FESTAS NO INTERIOR

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José Vieira Passos Filho.


Dançar um pagode após uma tapagem de casa, essa era uma das tradicionais festas no interior. Até o início da década de 1970 a população vivia em sítios e fazendas, em casas construídas de “pau a pique”. Para tapar o casebre, usava-se barro escavado em terreno próximo a casa; umedecido e amassado com os pés, era levado, aos bolos, para preencher as frestas das paredes. Os voluntários da tapagem recebiam como prêmio cachaça à vontade. A etapa final da tapagem era o nivelamento do piso da casa, apiloado com os pés, ao som de uma animada cantoria. Um puxador, com um ganzá ou pandeiro, iniciava o samba de coco. Os versos eram decorados ou improvisados. Como a maioria dos tapadores da casa eram homens, eles dançavam em duplas, segurando os braços entre si. Uma festa inesquecível, que não existe mais. Cheguei a dançar alguns pagodes.

As festas dos casamentos no interior iniciavam na igrejinha do povoado. Depois, os convidados iam para casa dos pais da noiva, que moravam numa grota, distante duas ou três léguas do arruado. A casa era pequena, não cabia todo mundo. A comida era farta: buchada, galinha, arroz e feijão. A noite, um sanfoneiro animava o samba numa pequena cobertura improvisada (chamada latada), em frente à casa. Vários botequim vendiam cachaça. Para dançar, os homens eram em maior número, assim, eles ficavam em volta ao salão esperando uma oportunidade para pedir “uma voltinha” ao cavalheiro – ah, se não concedesse: era briga de peixeira. Tirando poucos inconvenientes, sambava-se até o amanhecer. Quantos casamentos de roça fui com meus primos! Boas recordações de minha mocidade.

As festas de santos eram tradicionais: São José, São Sebastião, Natal, Ano Novo, etc. O devoto do santo morava numa “boca de grota”. No terreiro, em frente à casa, vários botequim eram montados - algumas festas tinham rodas com cavalinhos e barcos. Iam todos os moradores das redondezas; a cavalo ou a pé. O burro cego do meu avô Neco Leite era meu transporte para essas festas. Era ele quem me trazia de volta; bêbado cego. 

Quando a política começou a se profissionalizar, os candidatos passaram a patrocinar shows nas cidades. Contratavam cantores famosos. Gastavam uma fortuna! O investimento compensava, pois tinham ressarcimento durante a administração, caso fossem eleitos. Mandavam apanhar seus supostos eleitores, em caminhões, nos povoados ou nas fazendas. Com o povo amontoado nas praças da cidade, ficava mais fácil transmitir as promessas eleitorais. As festas no interior desapareceram.

A falta de terras e de trabalho; a procura por educação e saúde, provocou a migração das famílias da zona rural para a cidade. O governo, em vez de construir casas populares nos pequenos povoados, fez nas cidades. O campo ficou sem seu povo. Os governos, sem recursos para implantar a infraestrutura necessária nas cidades, deixou surgir as favelas. Aconteceu o inevitável: a população se marginalizou, a prostituição veio como consequência do desemprego – uma sobrevivência de vida. O campo, vazio, perdeu suas tradições. Restou a saudade para quem viveu o tempo das festas no interior.

Por: José Vieira Passos Filho - Pres. da Academia Alagoana de Cultura, Sócio Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, Sócio Efetivo da Academia Maceioense de Letras, 
Sócio Honorário do SOBRAMES (AL), Sócio Efetivo da Comissão Alagoana 
de Folclore. Presidente da ALB de Alagoas.


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