LIBERAÇÃO DA MACONHA E DROGADIÇÃO: A CONTRAMÃO DOS VERDADEIROS DIREITOS HUMANOS¹

0 Comments
José Francisco dos Santos.


O Mestre disse que veio para que todos tenham vida, e a tenham em abundância (Jo 10,10). Podemos inferir que a vida em abundância se refere a todo o verdadeiro bem que podemos possuir: a saúde do corpo, o equilíbrio psíquico e afetivo, o pleno uso de nossas faculdades intelectivas, uma vida familiar e social harmoniosa, uma vida espiritual que nos reconecte com  Aquele que nos sustenta no ser. 

Penso que, se fôssemos definir o conjunto desse bem, chegaríamos próximos ao que Aristóteles definiu como “Eudaimonia”, que São Tomás traduziu como “beatitude”, e que nós costumamos chamar, genericamente, de felicidade. 

Em Aristóteles e em todos os pensadores cristãos que refletiram sobre esse assunto, esse estado de perfeição implica a vivência das virtudes, o pleno domínio das partes inferiores da alma (as paixões do irascível e do concupiscível) pela parte superior, racional e espiritual. 

Nossa natureza decaída, por sua vez, tem a propensão contrária. Em nós, os desejos da carne, no que se refere aos prazeres da sensibilidade e, também, aos impulsos da raiva, encontram-se em desordem. Desse modo, o próprio Aristóteles, que nunca refletiu sobre o pecado original, afirmava que a imensa maioria dos homens leva uma vida bestial, pois confunde a felicidade com o prazer. Ora, o prazer desordenado leva aos vícios, que aumentam a desordem, criam dependência e toda sorte de malefícios para o indivíduo e para o seu entorno. 

Dito isso, se quisermos, de fato, defender os direitos humanos, temos que orientar nossa reflexão para o mesmo caminho já trilhado pelos grandes mestres. Poderíamos afirmar que todo ser humano anseia, em seu íntimo, pela felicidade perfeita, embora normalmente a confunda com bens inferiores, especialmente os prazeres da sensibilidade e a posse de bens externos. Uma cultura que buscasse promover o bem-estar do ser humano deveria se orientar, então, para incentivá-lo à prática da virtude. Não julgo correto afirmar que essa felicidade é um direito, pois se há um direito para alguém, deve haver um dever para outro alguém, e a virtude implica muitas exigências que a própria pessoa nem sempre está disposta a aceitar. Não obstante, quem tem a incumbência de gerir a vida social e política, fazer leis e aplicá-las, deve primar para que as normas da vida social encaminhem o cidadão para a vivência de uma vida plena, que implica conhecimento, virtude, auto evolução. 

Por óbvio, então, que todo vício deve ser combatido, com todas as armas que se tiver à disposição.

Ora, a dependência química tem se mostrado um verdadeiro flagelo nas sociedades contemporâneas. O uso de drogas sempre foi considerado o inimigo número 1 da adolescência e da juventude, levando os organismos sociais a se empenharem em campanhas de prevenção e conscientização e, no caso dos que já caíram no vício, no tratamento e na ressocialização. 

Esse tratamento é difícil, penoso, custa caro, demanda empenho e não garante resultados. Todos os que trabalham nessa área o fazem na esperança de que alguns pelo menos alguns consigam se afastar do vício. 

Aqueles que se afastam testemunham a enorme dificuldade do caminho em busca da liberdade perdida, e o desafio diário de manter-se limpo e sóbrio. Basta visitar uma reunião de Alcoólicos Anônimos ou Narcóticos Anônimos para confirmar isso. 

Quem tem um dependente químico na família sabe que o entorpecente prejudica todo o núcleo familiar, e não apenas o indivíduo que dele faz uso. 

Em suma, todo vício é fonte de enorme prejuízo: de vida, de tempo, de talento, de produtividade, um desperdício enorme de energia, que poderia estar sendo canalizada para a construção do bem pessoal, familiar e social. 

É nesse contexto que olhamos, estupefatos, para a decisão do STF, do último dia 26 de junho, que libera o porte de 40 gramas de maconha - quantidade que faz com que o portador seja considerado usuário e não traficante - para os fins da aplicação da lei penal sobre tóxicos. 

Pelo que dizem alguns que entendem do funcionamento do mercado de drogas, essa quantidade permite confeccionar quatro “baseados”, como são chamados os cigarros da droga, normalmente vendidos a R$ 10,00 cada. Então, um “aviãozinho”, como se chamam os meninos que levam e trazem droga nos meios do tráfico, pode, sem ser considerado traficante, entregar, a cada vez, 4 “baseados”. Se repetir a operação 10 vezes por dia, o tráfico estará muito bem servido. Caso o indivíduo seja pego pela polícia, estará com a quantidade permitida. Tenho dificuldade para pensar que a decisão da Corte Suprema não tenha sido intencional no sentido de beneficiar o tráfico de entorpecentes. 

Além do mais, a decisão vai na linha dos chamados “Direitos humanos”, que incluem, cada vez mais, o que é criminoso e ilícito, como o aborto, a eutanásia e a depravação sexual. 

Os integrantes das “marchas da maconha” sempre fizeram pressão pela liberação do uso “recreativo” da droga. Do mesmo modo, as “marchas das vadias” pedem o aborto e as paradas LGBT, com todas as letras e símbolos que lhe vão sendo acrescentadas, insistem na difusão do comportamento homossexual e suas variantes na educação das crianças. 

E assim, a militância da esquerda revolucionária vai avançando com suas pautas. Como elas não passam no Congresso Nacional, pois os congressistas dependem do voto popular, e a população rechaça veementemente tais pautas, o STF tem sido a válvula de escape para, muito além das suas atribuições, invadir as prerrogativas do poder legislativo. 

No caso da maconha, a Associação Brasileira de Psiquiatria divulgou um manifesto3 no qual rechaça a decisão da liberação, indicando como razões: a falta de estrutura para o tratamento de dependentes, o fato de que a maconha é ainda mais danosa à saúde que o cigarro, o alto risco e impacto no desenvolvimento dos jovens, o prejuízo que a maconha causa a diversos órgãos e sistemas humanos, que o uso terapêutico da droga ainda está em fase de estudos, que esta liberação não impacta na diminuição da violência, que o controle das drogas lícitas é ineficiente, e portanto o controle dessa quantidade de maconha também o será, o desconhecimento do impacto que a maconha produz na psique do indivíduo, entre outros. 

No mais, gostaria de ressaltar outro problema, que vem do que já chamei em outra ocasião de “a bola de neve da jurisprudência”. Como no caso do aborto, a liberação para os anencéfalos levou, por analogia, à ampliação da liberação para outras doenças. Sempre é possível, com base em uma decisão, apresentar um caso similar, e não idêntico, e convencer um juiz a aplicar a mesma regra, o que vai estendendo o alcance da decisão inicial. 

Então, já estou aguardando um possível usuário, pego com 60 gramas de maconha, solicitar a descriminalização do porte, por proximidade. Ou os usuários de cocaína, heroína ou crack, sentindo-se discriminados e vilipendiados em seus “direitos humanos”, exigirem também o mesmo tratamento. 

Em suma, a decisão é desastrosa por esses e muitos outros motivos. 

Mas o maior desastre é a direção para qual ela aponta. Uma decisão desse tipo mostra que o Estado brasileiro não olha para os direitos dos cidadãos como meio de promoção de seu verdadeiro bem-estar. Então, um Estado que desconhece a virtude e legisla em sentido contrário a ela é sinal de uma enorme decadência. 

Unamo-nos a todos os que ainda guardam alguma nesga de sensibilidade e bom senso e conseguem diferenciar ainda e bem e o mal, pelo menos nos seus contornos mais óbvios, e lutemos para que o Brasil acorde desse pesadelo. 

E que, de fato, tenhamos vida em abundância!

________________________________________________

¹  Alocução apresentada na Assembleia do GRUPIA – Grupo de Proteção à Infância e à Adolescência de Brusque/SC, em 11/07/2024.

Por: José Francisco dos Santos - Prof. Zezinho, consultor do GRUPIA. Graduado em Filosofia
pela UNIFEBE, Especialista em Fundamentos da Educação pela FURB, Mestre e Doutor em
Filosofia pela PUC/SP, é professor do Centro Universitário de Brusque – UNIFEBE,
Faculdade São Luiz e Faculdade Sinergia.



You may also like

Nenhum comentário: