mas detestava o atendimento. Imaginem naquele tempo, filho mais velho de um inédito casal de médicos no Agreste de Pernambuco. Todo mundo e o mundo inteiro me chamava de “doutorzinho”. Defini meu rumo no Hospital São Luiz. Meu pai me levou para assistir a uma cirurgia, que ele, eventualmente, pela necessidade, na ausência do titular Dr. João Couto, um gênio da cirurgia, era forçado a fazer. Achei péssimo.  Lembro que a irmã não recordo o nome, chefe das dedicadas freiras que o Monsenhor Ferreira Lima, executor de sonhos improváveis conseguiu levar para Surubim, comentou: nunca vi uma pessoa fazer tanta careta. Era eu, assistindo à cirurgia. Saí do que me pareceu carnificina necessária sem saber o que queria ser na vida.  Mas sabendo que médico não seria jamais. 

PS no meio do artigo: uma das melhores coisas da minha vida é que continuo buscando o que quero ser. Fico devendo um artigo sobre isso. 

A CAPELA

Durmo tarde e mal. Sempre detestei sair da cama cedo. Durante a semana, tinha escola e café da manhã na mesa pontualmente seis e meia. No domingo, a pulso, ia à missa das 7, na capela do São Luiz, essa que está na foto. Não interferiu na formação do meu ateísmo convicto e filosóficamente fundamentado. Mas para minha aversão a protocolos impostos, aliás para imposições de qualquer natureza, certamente deu sua contribuição. Obrigado, capela. Sim. O sábado. Com papai e mamãe ocupados no consultório ninguém fiscalizava minha hora de acordar. É o meu dia preferido, desde sempre e para sempre.

PILHERIAS

Até hoje ninguém, de qualquer orientação ideológica, disse que leu o meu romance “O Julgamento de Deus” e não gostou. Acredito. É um esculacho irreverente com o Golpe de 1964.  O Hospital São Luiz faz parte do livro. É cenário da delirante gravidez da freira virgem que virou santa e foi parar no Vaticano. Como também objeto de uma injustiça. Para não perder a piada pronta, caricaturei a questão dos sobrinhos do padre que, no romance, privatizaram nepoticamente o equipamento. No mundo real, realizam um excepcional trabalho administrativo, preservando, ampliando, modernizando um serviço que, 70 anos depois, continua fiel aos ideais do Monsenhor Ferreira Lima e do meu pai, por que omitir a História?

A FAMÍLIA

Bem, o casal amealhou justa fortuna. Meu pai, católico, conservador, direitista mesmo, imaginem, foi parceiro de Josué de Castro nas pesquisas de soluções contra a fome. Com o Golpe (que ele contraditoriamente apoiou) Josué, autor do clássico “Geografia da Fome”, foi injustamente exilado. A entidade que presidia e meu pai integrava, a Ascofam, algo como Associação Contra a Fome, foi dissolvida. Acho que foi por essa época, não sei o motivo, que deixou a direção do São Luiz. A amizade e lealdade ao monsenhor não sofreram arranhão. Deve ter sido de boa. Porém, senti algo como uma pontinha de mágoa. Assim, também desiludido do lado científico, o Dr José Nivaldo dedicou-se a outras coisas. Sem abandonar a clínica, mas livre da burocracia da gestão hospitalar, tornou-se selecionador de gado Indubrasil, um dos melhores do País. Romancista.  Conquistou vaga na Academia Pernambucana de Letras e mais quase uma dúzia de Academias, no Brasil e no Exterior. Colecionador de fazendas e de amigos e admiradores.  Conformada com o destino no interior, Dra Neíse dedicou-se à causa das mães e dos bebês. Liderou uma verdadeira revolução através da educação social e da difusão do conhecimento. Marcou época. Fez as pazes com o São Luiz quando ficou claro que a formação técnica das freiras não correspondia ao nível do cirurgião Dr. João Couto. Minha mãe praticou o sacrifício de fazer um curso de anestesista. E, até chegar um substituto raiz, ajudou o Dr. João a salvar muitas vidas no São Luiz.

A PAZ

Um registro: o tempo, as novas gerações que se interligaram com amor, diluiram as resistências e fizeram a paz entre as famílias. Minha avó materna, após a viuvez, veio morar com a filha primogênita.  Descansa em paz, ao lado do casal, no mesmo túmulo, no cemitério de Surubim.

O SÃO LUIZ

Até onde sei, nenhum dos mais ou menos 46 descendentes vivos de Dra Neíse e Dr José Nivaldo recebeu convite para a festa. Eu, com certeza, não recebi. Em viagem de trabalho, que se arrasta ainda sem prazo para terminar, não iria mesmo. Se estivesse ao alcance, não precisaria de convite para ir. De certo modo, o São Luiz é meu territorio. Agradeço a menção carinhosa que o atual diretor, Dr. Gildo Ferreira Lima, fez aos meus pais no seu discurso. 

Realmente, o São Luiz não seria o que é sem eles.





Por: José Nivaldo Junior - Historiador. Surubinense nascido no Recife. Da Academia 

Pernambucana de Letras. Consultor em comunicação política. Autor do best-seller 

internacional Maquiavel, o Poder.  Diretor do Jornal O PODER.



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